Entregas estariam paralisadas devido à “indisponibilidade orçamentária”
A interrupção das entregas de cestas básicas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) a indígenas tem gerado medo a comunidades localizadas no Oeste do Paraná, onde há a maior concentração de áreas não demarcadas no estado. Em territórios onde o solo impede a produção de alimentos pela agricultura, os indígenas temem a fome e a subnutrição de crianças com a falta do auxílio, que se estende há pelo menos seis meses.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério da Cidadania, que subsidia as cestas da Funai, disse que “entregas estão paralisadas devido à indisponibilidade orçamentária”. Autarquia notificou o governo do Estado do Paraná para que supra a necessidade de alimentos, mas caciques ouvidos pela reportagem afirmam que ainda não foram atendidos.
“Tem duas xícaras de feijão e arroz para amanhã”, disse, na sexta-feira (9), o cacique Lino Cesar Cunumi Pereira, da tekoha (aldeia) Tape Jere Guarani, de Santa Helena, e que integra a Comissão Yvyrupa. “O que temos estamos economizando. Tem que deixar reservado um pouco. Está complicado. Não tem mais nem fogo. Não tem como queimar lenha. Está tudo parado. As crianças e os idosos estão sendo os mais afetados. Isso vai dar problema. Ninguém fica forte quando falta alguma coisa. O povo precisa se alimentar. Então imagina se ficar sem nada assim, com certeza a criança perderá peso e ânimo. E isso é perigoso. Porque a fraqueza já vem afetando. Não tem como fortalecer a saúde. Quem mora na aldeia sabe que não está fácil.”
Em toda a região Oeste do Paraná vivem cerca de cinco mil guaranis em 24 comunidades. Dessas, no entanto, apenas três, duas no município de Diamante d’Oeste e uma em São Miguel do Iguaçu, são demarcadas.
A falta de terras deixa essas comunidades refém da escassez de alimentos, o que é suprimido com a ajuda de cestas básicas, de auxílios do Governo Federal e da venda do artesanato, com o qual conseguem recursos para aquisição desses produtos.
Segundo o cacique Lino, essas cestas sempre foram entregues pela Funai, mas já eram consideradas em número insuficiente e de baixa qualidade para atender à demanda.
“Indisponibilidade orçamentária”
Há cerca de seis meses, no entanto, a distribuição foi totalmente interrompida pela Fundação. De acordo com o MPF, foi instaurado procedimento interno para acompanhar o caso.
“A Funai informou que a Ação de Distribuição de Alimentos (ADA) é uma ação do Ministério da Cidadania (anteriormente do MDS), não havendo na Funai, em níveis locais ou nacional, uma ação ou programas instituídos para a distribuição de alimentos, uma vez que a Funai e Conab atuam em parceria com o Ministério responsável pela ADA, destinando alimentos a famílias em situação de vulnerabilidade”, explicou.
Ainda segundo o MPF, a Funai também informou que até o momento não foi comunicada sobre a previsão de aquisição das cestas de alimentos pelo Ministério da Cidadania. “A fundação informou ainda que recebeu comunicação da Conab do Paraná quanto à elaboração de um Plano de Trabalho de levantamento de custos para a entrega de cestas de alimentos em atenção à ADA, destinando as cestas a comunidades em situação de maior vulnerabilidade social e nutricional, em áreas de irregularidade fundiária, nas quais não são realizados projetos de etno desenvolvimento, entre outros”, explicou.
O plano, conforme o MPF, consiste na aquisição de 5.634 cestas a serem entregues em seis etapas (939 cestas por etapa). Mas segundo o MPF, a Funai afirmou que não tinha conhecimento da fase em que se encontra a instrução desse Plano de Trabalho e que o Ministério da Cidadania informou “que as entregas estão paralisadas devido à indisponibilidade orçamentária e financeira deste Ministério.”
“Governo prometeu e não entregou”
Questionado se há suspeita de indício de crime, o MPF disse que atua para identificar o motivo da suspensão dos repasses e que até o momento não encontrou indícios de irregularidades.
“As [comunidades] da região Oeste do Paraná são as mais afetadas em razão de não terem seus territórios declarados e homologados, encontrando-se em reduzidos territórios que inviabilizam a agricultura”, aponta o MPF.
A fim de suprir a demanda, o MPF afirmou que manteve diálogo com a Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social do Estado do Paraná para viabilização da distribuição de cestas básicas, em caráter emergencial, a todos os indígenas do estado do Paraná.
A previsão é de que estas cestas fossem entregues em dezembro, mas até a terça-feira, dia 13, lideranças ouvidas pela reportagem e que moram na região Oeste do estado afirmaram não terem recebido.
