Levantamento indica que a cidade levaria 456 anos para zerar fila da COHAB
Nesta quinta-feira (4), a partir das 9h, no auditório do CESA (Centro de Estudos Sociais Aplicados) da UEL (Universidade Estadual de Londrina) ocorre lançamento de campanha pela implementação da Lei da ATHIS (Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social) no município.
Em entrevista ao Portal Verdade, Gilson Jacob Bergoc, arquiteto e urbanista, docente da UEL, explica que a lei tem por objetivo atender famílias residentes em áreas urbanas ou rurais que ganham até três salários-mínimos, oferecendo assistência técnica gratuita para projetos e construção, acompanhamento de obras, incluindo a reforma ou ampliação de moradias próprias e também para a regularização fundiária da habitação, ou seja, de lotes onde se encontram as moradias.
“A lei possibilita colocar em prática o direito à moradia, previsto em nossa Constituição e, a partir deste, o direito à cidade, à melhoria das condições de vida dos indivíduos e da coletividade”, diz.
De acordo com o professor, a principal motivação para a proposição do marco é a constatação de que a atual política habitacional não tem sido suficiente para atender o déficit existente na cidade.
De acordo com levantamento, no cadastro da COHAB-LD (Companhia de Habitação de Londrina) há 58.700 inscritos aguardando ser chamados, conforme informações do Perfil de Londrina de 2023, que é o dado mais recente. Entre 2010 e 2022 foram entregues apenas 5.370 unidades, que dá uma média de 413 moradias por ano. Considerando o total de inscritos por essa média se verifica que serão necessários 142 anos para que todos tenham acesso a moradia.
“Quando iniciamos esse trabalho, tínhamos apenas os dados do Perfil de 2021, com os dados referentes ao período de 2015 a 2020. Fizemos cálculo semelhante para este período e nos surpreendemos ao constatar que seriam necessários 456 anos para atender quem estava cadastrado. Até fizemos um artigo no Portal Verdade com esses dados. Embora o tempo de espera possa variar, dependendo do período que se considera, nenhum deles aponta para uma solução em prazo razoável, pois esperar mais de 10 anos por uma moradia é deprimente. É negar a cidadania às pessoas, às famílias. E a cidadania é a base para a democracia, para uma vida mais saudável e inclusiva”, pontua.
O texto citado pelo professor “Déficit de moradia: 456 anos para atender a demanda atual em Londrina” foi publicado em 5 de julho de 2022 e pode ser lido na íntegra clicando aqui.
“Considerando o período entre os Censos de 2010 e 2022, a população de Londrina cresceu 42.236 habitantes. Se considerarmos que a média de pessoas por moradia em Londrina é de três pessoas, deveriam ter sido entregues mais 14.078 moradias nesse período. Ou seja, é bem provável que o déficit tenha aumentado”, complementa.
O evento contará com a presença da Reitora, Marta Fávaro, entre outros representantes da comunidade acadêmica, autoridades locais, coordenadores da campanha, entre outras lideranças. A atividade dará início ao movimento pela coleta de 25 mil assinaturas de eleitores londrinenses no abaixo-assinado para a proposição de projeto de iniciativa popular na Câmara de Vereadores de Londrina.
“Estamos iniciando a campanha pela coleta de assinatura, por meio de um formulário específico, que segue as regras da Lei Geral de Proteção de Dados. Estamos treinando as pessoas que tiverem interesse em colaborar nesse processo, por meio de oficinas que estamos fazendo na UEL e nas comunidades, assim como em instituições e demais organizações que tiverem interesse em contribuir com essa iniciativa”, observa.
A organização da campanha parte de diferentes entidades como Instituto dos Arquitetos do Brasil, BR Cidades, Centro de Direitos Humanos de Londrina e projeto Papo Reto Londrama. Entre os apoiadores estão Coletivo de Sindicatos de Londrina, Associação dos Geógrafos do Brasil – Núcleo Londrina, CACAU (Centro Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo da UEL) e projeto Práxis Itinerante vinculado ao departamento de Ciências Sociais da UEL.
Aquecimento do mercado de trabalho
Bergoc salienta que, atualmente, muitos profissionais servem assessoria de maneira gratuita. Ele defende que o estabelecimento da lei também permitirá expandir o mercado de trabalho com a contratação de mais especialistas para atender a população.
“Temos que ter um sistema que permita remunerar esses profissionais, que deve funcionar como um SUS – Sistema Único de Saúde – que possibilita a qualquer cidadão ter acesso aos atendimentos na área de saúde sem ter que pagar pelas consultas e exames. Os médicos, enfermeiras, auxiliares e técnicos, são remunerados pelo SUS. Com a ATHIS, quem precisa reformar ou construir sua casa, para sua moradia, poderá recorrer a esse serviço técnico de arquitetura e engenharia gratuitamente”, afirma.
“Se é no município que as pessoas moram, é no município que a regulamentação tem que definir as condições locais. Por isso queremos fazer como um projeto de lei de iniciativa popular. Esta lei é para atender a necessidade imediata de uma grande parcela da população londrinense e beneficiar a cidade como um todo, abrindo inclusive um grande campo profissional”, ele acrescenta.
O professor evidencia que sem acesso à assistência de engenheiros, arquitetos, grande parte das pessoas acaba iniciando as construções por conta própria, o que pode levar a riscos desnecessários e muitas vezes gastando mais do que seria necessário para ter uma boa habitação.
“É só andarmos um pouco na periferia da cidade para ver as famílias se reunindo para “bater a massa”, assentar tijolos, construindo suas casas semana a semana. Constroem uma parte até poderem “entrar” e continuam a construir aos poucos, depois de entrarem, conforme as “sobras” do salário da família, até tornar realidade seu sonho de moradia. Quando eles estão desempregados, param de construir, retornando quando conseguem algum recurso”, assinala.
Especulação imobiliária
O docente salienta que Londrina tem mais de 83 núcleos de ocupações, onde moram mais de 10 mil
famílias. Ainda, mais de 34 mil unidades imobiliárias sem uso. “Grande parte são terrenos vazios, cujos proprietários estão pagando as parcelas e que somente depois que terminarem estas é que terão algum recurso para construir. E acabarão construindo sem contratar profissional para fazer seus projetos, pois preferem comprar os materiais e fazer aos poucos suas casas”, aponta.
Bergoc referencia, ainda, mapeamento do CAU – BR (Conselho de Arquitetos e Urbanistas) que identificou que mais de 80% da população trabalhadora brasileira está fora do mercado imobiliário e não tem como entrar.
“A quantidade de imóveis vazios, sem alugar ou vender é grande e é um indicador desse processo. Mas, essa população que mais precisa não consegue acessar esse mercado”, adverte.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.