Mudança de gestão, no final de 2022, teria sido fator central para aumento de violências na unidade
Violência física, negligência médica, fome. Essas são algumas das violações de direitos que têm acontecido na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, segundo denúncias da Frente Estadual pelo Desencarceramento.
Para a organização, a nova gestão da Casa de Custódia tem papel central na imposição das violações. Em documento enviado a uma série de autoridades estaduais e nacionais, em 31 de janeiro de 2023, a frente cita nominalmente o diretor Olival Monteiro, que comanda a penitenciária desde outubro de 2022.
“[…] após a assunção do atual Diretor, houve mais de cinco óbitos na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, ocorridos já em dezembro de 2022, entre eles um decorrente de suicídio. Outro óbito […] demorou 10 dias para ser comunicado aos seus familiares”, cita o documento.
Há relato ainda de que, por ordem da direção, o Setor de Operações Especiais (SOE) tem feito ações truculentas nos cubículos dos detentos, com uso de spray de pimenta e gás lacrimogêneo, inclusive no período noturno. “[…] os internos são obrigados a viver em constante estado de alerta, preparados para o terror das operações”, aponta a frente.
O fornecimento de água e luz, de acordo com as denúncias, são cortados de maneira aleatória ao longo do dia e todos os dias após às 22h. Aumenta-se, assim, a situação de insalubridade, falta de higiene e o risco de exposição dos detentos a doenças infectocontagiosas.
Ainda de acordo com as denúncias, a fome também tem sido constante. A alimentação fornecida seria de apenas 200g de comida duas vezes ao dia. Muitas vezes, o alimento é oferecido estragado e “já em estado de putrefação”. A unidade está, atualmente, superlotada: tem 1.016 detentos, quando deveria abrigar, no máximo, 876.
200 denúncias
Além do documento da Frente Estadual pelo Desencarceramento, cerca de 200 outras denúncias de violações na Casa de Custódia foram feitas pelo Disque 100 e telefone e e-mail do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR).
Fonte ouvida pela reportagem do Brasil de Fato Paraná relatou que as denúncias são desacreditadas por supostamente não estarem vindo de familiares. “Ele [diretor Olival Monteiro] alega que as famílias estão em ‘choque com a nova gestão’, e a realidade não é essa”, disse, complementando: “ele tem prazer em torturar.”
A DPE-PR informou à reportagem que protocolou Pedido de Providências ao Juízo da Vara de Execuções Penais, Medidas Alternativas e Corregedoria dos Presídios de Curitiba e pediu o controle permanente da gestão das vagas na unidade prisional e a designação de inspeção judicial no estabelecimento. O NUPEP também solicitou inspeção judicial na cozinha da empresa que fornece alimentação aos presos. Até o momento não houve decisão da Justiça.
“Choque de gestão”
Em documento assinado por Olival Monteiro em 13 de fevereiro, o diretor nega o teor das denúncias e aponta que detentos e familiares têm apresentado resistência às mudanças implementadas por sua gestão.
Ele descreve o que seriam procedimentos operacionais padrão, como a atuação do Grupo de Segurança Interna (GSI) nas movimentações internas de detentos, intensificação nas “revistas minuciosas” com apoio do SOE, controle rigoroso para o ingresso de visitantes no estabelecimento, controle na entrada de materiais de higiene e itens alimentícios.
Chamando de “choque de gestão”, o diretor aponta que as medidas implementadas “se mostram estritamente necessárias” para o controle do Estado sobre a custódia dos detentos, para a “manutenção da ordem e da disciplina e para a preservação das vidas custodiadas”. Monteiro também afirma que, com a atual equipe gestora, “as mortes no interior da unidade foram cessadas”.
Resposta do Departamento de Polícia Penal
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Paraná, informando o teor das denúncias e pedindo posicionamento oficial. A pasta solicitou que a demanda fosse encaminhada ao Departamento de Polícia Penal do Paraná (DEPPEN), que enviou uma nota sobre os pontos levantados nas denúncias. Reproduzimos a nota abaixo, na íntegra:
“A Polícia Penal do Paraná (PPPR) esclarece que a referida unidade penal, a Casa de Custódia de São José dos Pinhais (CCSJP), é um estabelecimento prisional de extrema sensibilidade, que convive diariamente com o risco de eventuais turbulências, necessitando da padronização de procedimentos que possam reduzir o risco à integridade física das pessoas privadas de liberdade (PPLs), dos servidores e até mesmo dos familiares que, de alguma forma, participam da rotina de movimentações da unidade.
Após a assunção da atual equipe gestora da CCSJP (28 de outubro de 2022) e, consequentemente, do diagnóstico inicial do local, verificou-se a necessidade da intensificação da padronização de procedimentos de segurança, bem como as regalias não previstas nos regramentos do Departamento de Polícia Penal do Estado do Paraná (DEPPEN) direcionadas aos custodiados. Tais processos vêm sendo gradativamente regularizados no interior da unidade, com a retirada dos materiais excedentes dentro dos cubículos e a proibição da entrada de produtos não previstos na portaria do DEPPEN, sempre respeitando o direito da pessoa privada de liberdade e o que está disposto na Lei de Execução Penal.
