Em janeiro deste ano a Frente Trans Londrina em parceria com o projeto Práxis Itinerante, da UEL, realizou um evento impactante chamado Jornada pela Visibilidade Trans. Houve discussões sobre acesso à cultura, à educação, à saúde, entre outras mais. Rodas de conversa, oficinas e mesas redondas compuseram uma programação fortemente afetiva, com protagonismo das pessoas trans e travestis.
Dentro destas programações, justamente no dia 29 de janeiro, dezenas de corpos trans, travestis, transmasculinos, não binários e dissidentes se reuniram no Calçadão de Londrina para a Marcha Trans Por Uma Vida Digna. Um grito por direitos fundamentais. Ficou marcada a referência ao Dia da Visibilidade Trans.
Contudo, chega meados de março e as postagens sobre o Dia da Visibilidade voltam aos feeds. Figuras trans com mais proeminência nas redes fazem reels sobre a data. Pessoas falando sobre o 31 de Março. E no final das contas, fica a dúvida: qual é realmente o Dia da Visibilidade Trans? E por que essa confusão?
Para tentar chegar a respostas para essas perguntas, é importante saber quando cada uma destas datas foi criada. Há motivos para ambas as ocasiões.
Em 29 de janeiro de 2004, diferentes ativistas trans e travestis foram ao Congresso Nacional, por ocasião da campanha Travesti e Respeito, manifestar-se em favor do respeito à identidade de gênero no Brasil. Nesta ocasião, temos figuras como Fernanda Benvenutty, Kátia Tabety e Keila Simpson, importantes ativistas do cenário nacional.
Esse momento marcou o lançamento da primeira campanha contra a transfobia no Brasil, em uma parceria histórica com o Ministério da Saúde. O Estado Brasileiro, que historicamente foi instrumento de violações e apagamento das vivências trans, pela primeira vez estava agindo em favor de nossas vidas.
Por outro lado, no dia 31 de Março de 2009, a ativista trans Rachel Crandall, diretora executiva do movimento Transgender Michigan, lançou a campanha por uma data internacional pela visibilidade. No contexto estadunidense, até então só havia o “Transgender Day of Remembrance” (Dia da Memória Transgênero), uma data especifica para lembrar vidas trans ceifadas pela violência. Como nossas vidas e demandas não se resumem à lembrança póstuma, Rachel propôs esta nova data, com a ideia de ser um marco internacional, o que se popularizou nos anos seguintes em outros países.
Para a comunidade trans todo dia é dia de luta. Ainda que pessoas mal intencionadas busquem dizer que queremos “privilégios” ou algum tipo de tratamento diferenciado, a realidade é muito diferente. A verdade é que grande parte dos direitos fundamentais, previstos em nossa Constituição Federal a toda pessoa em território brasileiro, são sistematicamente negados a esta parcela da população.
No acesso à saúde, muitas vezes somos tratades como bichos, espécimes, seres de outro mundo. Imaginem quantas vezes desrespeitam nossos nomes e formas de tratamento, negam atendimento, invalidam quem somos; Quantas pessoas que considerávamos irmãos, irmãs e irmanes vimos ser assassinadas? Suicidadas? Enviamos currículo para vagas de emprego e, quando nos chamam para entrevista, ao perceberem nossa identidade trans tantas vezes nos desqualificam ou até mesmo nos excluem dos processos seletivos de imediato. Nem ao trabalho temos direito?
Por isso, em qualquer data, a Visibilidade Trans segue sendo essencial. Não somente em um sentido de “ser visto” ou “ser lembrado”. Mas que nos enxerguem como pessoas, como seres humanos. Porque saber todo mundo sabe que as travestis existem – muitas vezes vistas em espaços específicos da cidade, como a Leste-Oeste.
E os programas de “humor” também deixam evidente que conhecem nossos corpos. Mas quantas pessoas trans efetivamente temos em nossos círculos sociais? Com quantas travestis, transmasculinos, não bináries, convivemos?
A reflexão de hoje é nesta direção: segundo um estudo da Unesp, há 4 milhões de pessoas trans e não binárias no Brasil. Não é possível que sejamos tão invisíveis aos seus olhos. É necessário refletir e verdadeiramente nos integrar na vida da cidade. Dê um emprego para um transmasculino. Colabore com o trabalho independente de uma travesti. Valorize um serviço prestado por uma pessoa não binária. Assim todo mundo faz sua parte em favor da dignidade humana.
Se você quer saber mais sobre a Jornada Pela Visibilidade Trans 2025 – Londrina/PR te convido a ler a matéria da Franciele Rodrigues sobre esse movimento (disponível aqui).
Se essa história de mais de 4 milhões de pessoas trans e não binárias no Brasil te levantou curiosidade, segue o estudo: https://www.nature.com/articles/s41598-021-81411-4

Ursula Boreal Lopes Brevilheri
Travesti não binária, cientista social, mestra e doutoranda em Sociologia, ativista de direitos humanos.