Ex-vereador de Curitiba e atual deputado estadual, o parlamentar tem sido alvo de diversos crimes racismo ao longo de sua trajetória política
Na última quarta-feira (10), o deputado estadual Renato Freitas (PT), publicou vídeo nas redes sociais em que demonstra abordagem da Polícia Federal (PF) no Aeroporto Internacional das Cataratas (IGU) em Foz de Iguaçu. A PF entrou na aeronave antes da decolagem e pediu para revistar o parlamentar e sua mochila.
O vídeo foi gravado em 3 de maio, quando Freitas viajava para Londrina e mostra o deputado, que também é presidente da Comissão de Igualdade Racial da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), caminhando até o lado de fora do avião, onde um agente da PF afirma que ele foi escolhido de forma aleatória para ser inspecionado. Acompanhe o momento abaixo:
Em entrevista ao programa Aroeira, da Rádio UEL FM, Freitas contesta a versão de que se trata de um procedimento regular. Ele também contradita a informação de Agentes de Proteção da Aviação Civil (APAC) de que teria se negado a passar pela revista e denúncia racismo.
“Estava apressado para não perder o voo, passei pelo detector de metais, nada apitou. Fui pegar minha mochila e vi que a mulher me olhou meio diferente e falou ‘você se incomoda de fazermos uma revista minuciosa nos seus pertences?’ Não sem problemas, pode fazer, só peço para, se possível, você avisar o pessoal para não encerrar o embarque, daí ela respondeu ‘isso não posso fazer’. Pedi ela então proceder com a revista o mais rápido possível”, conta.
Segundo a liderança, que é um dos três deputados negros a ocupar uma das 54 cadeiras da ALEP atualmente, a funcionária deixou o local e chamou outro servidor. Porém, o agente, que posteriormente acompanhou os policiais federais na revista, também não realizou a vistoria mesmo o deputado pedindo para que procedessem com o exame a fim de que ele não perdesse o voo. “Ele simplesmente me ignorou, virou o rosto, fingiu que não era com ele. Eu olhei para os demais funcionários para ver se alguém ia falar alguma coisa, mas ninguém fez nada. Peguei minha mochila que já tinha passado pelo raio-x, coloquei nas costas e sai andando”.
“Fui o último a chegar no meu voo, não deu nem cinco minutos, veio a Polícia Federal acompanhada justamente deste rapaz. Eu perguntei, por que está abordagem? Falaram que era aleatória. Daí eu questionei aleatória, por quê? ‘É um procedimento, deveria ter ocorrido lá embaixo’. Perguntei por que não tinham feito se eu não me neguei, pelo contrário. Falei para o rapaz: Eu não pedi para que você procedesse com a revista e o que fosse necessário para eu não perdesse o meu voo? ‘Não, mas eu não gostei do jeito que você falou’, ele respondeu”, complementa Freitas.
A carne mais barata (também) no aeroporto
De acordo com o deputado, o constrangimento inicia já na chegada do Aeroporto, pois ele é visto como suspeito pelos funcionários, embora não apresentasse nenhum indício de irregularidade. “O maior ato de racismo não foi nem a abordagem e a revista, infelizmente, a gente já está acostumado, mas esta hostilidade gratuita, já na entrada, eu percebi que ela me olhou diferente, eu acho que ela acreditou de fato que eu era suspeito de algum crime, que o fato de eu estar chegando em cima da hora para o voo poderia ser algo para ocultar algum crime, droga. É triste o racismo justamente por isso, você tem que ficar adivinhando o porquê de ter sido hostilizado”, observa.
Na quinta-feira (11), o gabinete do deputado solicitou que imagens de câmeras de segurança do circuito interno do Aeroporto de Foz do Iguaçu sejam divulgadas (acompanhe nota na íntegra aqui). “Em primeiro lugar, eu quero as filmagens do Aeroporto, porque as câmeras vão demonstrar que eu forneci a minha mochila, que ela estava nas mãos daquele rapaz, não teve nenhum motivo para eles não fazerem a revista lá embaixo, se quisessem. Mas a verdade é que foi uma tentativa de constrangimento. Na minha compreensão, eles me trataram como mais um negro suspeito que está eventualmente em um voo, já que os aeroportos não são lugares que nós estamos. O avião ainda é algo elitizado. Os nossos corpos naquele espaço são tratados como menos, subcidadãos, sub-passageiros, sub-consumidores, sub-humanos”, adverte.
Não sabiam que é deputado
Freitas evidencia que não se identificou como deputado, sendo que os agentes de aviação e policiais federais souberam que tratava-se de um parlamentar somente ao verificar os documentos pessoais de Renato. Ele também destaca que, mesmo sendo vítima da agressão, setores conservadores têm tentado transformá-lo em responsável pela violência sofrida.
“No nosso caso como negro de periferia, se você se apresenta como deputado, as pessoas vão falar que estamos dando carteirada. Se você não se apresenta, eles tentam te humilhar. Eu prefiro estar nesta segunda posição porque depois pelo menos eu tenho condições de exercer a minha defesa. Deste fato, eles que são os autores, me agrediram, discriminaram, mesmo assim, setores da extrema-direita nas redes sociais já estão tentando me pintar como bandido, descontrolado, mesmo eu tendo toda a calma durante o procedimento tão violento”, avalia.
“Não vão nos apagar da história”
Renato também evidencia o apoio que tem recebido em mais este episódio de racismo e reforça a importância de desnaturalizar o preconceito. “Cada vez mais pessoas com esta realidade de que há ainda discriminação em todos os espaços públicos, sobretudo, aos reservados a classe média branca brasileira como aeroportos, shoppings. Também por terem contato com as nossas pautas, com o Movimento Negro do qual fazemos parte e constrói o país, alternativas políticas para resolver justamente este tipo de problema. As pessoas se somando a estas ações fortalece a luta. O custo disso é mais uma ferida na alma que não cura com band-aid”, assinala.
Acompanhe a entrevista exclusiva concedida aos jornalistas Elsa Caldeira e Guilherme Bernardi, disponível aqui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.