Além do mais, por ordem da atual equipe gestora da CCSJP, existem procedimentos operacionais padrões implementados, com a atuação do Grupo de Segurança Interna – GSI nas movimentações internas de PPLs, intensificação nas revistas minuciosas com apoio da Seção de Operações Especiais – SOE, controle rigoroso para o ingresso de visitantes no estabelecimento, controle na entrada de materiais de higiene e itens alimentícios devidamente autorizados por normativa própria, entre outras ações protocolares que atendem ao disposto nas Portarias do Departamento de Polícia Penal, respeitados todos os direitos relacionados à dignidade da pessoa humana, sem nenhum registro de abuso ou excesso. Ressalta-se que os grupamentos especializados que atuam no DEPPEN, tais como o SOE e o GSI, são regularmente capacitados pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário (Espen), atuando dentro da estrita legalidade, com conhecimento técnico operacional e de acordo com protocolos de segurança previamente definidos.
Nesse sentido, a Polícia Penal esclarece que, diante da apresentação de um cenário com um evidente “choque de rotina” decorrente da implantação de procedimentos disciplinares adequados, pessoas privadas de liberdade e seus familiares têm apresentado resistência às mudanças, às quais se mostram estritamente necessárias para o efetivo controle do Estado sobre a custódia dos apenados e o cumprimento de suas reprimendas judiciais, bem como para a manutenção da ordem e da disciplina e para a preservação das vidas custodiadas, atividades estas essenciais inerentes a Polícia Penal do Paraná.
No que tange à alimentação entregue ao apenados da CCSJP, cabe informar que o fornecimento é realizado conforme contrato firmado entre a Secretaria da Segurança Pública do Paraná, Polícia Penal do Paraná e a empresa de alimentação Verde Mar, havendo acompanhamento da qualidade e da quantidade da alimentação fornecida através de Comissão Interna de recebimento de alimentação, designada pela direção da unidade, e pela equipe nutricional da Polícia Penal, à qual compete a formalização de registro de eventuais descumprimentos contratuais. Cabe evidenciar que não houve registros recentes de ausência de qualidade e tampouco quantidade de alimentação entregue aos PPLs, conforme relatórios apresentados pela referida comissão interna. Ademais, o controle do cardápio alimentar é devidamente acompanhado pelas nutricionistas da empresa contratada e pela seção de nutrição do DEPPEN, para controle da higiene dos alimentos e integridade da saúde dos custodiados.
No que se refere à atenção básica à saúde dos apenados, salientamos que já houve a realocação de mais um servidor técnico de enfermagem para atuação junto à unidade, sendo ainda, todos os presos cadastrados junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) para que seja possibilitado aos mesmos o atendimento junto à rede pública municipal. Cabe registrar ainda que a sala de enfermagem da CCSJP passou por recente reforma estrutural, possibilitando maior qualidade no atendimento às pessoas privadas de liberdade.
Além disso, verificou-se que o uso de uniforme padrão fornecido pela PPPR não era respeitado na unidade, havendo registros de vestimentas atípicas encontradas no interior das galerias. Diante disso, a Polícia Penal do Paraná esclarece que a padronização das vestimentas, assim como a autorização de entrada de pertences em quantidade adequada dentro da unidade, visa o controle efetivo do Estado na custódia dos PPLs, a manutenção das condições de higiene dos cubículos e a inibição, entre outras ocorrências de ordem disciplinar, de eventuais comercializações e consequentes submissões e dívidas entre os apenados, o que pode comprometer ainda mais a convivência entre os diferentes perfis da unidade.
Cabe ressaltar que a direção da Polícia Penal do Paraná tem acompanhado o desenvolvimento das atividades na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, constatando em recentes visitas realizadas, a implantação de procedimentos operacionais padronizados e a adequação da unidade aos preceitos estabelecidos através das normativas e das diretrizes do DEPPEN, respeitando as normas da Lei de Execução Penal é a dignidade da pessoa privada de liberdade. Atendendo, assim, aos critérios de segurança e disciplina para que as demais atividades relacionadas ao tratamento penal humanizado, especialmente aquelas voltadas aos pilares da educação e do trabalho, possam posteriormente ser desenvolvidas com a garantia da segurança dos custodiados e dos profissionais servidores, atendendo à função social da pena, qual seja, evitar a prática de novos crimes, além da função de ressocializar o indivíduo, proporcionando meios para sua reinserção ao seio da sociedade.
Por fim, a Polícia Penal do Paraná registra que a unidade foi recentemente visitada por uma comitiva de integrantes da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), liderada pelo Excelentíssimo Secretário titular da pasta, Coronel Hudson Leôncio Teixeira, possibilitando o acompanhamento da rotina diária da unidade e que, não há óbice para demais visitações por parte dos órgãos correcionais e/ou de ouvidoria daqueles que detêm a competência para a fiscalização das atividades nos estabelecimentos prisionais administrados pelo Departamento de Polícia Penal do Estado do Paraná.”
Fonte: Brasil de Fato