Já os serviços de saúde acolhem somente 2,7% das vítimas no estado. O índice é inferior a média nacional
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgada na última quinta-feira (02), o Brasil registra, em média, 822 mil casos de estupro por ano. Isto equivale dizer, que duas mulheres são abusadas a cada minuto no país. Ainda, conforme o estudo, a estimativa é que apenas 8,5% dos crimes são notificados à polícia. A proporção das queixas que chegam aos serviços de saúde é ainda menor: somente 4,2% das ocorrências.
“O quadro é grave, pois, além da impunidade, muitas das vítimas de estupro ficam desatendidas em termos de saúde, já que, como os autores ressaltam, a violência sexual contra as mulheres frequentemente está associada a depressão, ansiedade, impulsividade, distúrbios alimentares, sexuais e de humor, alteração na qualidade de sono, além de ser um fator de risco para comportamento suicida”, alerta a organização.
A maioria das vítimas são mulheres, jovens, com idade média de 13 anos. Em relação aos agressores, o levantamento identificou quatro grupos principais: parceiros e ex-companheiros, familiares, amigos/conhecidos e desconhecidos. O ano de referência é 2019 e utilizou bases de dados do Ministério da Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e da Pesquisa Nacional de Saúde, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Paraná
Ainda, de acordo com a investigação, no Paraná, o número estimado de estupros (com vítimas maiores de 18 anos) é de 26.308. Porém, 718 casos foram reportados aos serviços de saúde, ou seja, apenas 2,7%. A taxa ainda mais baixa à média nacional. Já as forças policiais, tomaram conhecimento de 7.670 ocorrências no estado, o que representa 29%.
Cristina Fibe, jornalista, autora do livro “João de Deus: O abuso da fé”, pontua que a cultura do estupro está envolta em toda a sociedade e sustenta violências diversas de gênero desde situações consideradas mais brandas como insinuações até outras mais graves como agressões, abusos sexuais e feminicídios.
“Permeia desde a maneira de como a gente é educado, a socialização de gênero, qual é o papel dos homens e qual é o papel das mulheres na sociedade. E isso vai entranhando de tal maneira que até uma mulher em situação de parto está correndo o risco de ser violentada por um médico que deveria estar zelando pela vida dela diante de uma equipe. Esse destemor do homem de achar que pode ser dono do corpo da mulher, não se trata de desejo sexual, mas de demonstração de poder. Há a banalização do corpo da mulher que o homem usa como quer e que vai terminar em feminicídio em última instância, por isso, que a piada machista não é tolerada, ela é a base”, afirma.
Segundo Fibe, é urgente que os homens se envolvam no combate às violências de gênero. “Nossa grande dificuldade é falar com os homens, que eles entendam e entrem nessa batalha porque se eles continuarem se comportando da maneira como se comportam a gente vai continuar sendo estuprada e assassinada”, adverte. Para ela, devido ao fortalecimento dos movimentos feministas no Brasil e em outras partes do mundo, as mulheres estão identificando as violências de que são vítimas e denunciando mais. “Nós estamos falando ‘basta, não dá mais’, adverte.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.