Ausência não surpreende coletivos que estudam ações para revogação do projeto
Nesta segunda-feira (7), na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), ocorreu audiência pública intitulada “Terceirização do ensino público estadual”. A atividade proposta pelo deputado estadual Professor Lemos, representante do Partido dos Trabalhadores (PT), buscou debater o Edital 02/2022, publicado pela Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEED). O documento, que cria o programa “Paraná Parceiro”, estabelece a concessão da gestão de 27 escolas estaduais para o setor privado.
Em entrevista do Portal Verdade, o parlamentar lembrou do trabalho já desenvolvido por órgãos públicos, a exemplo da SEED, também do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional (Fundepar), este responsável pela compra de merenda e execução de reformas nos espaços escolares. Para ele, a administração desenvolvida por estes setores reforça o entendimento de que não é necessário a contratação da iniciativa privada para a administração de escolas no estado.
“Porque é que o governador do Paraná [Ratinho Júnior] está querendo repassar dinheiro público para iniciativa privada para fazer a administração de escolas, se já temos a Secretaria de Estado de Educação, os Núcleos de Educação com recursos humanos? Estes funcionários sempre fizeram esta gestão e eles vão continuar existindo”, questiona.
Lemos indica também a negligência do estado em garantir o direito constitucional que estabelece acesso e organização da educação pública. “É preciso garantir que o Paraná cumpra a Constituição, o seu dever que é ele fazer a gestão dos recursos da Educação e aplicar com qualidade estes investimentos para que a gente tenha professores e funcionários concursados, com plano de carreira e formação continuada. Educação não é atividade temporária, é permanente”, ele observa.
O evento contou com a participação de membros de diversas associações como: Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTE), União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES), APP-Sindicato, Defensoria e Ministério Público. Alunos, pais e demais membros da sociedade civil também ocuparam as galerias da ALEP. Representantes do governo Ratinho Júnior (PSD), apesar de convidados, não comparecem.
Márcio André Ribeiro, presidente da APP-Sindicato Núcleo Londrina, avalia a ausência não surpreende, visto que a proposição e gerência das políticas educacionais sob o governo de Ratinho Júnior são processos autoritários, verticalizados, ou seja, não contam com a participação popular.
“O governador Ratinho Júnior não mandar representante não surpreende absolutamente nada. Já era esperado esta postura de quem acha que não precisa debater nada com ninguém, de quem toma decisões em gabinete fechado e só informa a população depois. Da mesma forma, ele não compareceu a nenhum debate nas eleições. Um governador que nunca discutiu nada com a sociedade, o máximo que ele faz é discutir com os secretários dele. Ele discute muito com os empresários, os deputados estaduais da base dele para aprovar o que ele determina, mas com o restante da sociedade nunca houve e nem haverá nenhum tipo de diálogo”, alerta.
Ribeiro assinala também que o coletivo está dialogando com as escolas afetadas, debatendo as consequências do documento e analisando medidas necessários para revogá-lo. “Assim que tivemos acesso ao Edital 02/2022, pela APP-Sindicato fizemos um aprofundado estudo sobre os impactos e não demoramos muito para chegar à conclusão dos malefícios que ele traz para toda a sociedade. Muitos problemas detectados, inclusive, juridicamente, visto que dinheiro público deve ser destinado para a educação pública e está sendo desviado para empresas do meio privado ligadas à educação. São vários pontos que temos desacordos e estamos verificando legalmente”, pontua.
O estado oferecerá R$ 800,00 por aluno matriculado para suprir gastos com infraestrutura e pagamento de trabalhadores. Estimativa publicizada pela APP-Sindicato, indica que o projeto custará, em um ano, mais de R$ 2 milhões aos cofres públicos.
Em Londrina, as escolas indicadas pela SEED para a gestão terceirizada são: Colégio Estadual Professora Lúcia Barros Lisboa, Colégio Estadual Professora Olympia Morais de Tormenta, Escola Estadual Rina de Francovig e Escola Estadual Roseli Piotto. Na próxima sexta-feira (11) às 19h, dirigentes da APP-Sindicato promovem reunião com as comunidades escolares das três escolas da zona norte. O encontro acontece no salão da Paróquia, localizado na rua Josephina Colombo, número 375, conjunto Semiramis.
Adriana Medeiros Farias, professora do Departamento de Educação da UEL, ressalta a necessidade de desconstrução de discursos neoliberais, responsáveis por equipar o direito à educação a circulação de mercadorias. Ela também destaca que a organização escolar é diferente da administração de uma empresa e, portanto, os espaços educativos não devem ser submetidos a lógicas que focalizem apenas cumprimento de metas em detrimento da aprendizagem efetiva. Entre as vantagens apresentadas pela direção de grupos empresariais está apontada “gestão com metas e desempenho”.
“Este projeto denominado “parceiro”, que está descrito no Edital 02/22, de credenciamento destas empresas para administrar estas escolas estaduais já demonstra, a partir desta experiência piloto, o caminho que este governo assumirá nos próximos quatro anos para a destituição dos fins públicos da educação pública. Nenhuma escola pode ser comparada ao funcionamento de uma empresa. Funcionamento este que tem como objetivo principal, anunciado pela SEED, elevação dos indicadores de avaliação da educação básica. Não é possível que os fins públicos da educação estejam condicionados ao cumprimento de metas, a relação custo-benefício, ao tratamento da escola pública como se fosse uma empresa que oferta produtos e serviços, com clientela”, analisa.
Docentes do Departamento de Educação da UEL publicaram nota de repúdio à medida. Confira aqui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.