Atesta CFM, criado para emissão de laudos médicos, viola direitos dos trabalhadores e a competência da União de regular documentos vinculados à saúde, favorecendo ‘mercado’ para o Conselho Federal de Medicina
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) suspendeu, na segunda-feira (4), resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que obrigava médicos e dentistas do país a utilizarem plataforma eletrônica chamada Atesta CFM para emitir e validar atestados médicos. O juiz federal Bruno Anderson da Silva, responsável pela decisão preliminar, afirmou que a obrigatoriedade do Atesta CFM viola a competência da União de regular documentos vinculados à saúde e pode criar uma reserva de mercado favorável ao Conselho.
O Atesta CFM foi lançado pelo Conselho em setembro com o objetivo, segundo o órgão, de coibir fraudes na gestão de atestados médicos. A determinação era de que a emissão de todos os atestados produzidos no Brasil fosse executada por meio da plataforma, com a obrigatoriedade começando a valer nesta terça-feira (5).
O projeto, porém, foi contestado por especialistas por causa de seu caráter protecionista e, principalmente, por criar mecanismos que poderiam violar a privacidade de trabalhadores. Em artigo publicado recentemente no portal Jota, o professor e advogado Fernando Aith expõe que o Atesta CFM, como está estabelecido nos dias atuais, “será um dos maiores bancos de dados pessoais do mundo, a reunir informações sensíveis e ultrassensíveis de saúde”.
A regulação do Atesta CFM também determina que dados individuais podem ser divulgados e servir de subsídio para “tomada de decisões estratégicas” de empresas se houver a concordância do paciente. O modelo cria, então, a possibilidade de que essas informações sejam utilizadas para decidir sobre o ingresso ou a manutenção das pessoas no mercado de trabalho.
A advogada Fernanda Giorgi, assessora jurídica da CUT Nacional, alerta para o fato de que, “neste contexto, o consentimento de quem trabalha não é base válida para o tratamento de dados pessoais, já que existe dependência econômica em relação ao empregador, o que afasta a liberdade de escolha”.
Outra grave disposição da resolução do CFM é a possibilidade de o atestado válido ser rechaçado por “médico da instituição ou perito”. Isso significa atribuir poder superior a quem pratica medicina pela empresa ou pelo INSS em detrimento de quaisquer outros profissionais da área, criando verdadeiras castas entre a categoria. “A posição de certos profissionais passa a prevalecer sobre a de outros”, diz Fernanda Giorgi. Essa desigualdade, por sua vez, gera insegurança jurídica para a classe trabalhadora que, adoecida, não terá certeza do abono de suas faltas já que seus atestados médicos e odontológicos validados pelo CFM podem simplesmente não ser acatados “por divergência de entendimento”.
Controvérsias do CFM
A implantação em caráter obrigatório do Atesta CFM se soma a outras polêmicas recentes que envolvem o Conselho. Durante a pandemia de coronavírus, a entidade foi uma das principais vozes em defesa do chamado “tratamento precoce”, que prescreveu medicamentos ineficazes, como cloroquina e ivermectina, contra a Covid-19. Mais recentemente, o Conselho emitiu uma resolução criando restrições ao aborto legal.
O CFM renovou em agosto sua direção e, em muitos estados, elegeu conselheiros alinhados com políticas “negacionistas” na área de saúde.
A CUT e CNTSS (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social), reafirmam seu posicionamento contrário à conduta do CFM neste caso, por isso, registraram denúncia sobre as irregularidades da resolução no Ministério Público do Trabalho (MPT), para que o caso seja investigado.
Fonte: CUT