“Dia 1º, o Governo do Estado disse que iria repassar para as comunidades indígenas. Mas passou mais de duas semanas e nada de resposta”, disse Lino.
“É uma promessa do Estado. O pessoal do Estado prometeu para todo mundo e agora não sei como ficará. A Conab não está mais repassando para Funai. E agora, quando cobramos a Funai, a Funai disse que temos que cobrar o Ministério Público. Cobramos, mas sem resposta. Aqui no município a gente recebe uma cesta a cada três meses. Agora só vamos ganhar em janeiro. Então estamos numa dificuldade muito grande. E toda a região está na mesma situação. Quando uma aldeia não recebe, todas não recebem. Então é complicado. O governador do Estado [do Paraná, Ratinho Junior (PSD)] prometeu e não entregou. Não está fácil. Porque temos muitas pessoas que já não têm mais nada para comer. O sofrimento é muito grande. Nós que estamos na reserva de Itaipu e não temos nem como plantar, só sobrevivemos com as doações e os repasses do governo. A Funai e o Estado tem um compromisso com a gente.”
Terra Roxa e Guaíra
Para os municípios de Terra Roxa e Guaíra, onde estão 16 comunidades indígenas – nenhuma demarcada -, há decisões judiciais, em ações propostas pelo MPF, determinando que os municípios forneçam cestas básicas aos indígenas.
Cacique Ilson Soares, da tekoha Y’hovy, de Guaíra, disse que a última cesta foi entregue no dia 21 de novembro, mas como há famílias maiores, estas já esgotaram seus estoques e a comunidade tem se unido para que não falte alimento.
Embora haja determinação judicial para que as cestas sejam entregues mensalmente, o cacique disse que às vezes elas demoram até 50 dias para chegar. No município de Terra Roxa, o cacique denuncia que a cesta é entregue a cada dois meses e que é muito pequena. Em Guaíra, ele aponta que as cestas são maiores, mas não atendem 100% das famílias.
Segundo o cacique, pelo menos duas crianças já apresentaram cansaço extremo, o que ele acredita que ser causado pela falta de alimentação. “A gente teme que cause subnutrição e também a vulnerabilidade na saúde das crianças”, aponta.
Dessas 16 comunidades na região, duas, Marangatu e Tatury, ambas localizadas em Guaíra, não foram incluídas nas decisões judiciais, e além de não contarem mais com auxílio da Funai, também não recebem dos municípios.
De acordo com o MPF, para a aldeia Marangatu, já há uma ordem judicial determinando o fornecimento de cestas básicas e foi solicitado ao juiz que o Município de Guaíra comprove o fornecimento das cestas. Em relação a Tatury, como a ação civil pública foi proposta pelo MPF no ano de 2008, a aldeia não foi incluída no pedido inicial. “De qualquer forma, medidas estão sendo tomadas para que também passe a receber as cestas básicas”, alegou o MPF.
Cacique Anatalio Ortiz, da aldeia tekoha Jevy, de Guaíra, disse que a última vez que essas comunidades receberam as cestas da Funai foi no dia 4 de junho e desde então nenhum auxílio foi prestado. “Até hoje não tem previsão de alimentação”, frisou. “Eu tenho preocupação pelas aldeias que não pegam nada. Eles tem famílias muito grandes. E nós temos direito. Marangatu e Tatury estão sofrendo muito.”
Carta a Lula
No início de dezembro, lideranças guarani da Comissão Guarani da Verdade, da Comissão Tape Rendy Avaete Aty e Comissão Guarani Yvy Rupa, da região Oeste do Estado do Paraná, elaboraram uma carta para o governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em que pedem reparação pelas graves violações registradas contra os indígenas ao longo de décadas na região e onde denunciam este cenário de alimentos escassos devido à falta de terras.
“Grande parte de nossas famílias não tem casa para viver. Não temos terra para plantar, mesmo assim conservamos ainda muitas variedades de sementes de cereais e mudas de plantas que produzem alimentos e remédios”, diz trecho.
“Queremos agregar que precisamos de alimentos saudáveis, aquilo que chamamos de Tembiú Piro`y (comida fresca) e para isso queremos o direito de produzir nossa própria comida, mas para isso precisamos de terra. Nosso povo está sem terra e assim não conseguimos viver. Que o conteúdo das cestas básicas ofertadas – enquanto nossa terra não estiver demarcada – seja discutido com nossas lideranças, porque precisamos de alimentos adequados ao nosso bem estar físico e espiritual.”
Sem resposta
Procurados, a Funai e o Governo do Estado do Paraná não retornaram às perguntas da reportagem.
Fonte: Brasil de Fato