Leio, n’algum sitio da rede, que o general hamilton mourão, enquanto senador da república (lembro aos desavisados que Incitatus, cavalo preferido de Calígula, teve seu nome inscrito no rol dos senadores Romanos), declarou que o golpe de estado de 1964 deixou um ‘legado positivo’ para o país.
Devia deixar baixo, na medida em que quase todas as cousas que a caserna fala não se aproveitam. Mas a lata de lixo da história não merece mais essa ‘pérola’ do general, naquilo que a ditadura militar brasileira (como de resto toda e qualquer ditadura) não contabiliza qualquer legado à sociedade e, por conseguinte, ao país.
A ditadura foi a página mais infeliz e covarde (e assassina, criminosa e todo adjetivo abjeto mais que houver) de nossa história. Apenas imbecis que desconhecem a própria (história) e os veículos de comunicação que enriqueceram à custa de apoio aos generais golpistas (rede globo, estadão, falha de são paulo, veja…) ousam falar bem dos anos de chumbo e seguem passando pano para milico.
Deveras, não há falar-se em legado constituído sobre a tortura e assassinato de divergentes políticos, na medida em que o uso da força em favor de ideologias e de inimigos imaginários, cuja convocação fomenta a narrativa justificadora da quebra da ordem democrática, atende apenas e tão somente interesses de quem detém poder sobre a própria força.
Assim é que, sob a mentira histórica que se combatia o inimigo oculto (comunismo), os militares tomaram ilegitimamente o poder por aqui, tacando o terror aplaudido na noite de nossa eterna vergonha pelo messias que, ao votar pelo impedimento da então Presidenta Dilma Rousseff, homenageou o coronel brilhante ustra, torturador da própria Dilma – e de tantos e tantas outras pessoas que a ditadura perseguiu/eliminou.
A história é muito recente para ser admoestada, diminuída e recontada com a tantada de mentiras e falsas narrativas que nossa época de grande velocidade informativa e marcha lenta de pensamento crítico racional estabeleceu.
Vejo jovens que se abastecem do e no mercado rentista, feito filhos pródigos da colmeia de exploradores de esforço alheio, alardearem que são saudosos da ditadura. Vi imbecis erguerem cartazes (no período eleitoral último) autorizadores de intervenção militar – isso sem terem vivido uma ditadura. Essa distopia me anima responder ao senador milico que vê legado na quebra do regime constitucional pela força e através de torturas e homicídios.
Devoto de Dom Paulo Arns que sou, não posso convier com a fala do general falastrão sem me envergonhar da luta extraordinária de nosso Arcebispo maior. Devo, à luta de um de meus grandes heróis, uma resposta a altura.
Então, lá vai…
Para você que não conhece a história, recomendo leitura abalizada e reconhecida. Recomendo que pare de entender o ensino e a cultura como diversionismo que busca minar as estruturas sociais – que cultura e ensino são muito mais que isso.
Antes de satanizar a Lei Rouanet, procure saber (Obrigado Caetano) o que ela estabelece e como ela foi concebida – se fruto de arbítrio ou do procedimento bicameral que legitima sua consecução. Não seja raso em suas falas; deixe de repetir o que colhe em redes sociais. Procure pensar e, se o pensamento não lhe mover pelas asas do conhecimento, vá aos livros. Não se deixe fisgar feito um peixe pequeno que só faz aplacar a fome dos tubarões.
Veja nas narrativas estabelecidas quem as sustenta. Eu estou cansando (mas não vou me cansar) de dizer que as eleições no Brasil são as mais seguras que a democracia conhece, naquilo que o modelo de urna eletrônica tão satanizado pelo inominável que nunca quis disputar um pleito eleitoral e sim perpetuar-se no poder, é reconhecido em todo o mundo por sua excelência, servindo de modelo e sendo motivo de confiabilidade do próprio sistema, jamais poderia ser questionado, senão por fatos verossímeis…
Desconfie de quem aloca o próprio interesse sobre todas as outras coisas, sem qualquer amarra ética ou solidez fática. Observe as pessoas e suas falas. Veja o que estão sustentando. Procure, nas entrelinhas, o racional da questão então deduzida para, sem se deixar levar pelo gado, não aplacar a fome da piranha que espreita em bando.
Antes de satanizar Cuba, questione se a qualidade de vida de seu povo, que você tão altruisticamente defende, é fruto do regime que você deplora ou do embargo econômico ditado pelo modelo estadunidense que atropela quem não reza sua missa e comunga de sua fé no capital.
Antes de jogar as costumeiras pedras na Venezuela, veja o que gerou o empobrecimento daquela gente: o chavismo, repristinado em Maduro, ou o embargo econômico ditado pelo interesse do tio san nas reservas petrolíferas de nosso vizinho latino?
Lembra do pré-sal? O estadunidense lembra todo dia, desde que Lula anunciou nossa ventura. Tudo de ruim que, de lá para cá, nos assolou, tem o selo da tentativa pilgrin de se apossar de nossas reservas de petróleo.
E daí bonitão? Vai seguir babando ovo em Miami e achando que democracia lá é de verdade e aqui é um desvio de conduta petista? Afinal, qual bandeira você jurou? Qual interesse econômico lhe merece atenção?
Acaso você é daqueles que não consegue pensar por si só e precisa do bando que lhe acelera na traseira em comunhão de duas rodas como se ultimo outsider fosse? Então assista (pra ontem) Easy Rider, de Dennis Hopper, e descubra que a motocicleta é muito mais um veículo de contracultura do que um substituto fálico do órgão sexual que você perdeu para seu flerte fascista.
Por acaso conheces a história de latino américa? Imaginas quem patrocinou cada golpe de estado por aqui? Sabes o que foi a Operação Condor? Achas mesmo que a CIA é um ajunte de gente legal e que Jason Bourne atende tão somente ao charme ficcional que Matt Damon encarnou?
Sabe cara, eu não tenho raiva alguma de você. Tenho é muita pena de sua ignorância, naquilo que ela é a medida com que o mercado mantém seus escravos sociais. Antes de ficar mais puto do que você já deve estar, peça a quem lhe lê estas minhas reminiscências uma trégua e foque no que vou te falar: sabes porque te chamo de gado?
Por tudo que lembrei até aqui – olha que eu amo o bovino no pasto, apenas deploro o bovino de asfalto, cujo compadrio fascista remete à fala do general mourão, enquanto senador da república, do mesmo modo que um relincho de Incitatus anunciava o instante em que seu dono (Calígula) se preparava para defecar nos pobres romanos.
Definitivamente a história não pode ser desconhecida, pois que senão qualquer defecador profissional investido em prerrogativa de estado, se arvora falar em legado sob o sangue covardemente derramado.
Ditadura nunca mais!
João dos Santos Gomes Filho
Para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.