Pela primeira vez, em 70 anos, movimento sobe ao palco do Teatro
Neste domingo (24), às 16h, o Teatro Ouro Verde, um dos espaços mais tradicionais do cenário cultural londrinense, abrirá suas portas para a Batalha Coroa de Ouro. O evento, gratuito e organizado pelo Circuito Londrinense de Batalhas de Rima, marca uma conquista para a movimento Hip-hop na cidade.
Ligia Braga, artista, MC de batalha e uma das organizadoras, explica que o Circuito nasceu da necessidade de unir as batalhas que já aconteciam na cidade. “As batalhas de rima por si só, elas acontecem, mas quando elas acontecem com diálogo, com vínculo e com conversa e ajuda entre si, elas passam a ser um circuito”, afirma.
Além de promover competições, o Circuito atua na produção de eventos como oficinas de formação para os artistas e para o público. Segundo a artista, a atividade é resultado da resistência dos próprios agentes da cultura Hip-hop e de parcerias importantes.
“Esse evento veio de uma pressão popular dos agentes da cultura Hip-hop, de parcerias dentro da Universidade Estadual de Londrina e da parceria com a Secretaria de Cultura, que mais recentemente passou a ver o nosso movimento com um pouco mais de dignidade”, explica.
No entanto, é essencial destacar que as batalhas de rima da cidade frequentemente enfrentam episódios de repressão policial, como neste caso noticiado pelo pelo Portal Verdade em agosto de 2023.
Na ocasião, uma batalha de rima realizada na Praça MRV, na zona Leste de Londrina, foi interrompida de maneira truculenta por agentes da ROTAM (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas) e da Guarda Municipal, gerando denúncias de abuso de poder e repressão cultural.
Cerca de 500 jovens participavam do evento, que também reunia famílias com crianças em outras áreas da praça, quando policiais chegaram com armas em punho, exigindo que os presentes formassem um “paredão” para uma batida policial. Relatos apontam que os agentes intimidaram os participantes, colocando armas no rosto de alguns jovens e criando um clima de tensão.
Além disso, vale mencionar que as batalhas de rima foram reconhecidas como patrimônio cultural do Paraná, graças a um projeto de lei da deputada estadual Ana Júlia Ribeiro (PT).
A medida busca valorizar essa expressão artística, facilitar realização das batalhas e garantir formas de financiamento. Ainda assim, o gênero enfrenta preconceito e racismo em diferentes contextos, como por exemplo, a declaração de um vereador curitibano que associou as batalhas à criminalidade, chamando-as de “péssima influência” e acusando-as de fazer apologia ao crime.
Pela primeira vez no Ouro Verde
Essa será a primeira vez que um evento de batalha de rima será realizado no Teatro Ouro Verde, um espaço que, historicamente, esteve distante das manifestações culturais periféricas.
Para Braga, a realização de um evento de batalha de rima no Teatro Ouro Verde, em 2024, é uma conquista importante, mas também traz à tona uma reflexão sobre o tempo que levou para que as entidades culturais reconhecessem e abraçassem o movimento.
“É a primeira vez que a gente vai realizar uma batalha de rima lá dentro e olha quantos anos esse teatro existe. E é uma coisa que não se questionava. Por que a cultura do Hip-hop não tá nesse espaço? Por que o artesanato fica da porta pra fora? Por que as pessoas periféricas, as pessoas pretas, não estão aqui dentro?”, aponta.
“Se é a primeira vez que a gente tem uma batalha de rima, uma manifestação da cultura Hip-hop dentro do Teatro Ouro Verde, realmente é porque os agentes culturais, a própria coordenação do Ouro Verde, a Secretaria de Cultura e a Prefeitura fecharam os olhos para o que estava acontecendo antes”, completa Ligia.
Ela destaca que muitos artistas com mais de 20 anos de carreira na cena local nunca pisaram no Teatro, cuja fundação completa 72 ano.. Embora o evento seja um marco, ela não vê como uma celebração, mas como uma etapa importante de uma luta, que é contínua.
“Eu não vejo como uma coisa muito boa a se comemorar, porque eu me pergunto: por que isso não aconteceu antes? 2024 e agora isso vai acontecer, mas existe batalha de rima há 15 anos em Londrina”, conclui.
Apoios
Ligia também destaca a importância dos apoios recebidos da UEL (Universidade Estadual de Londrina), do Projeto Práxis Itinerante, do Projeto Sarauzinho, do Centro de Direitos Humanos (CDH), do Centro Juvenil Vocacional e da Secretaria de Cultura para a realização do evento.
“Os apoiadores são essenciais para viabilizar o evento, porque talvez nunca conseguiríamos ter um diálogo com os diretores e coordenadores do Ouro Verde sem o suporte da Secretaria de Cultura”, destaca Braga.
“A gente não faz nada sozinho e não vamos para frente sozinho. Por isso, criamos o Circuito, porque é muito difícil fazer tudo sozinho. E que bom que temos pessoas que acreditam no nosso trabalho, que acreditam no poder de transformação de uma batalha de rima”, completa Ligia.
Ana Lima, integrante do projeto de extensão Práxis Itinerante, enfatiza a importância do evento no fortalecimento da relação entre a Universidade e a comunidade. “Nós acreditamos que eventos como a Batalha de Ouro e outras batalhas promovidas pelo Circuito Londrinense são fundamentais para consolidar e ampliar o diálogo que a Universidade Estadual de Londrina deve ter com a comunidade”, afirma Lima.
Expectativas
Braga também enfatiza que eventos de Hip-hop dentro do teatro não devem se concentrar apenas em novembro, mês da Consciência Negra. “A gente espera que esse evento não aconteça só uma vez, no mês de novembro. Que ele ocorra mais vezes durante o ano e que as pessoas possam ver a importância do que a gente faz”, observa.
Historicamente, no Brasil e exterior, o movimento Hip-hop está ligado à juventude negra. A adesão tem, entre outros fatores, uma forma de fugir das múltiplas violências, inclusive, do silenciamento a quem são submetidos, já que através das batalhas, o grupo denuncia as opressões vivenciadas no cotidiano. Além disso, o Hip-hop exalta as potencialidades e realizações do povo negro, por vezes, apagada da história oficial.
A artista também compartilha suas expectativas para o evento, expressando o desejo de que ele seja significativo para todos os envolvidos. “A gente espera que esse evento seja lindo, maravilhoso e que seja importante na vida de vários agentes e artistas. Esperamos que ele realmente seja emancipador em diversos sentidos”, finaliza.
Para Ana Lima, “o público pode esperar para esse domingo uma batalha sem precedentes com muita rima boa, grafite e homenagem aos grandes nomes da cena de Londrina”, conclui.
Serviço
Para participar, os interessados devem retirar os ingressos, que são limitados, antecipadamente nas batalhas que ocorrem durante a semana. Para facilitar o acesso ao Teatro, haverá ônibus gratuitos partindo dos locais onde acontecem a Batalha da Leste, do Hemp, do Cinco, do Café e da UDV.
Dia: 24/11/24
Hora: 16h
Local: Teatro Ouro Verde – Rua Maranhão, 85, Centro
Mais informações podem ser obtidas através do Instagram do evento: @batalhasderimalondrina.
Matéria da estagiária Fernanda Soares sob supervisão.