O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destaca em seus discursos que quer reinserir o Brasil na arena internacional após anos em que o país foi tratado como pária, mas chega a seu terceiro mandato num quadro de desafios inéditos no exterior.
Para citar dois casos, o novo governo Lula deverá encontrar um ponto de equilíbrio na disputa geopolítica entre Estados Unidos e China —algo que não existia quando ele assumiu a Presidência pela primeira vez, em 2003.
O Brasil também tem sido cobrado por parceiros europeus a adotar uma posição mais enérgica na condenação à invasão russa na Ucrânia, ao mesmo tempo que tenta não se indispor com um aliado estratégico no âmbito do Brics.
Diante desse cenário, conselheiros de Lula dizem que o caminho mais rápido e eficaz para que ele assuma posição de destaque no tabuleiro global é por meio do combate às mudanças climáticas. Isso não quer dizer que a atuação de Lula na área diplomática deva se restringir ao ambiente, mas é um campo em que há oportunidades de avanço a curto e médio prazo, segundo aliados.
“O tema ambiental é central hoje. Gera múltiplos impactos no setor produtivo, na segurança humana e na proteção da biodiversidade. No governo Bolsonaro, foi o que mais arranhou a imagem do Brasil no exterior”, afirma o professor de relações internacionais Hussein Kalout, uma das pessoas que têm aconselhado o petista em temas de política exterior.
Kalout é pesquisador da Universidade Harvard e foi secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2017 e 2018 (gestão Michel Temer, MDB).
Um dos planos em discussão é que Lula se encontre ainda em novembro com António Guterres, secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), para o lançamento de uma iniciativa internacional de combate a mudanças climáticas.
Lula teve reunião com Guterres ainda durante a campanha, numa conversa virtual em que também estavam Kalout, o ex-chanceler Celso Amorim e Cristiano Zanin, advogado do petista. Nesta segunda (31), o petista e o diplomata conversaram novamente.
O próprio eleito deu destaque ao ambiente em seu discurso após a divulgação dos resultados oficiais pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“Estamos prontos para nos engajar outra vez no combate à fome e à desigualdade no mundo e nos esforços para a promoção da paz entre os povos. O Brasil está pronto para retomar o protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazônica”, declarou.
“Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia.”
Além do possível encontro com Guterres, há outras agendas no horizonte. O PT pretende aproveitar a reunião global sobre o clima, a COP27, que ocorrerá no Egito a partir deste fim de semana, para reforçar a imagem de Lula como um líder empenhado no enfrentamento às mudanças climáticas.
Como a COP está agendada para antes da posse, uma das possibilidades estudadas pela campanha é que o partido acompanhe a conferência como integrante da sociedade civil. Alguns assessores de Lula defendem que o próprio petista compareça ao evento.
Uma eventual presença de Lula tende a ofuscar a delegação do governo Bolsonaro, que provavelmente será chefiada pelo ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente).
Integrantes da campanha dizem ainda que está em estudo a criação de uma secretaria destinada à crise climática, com atuação junto a órgãos internacionais e para a qual a ex-ministra Marina Silva (Rede), deputada federal eleita, é cotada.
O diagnóstico entre aliados é que a derrota de Bolsonaro já criou um ambiente mais favorável à cooperação internacional com o Brasil. A consolidação da imagem do petista depende ainda do fortalecimento de agências ambientais responsáveis pelo combate ao desmatamento.
Lula ainda pretende se recolocar no cenário internacional como uma liderança empenhada no combate à fome e à desigualdade, reeditando um papel desempenhado por ele em seus dois primeiros mandatos. De acordo com interlocutores, independentemente de quem for ministro das Relações Exteriores, uma das prioridades da nova administração será o que chamam de “desideologização” do Itamaraty.
Embora o atual ministro, Carlos França, tenha revertido parte da pauta ultraconservadora de seu antecessor, Ernesto Araújo, há pontos que devem ser revistos já no início de uma nova gestão, segundo aliados de Lula.
Um deles deve ser o restabelecimento das relações com a Venezuela do regime de Nicolás Maduro. Os primeiros mandatos de Lula foram marcados por laços próximos com o chavismo —a ligação com o regime autoritário é frequentemente criticada por opositores.
O petista chegou a declarar que discorda da política econômica da ditadura venezuelana e, na campanha, defendeu a alternância de poder ao dizer que “não há presidente insubstituível” —numa crítica velada aos regimes da região, que incluem também a Nicarágua de Daniel Ortega.
Independentemente do nível da proximidade que haverá entre Lula e Maduro, auxiliares dizem que o Brasil deve reativar sua embaixada em Caracas, fechada no governo Bolsonaro. A nova chancelaria também deve deixar de reconhecer o líder opositor Juan Guaidó como presidente da Venezuela.
O autoproclamado líder, que enfrenta desconfiança crescente mesmo entre aliados, chegou a indicar uma embaixadora em Brasília, María Teresa Belandria, que tem vínculos próximos com o bolsonarismo.
Fonte: Redação Folha de S. Paulo