Paralisação conquistou reajuste, incluindo aposentados e pensionistas. Entidades alertam para práticas antissindicais mesmo sob um governo que se declara representante da classe trabalhadora
Após 114 dias de intensa mobilização, servidores do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em todo o país, retornaram ao trabalho nesta segunda-feira (11).
A decisão de suspender a greve foi tomada pela categoria após acordo firmado entre a Fenasps (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social) e o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos).
“A greve realmente encerrou, a Fenasps fez uma plenária nacional, aonde recebeu as informações de todos os estados, e tomou a decisão pelo fim da greve, mediante acordo, no qual consta o que houve de avanço e como se dará o processo de reposição dos dias de greve”, explica Lincoln Ramos, representante da Fenasps e diretor da Secretaria de Saúde do Trabalhador do SindPRevs-PR (Sindicato dos Servidores Públicos Federais em Saúde, Trabalho, Previdência Social e Ação Social do Estado do Paraná).
A liderança sinaliza que o fim da mobilização resulta da avaliação realizada pelo Comando Nacional de Greve de que foi atingido o “limite do processo negocial”.
Ainda, segundo ele, as principais reivindicações da categoria, que incluíam reajuste salarial, reestruturação das carreiras, jornada de 30 horas semanais e enfrentamento do assédio institucional, não foram todas contempladas, mas Ramos reforça que o posicionamento está baseado pela análise “do que era possível conseguir na atual conjuntura”.
“O conjunto da classe trabalhadora, todos os delegados de cada estado presentes na plenária nacional avaliaram que esse era o limite dado e, portanto, deram a greve por encerrada. Obviamente, isso não contemplou todas as demandas da categoria. É sempre uma análise conjuntural do momento”, observa.
Entre as medidas acordadas estão a retirada de falta injustificada dos grevistas, a compensação de horas não trabalhadas, também a habilitação das entidades sindicais para participarem dos fóruns acordados para debate das demandas apresentadas pela categoria.
“Fechamos um acordo que permita que esses dias possam ser negociados, os trabalhadores terão um prazo para repor essas horas de trabalho. Conseguimos chegar um termo que seja razoável para os trabalhadores”, indica.
Greve conquista reajuste a aposentados e pensionistas
O governo federal vinha costurando, desde o início do ano, um acordo com os servidores do INSS. O MGI promoveu cinco reuniões de negociação com a classe, até então, sem sucesso.
Agora, a proposta aprovada dará um reajuste na remuneração dos servidores de 18%, dividido em 2 etapas, a primeira em janeiro de 2025 e a segunda em abril de 2026.
A partir de janeiro de 2025, as carreiras de nível superior do INSS terão salário inicial de R$ 9.370,92, saltando para R$ 9.874,97 em abril de 2026.
Para o cargo de técnico do seguro social, hoje ainda de nível médio, o salário inicial passa para R$ 6.043,05 (incluindo as gratificações) em janeiro próximo, aumentando para R$ 6.355,13 em abril de 2026.
Ramos ressalva que a recomposição salarial também será concedida aos servidores aposentados e pensionistas, o que não estava previsto nas primeiras propostas apresentadas pelo Palácio do Planalto.
“O percentual ficou, em média, 18%. Então isso vai depender, obviamente, de cada nível e de como isso será incorporado nas gratificações. Contempla todos os ativos, aposentados e pensionistas. Então, isso para nós é importante. Lembrando que no primeiro momento, a proposta do governo era apenas para os servidores ativos, os aposentados estariam fora. A greve conseguiu reverter isso, conseguiu melhorar os percentuais e conseguiu resolver a questão de garantir que também seja estendido para todos os aposentados e pensionistas”, assinala.
Reestruturação de carreira e novos concursos
Segundo Ramos, entre as demandas que ainda precisam ser solucionadas estão a implementação da obrigatoriedade de nível superior para a carreira de técnico do seguro social, hoje de nível médio, e a realização de novos concursos públicos.
“Eu acho que dois grandes problemas que ainda serão debatidos após a greve, é a carreira típica de estado, que era uma reivindicação importante da categoria, e na sequência a questão dos novos concursos”, observa.
Atualmente, o INSS tem mais vagas desocupadas do que servidores em atividade. O déficit chega a 21 mil cargos em aberto. Em dez anos, a quantidade de funcionários caiu de 39 mil para 19 mil, sendo a aposentadoria o principal motivo.
Tentativas de criminalização
Ramos também salienta as tentativas de criminalização do movimento grevista. Para ele, as práticas antissindicais tornam-se ainda mais preocupantes, visto que o partido do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, apresenta-se como um representante dos interesses da classe trabalhadora.
Além disso, o mandatário tem trajetória no movimento sindical, chegando a liderar o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema na década de 1980.
“Destacamos que realmente foi uma greve muito difícil, porque, em tese, estamos em um governo que se autodenomina de esquerda, mas que tomou todas as medidas que a extrema-direita faz contra servidores em greve, incluindo, abuso da autoridade”, adverte.
“No primeiro momento, o governo entrou na justiça contra a greve, tentando desqualificar, o que não obteve êxito. Em um segundo momento, conseguiu uma liminar, que garantisse 85% dos trabalhadores no local de trabalho, inviabilizando qualquer greve. A gente manteve a mobilização e a greve e conseguimos reverter essa decisão, mas não deixou de ser uma medida absolutamente abusiva”, relembra.
No final de julho, governo federal recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra a greve dos servidores do INSS. Por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), o Palácio do Planalto pediu a suspensão da greve e o retorno imediato dos servidores às suas funções.
Ainda, solicitou que pelo menos 85% das equipes de cada unidade do INSS mantivessem as atividades durante a greve sob pena de multa diária acima de R$ 500 mil em caso de descumprimento.
Em setembro, servidores do INSS ocuparam o gabinete do presidente, Alessandro Stefanutto, em Brasília. A mobilização ocorreu em protesto à portaria que determinou que as ausências dos grevistas fossem registradas como “falta injustificada”.
“Movimentos administrativos, no sentido de cortar ponto sem que houvesse processo de negociação, de pressionar os trabalhadores para que voltassem, foram feitos todo tipo de terrorismo para tentar acabar com a greve à revelia dos trabalhadores”, pontua Ramos.
Ainda, em agosto, a presidência do INSS chegou a anunciar que aguardava o “fim da greve” dos trabalhadores do órgão após assinatura de acordo. O mandatário referia-se à proposta assinada entre representantes da CNTSS (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social) e Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.
Porém, como informado pelo Portal Verdade, o acordo foi assinado com apenas uma parte da categoria. Hoje, existem três entidades sindicais que congregam os servidores do INSS, sendo que a CNTSS – responsável pela assinatura do acordo com o Palácio do Planalto – agrega o menor número de trabalhadores.
O maior número de trabalhadores está vinculado a Fenasps que, à época, emitiu nota informando que a greve estava mantida e não reconhecia acordos assinados por outras organizações e sem discussão com a base (saiba mais aqui).
“O governo usou de entidades oportunistas para dizer que houve um acordo fechado com o INSS e, portanto, a greve estava encerrada, o que era uma falácia”, conclui Ramos.
Veja os termos do acordo:
- Ampliação da tabela de salários, passando de 17 para 20 padrões;
- Reajuste da remuneração de ingresso, a partir dos padrões iniciais, totalizando 18%, em janeiro de 2025 e abril de 2026;
- Majoração da Gratificação de Atividade (GDASS) com aplicação de 100% do reajuste proposto, também para a GDASS
- Alteração do nível de escolaridade do Técnico do Seguro Social (ainda a ser deliberado pelo governo federal)
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.