Cerca de 70% estão sem poder rodar nas ruas das cidades por causa das enchentes. Muitos perderam, inclusive, seus carros, ou seja, seus meios de trabalho. Sem proteção social estão jogados à própria sorte
As múltiplas faces da tragédia vivida pela população do Rio Grande do Sul desde o final de abril quando as chuvas começaram a castigar o estado, incluem a desproteção social a trabalhadores que não têm em suas categorias uma regulamentação que lhes garanta direitos e benefícios para situações como essas.
O trabalho informal como é exercido atualmente pelos motoristas de aplicativos no transporte de passageiros trouxe como resultado, após a tragédia, uma absoluta falta de perspectiva sobre como sobreviver economicamente até que suas vidas possam ser reconstruídas.
O Jornal de rádio da CUT conversou com a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores no Transporte Particular por Aplicativos do Rio Grande do Sul (Sintrapli-RS), Carina Trindade, sobre o drama que mais de 70% dos trabalhadores e trabalhadoras do setor passaram a enfrentar com as enchentes.
Motoristas de aplicativos, ela diz, perderam, além de suas casas, os seus carros. “São pessoas que também estavam em casa na hora da enchente e não deu tempo nem de sair com o carro”.
A dirigente fala, inclusive, em primeira pessoa. Carina está provisoriamente em casa de amigos, já que sua residência, no bairro Mathias Velho, em Canoas, ainda se encontra sob as águas das enchentes.
Ela conta que perdeu tudo o que ela sua família havia construído em 40 anos de vida. “Eletrodomésticos, roupas, móveis, perdemos tudo”.
“Consegui ter acesso depois de 25 dias. Ao chegar, mesmo tendo visto situações trágicas, é muito triste ver que tudo o que fizemos com muito sacrifício, tudo foi por água abaixo, literalmente. Vamos ver se conseguimos resgatar algo, mas está tudo destruído, inclusive parte do imóvel. Só vamos poder ter uma noção exata ao baixar a água, que ainda bate no nosso peito”, ela diz.
Ao relatar o próprio drama, contando que teve de parar suas atividades como motorista por aplicativo para ajudar a socorrer outras pessoas, resgatar animais e ajudar em ações solidárias, ela chama atenção para a questão da proteção social que, no caso dos motoristas ainda é inexistente.
“Essa é uma hora de botarmos a mão na consciência para saber que tipo de organização, que tipo de direitos temos que ter. O Projeto de Lei dos Motoristas foi duramente atacado por uma série de desinformações, mentiras, mas a realidade está aí e prova que se tivéssemos direito à proteção social, a benefícios, teríamos minimamente uma luz no horizonte para reconstruirmos nossas vidas”, diz a dirigente.
Proteção social faz a diferença
Parte do escopo do Projeto de Lei Complementar 12/24, o PLC dos Motoristas, a chamada proteção social, dada pela contribuição à Previdência, se mostra fundamental em momentos como este.
Estimamos que 70% dos motoristas tenham sido prejudicados. Muitos estão em abrigo e não conseguem trabalhar. Em Canoas, metade da cidade, a mais povoada, está debaixo d´água. Se houvesse qualquer tipo de proteção social, poderiam ter algum benefício para poder sobreviver”.
Sindicato é quem ajuda trabalhador
Ela reforça que a atuação solidária dos sindicatos na tragédia no Rio Grande do Sul tem sido decisiva para ajudar as pessoas “É o movimento sindical o primeiro a cuidar dos trabalhadores. A CUT-RS e sindicatos estão engajados, colocando até mesmo as suas sedes para alojamento, recolhimento de doações e outras ações”, ela diz.
Carina também reforça o papel do poder público em situações como esta. “Hoje temos um governo que está empenhado em mediar as soluções que garantem direitos para os trabalhadores. O PLC dos Motoristas é um desses exemplos. Quando junto com o movimento sindical se elabora uma política para organizar uma categoria, o que se pensa é justamente garantir acesso a direitos, inclusive a proteção social, que vem do governo”, diz Carina.
Hoje, a maioria dos motoristas não terá acesso a valores que governos federal e estadual estão garantindo para as vítimas porque são microempreendedores e não estão inscritos, por exemplo, no Cadastro Único, que possibilita justamente ter acesso a benefícios. Estão invisíveis, ela diz.
Aprovar o PLC é preciso
É preciso pensar bem o quanto ser MEI vai dificultar coisas na vida. Não teremos nenhum tipo de benefício para nos refazermos, para reestruturarmos, reconstruirmos a vida, nem pra podermos continuar trabalhando. Quem acha que ainda é dono do próprio negócio, empresário de si mesmo, deve pensar mais, fora da bolha e pensar em quem tem dificuldades justamente por isso”, afirma a dirigente gaúcha.
E ela prossegue afirmando que essas pessoas, “perderam seus carros, suas casas, e são trabalhadores que precisam de benefícios do governo, e é partir disso que vai conseguir se recolocar no mercado, sobreviver”.
É preciso entender que cada trabalhador precisa estar inserido como categoria e ter regulamentação própria, como é a que propõe o PLC. O momento de dificuldade chegou e precisamos colocar a mão na consciência para entendermos que não podemos ficar dependendo de plataformas. É preciso ter direitos garantidos.
Ela explica que as plataformas estão concedendo benefícios a apenas algumas motoristas, em geral, aqueles que mais corridas fizeram, como uma espécie de prêmio, deixando os demais sem nenhum tipo de benefício.
‘Se já houvesse a representatividade, teríamos o poder de cobrar a responsabilidade das plataformas para uma ajuda a todos e não de forma seletiva como vem ocorrendo.
Fake news e ataques ao PLC
Em desabafo nas redes sociais, Carina Trindade, reforçou a crítica a plataformas e a influenciadores digitais, assim como associações de motoristas de fora do Rio Grande do Sul que se aproveitaram da tragédia para atacar o PLC.
Ela afirmou ser “lamentável que um grupo de associações e de motoristas que não são do Rio Grande do Sul venha se utilizando da tragédia para fazer campanha contra o projeto”.
A dirigente explicou que os motoristas do estado “não têm direito a nada, a auxílios, ao saque emergencial do FGTS porque muitos não têm saldo no fundo, principalmente aqueles que já trabalham há anos como motoristas”.
“Nós estamos no meio do caos, perdemos tudo e não temos direito a nada do governo do estado porque não nos encaixamos nas regras e somos considerados MEI e vocês fazendo manifestação contra o PLC. Nem daqui vocês são. Por quê ao invés disso vocês não vêm aqui ajudar?”, questiona Carina.
Ela ainda afirma que o sindicato está solicitando tanto às plataformas como ao governo federal para que ajudem o conjunto dos motoristas impactados pelas enchentes.
Fonte: CUT Brasil