Considerando agressões verbais e físicas, 90% relataram já ter sido vítimas
Dados divulgados pela Agência Patrícia Galvão indicam que, no Brasil, 53% das mulheres com deficiência já foram agredidas verbalmente e 52% tiveram sua deficiência usada para inferiorização. Ainda, de acordo com o estudo, 37% já foram agredidas fisicamente e 35% tiveram o corpo tocado sem consentimento. O estudo nomeado “Pela vida de todas elas” ouviu 182 mulheres em todo o país.
A maioria (98,4%) das respondentes se apresentaram como cisgênero (pessoa que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu) e apenas 1,6% se identificaram como mulheres trans (pessoas transgênero possuem uma identidade de gênero que é diferente do sexo que lhes foi designado no momento de seu nascimento). Ainda, grande parte (62,1%) responderam que são brancas, seguidas de pardas (22%) e pretas (12,6%), já amarelas e indígenas representaram 1,6% das participantes.
Vivian Matsumoto da Silva é cientista social, especialista em Administração Pública, atualmente cursa Direito e tem estudado a temática. Primeiramente, a pesquisadora pontua que existem diversos tipos de deficiência: física (13,2 milhões de pessoas), visual (7 milhões de pessoas), auditiva (2,3 milhões de pessoas), mental (2,5 milhões de pessoas), múltipla (5,3 milhões de pessoas). Os dados partem do estudo “Pessoa com deficiência e as desigualdades sociais no Brasil”, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em setembro deste ano.
Silva argumenta também que compreender as realidades deste segmento da população demanda uma análise histórica, pois as formas como as pessoas com deficiência são vistas têm sido modificadas ao longo dos anos. O debate sobre a inclusão, por exemplo, conquistou espaço somente a partir do século XX.
“A palavra [deficiência] por si só já invoca diversos preconceitos. Deficiência não é sinônimo de ineficiência, atribuir este significado a pessoas com deficiência é sinônimo de capacitismo que nada mais é do que a prática discriminatória que atribui estigmas a pessoa com deficiência com base no seu desempenho e capacidades física e intelectual”, ela explica.
De acordo com a pesquisadora, as discussões sobre a luta anticapacitista precisam avançar em todas as esferas da sociedade brasileira, a exemplo das universidades. “Falar em inclusão é viabilizar a permanência, a qualidade de vida e de experiência. É assegurar a vivência plena da própria deficiência. Em qualquer grau de ensino, a inclusão é importante. Agora, pensar em um local onde se produz ciência, conhecimento, eu vejo como algo mais que urgente. É uma temática que precisa ser cada vez mais explorada, instigada. Os docentes, discentes precisam se envolver com o assunto tanto nas questões voltadas à produção de conhecimento quanto de políticas públicas”.
Mercado de Trabalho
A maioria das mulheres participantes da pesquisa (aproximadamente 25%) está inserida no mercado formal de trabalho, possuindo vínculo resguardado pela Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT). O segundo grupo é formado por autônomas (23,1%) e o terceiro por usuárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que representam 20,3%. Majoritariamente, elas assinalaram que possuem ensino superior completo (36,8%). Porém, é preciso ressaltar que esta condição não é realidade da maioria das pessoas com deficiência no Brasil, visto que, de acordo com informações do Censo Superior da Educação, elas contabilizam somente 0,52% das matrículas em cursos de graduação.
A renda declarada pela maioria das mulheres (33%) foi de 1 a 3 salários-mínimos, seguida de até um salário-mínimo (20,3%) e de 3 a 5 salários-mínimos (18,1%). Conforme alertado pelo relatório, o estudo foi desenvolvido de maneira online, o que permitiu a participação de mulheres de diferentes localidades, porém ficou restrito àquelas que possuem acesso à internet e maior nível de escolaridade.
Relatório intitulado “Pessoas com deficiência e as desigualdades sociais no Brasil”, divulgado em setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que, em 2019, existiam 17,2 milhões de pessoas com alguma deficiência no país. O número representa 8,4% da população.
A pesquisa demonstra, ainda, que em 2019, a taxa de participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho era 28,3% inferior do que entre pessoas sem deficiência, cujo índice atingia 66,3%. Isto quer dizer que, a cada dez pessoas com deficiência que buscavam emprego, sete estavam fora do mercado de trabalho.
Outra desigualdade refere-se à questão salarial. No mesmo período, enquanto pessoas com deficiência recebiam o salário médio de R$ 1.639 mensais, o rendimento médio de pessoas sem deficiência era de R$ 2.619. Ou seja, pessoas com deficiência recebiam R$ 980 a menos por mês. O estudo contemplou pessoas com 14 anos ou mais.
De acordo com o IBGE, em 2019, a maioria das pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho, viviam na informalidade: 50,9% não possuíam vínculo formal ao passo que somente 34,3% estavam assegurados pela CLT. As desigualdades de gênero e pertencimento étnico-racial também foram observadas no estudo. A taxa de desocupação entre mulheres negras com alguma deficiência chegou a 13,4%. Já entre homens brancos com alguma deficiência cai para 5,4%.
Desde 1991, a Lei nº 8.213 estipula que empresas com 100 ou mais trabalhadores devem empregar de 2% a 5% de pessoas com deficiência em seus quadros. “Garantir que a pessoa com deficiência possa trabalhar, exercer suas funções da melhor forma possível. Isto significa assegurar que a acessibilidade seja para além da questão física como rampas, elevadores. O grande desafio é o olhar emancipatório que permita realmente que essas pessoas possam viver as suas deficiências em todos os espaços, que elas possam existir e ser ver representadas e não apenas ter o interesse de preencher as vagas sem promover, de fato, a inclusão”, adverte Silva.
Ainda no que diz respeito ao mercado de trabalho, a profissional ressalta que é importante atentar também para que pessoas com deficiência ocupem cargos de liderança e as empresas elaborem estratégias que combatam o capacitismo entre todo o quadro de funcionários. “Não basta que a gente tenha o texto de uma lei que assegure o ingresso, devemos pensar na qualidade de vida dessas pessoas, em como elas estão exercendo as suas capacidades, experiências, questionar: onde estão essas pessoas? Onde estão estes corpos?”, alerta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.