A elite brasileira nunca rompeu com a organização social do trabalho aos moldes da escravização
Hoje, dia 25 de julho, celebramos o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. No Brasil, homenageamos Tereza de Benguela, líder quilombola que sustentou a resistência do seu quilombo por mais de 20 anos. No Ceará, homenageamos Preta Simoa, uma liderança na mobilização dos jangadeiros contra o transporte de negros escravizados. Além da celebração, este é um dia importante para que possamos refletir.
O sujeito político “mulher negra” emerge da auto-organização de mulheres negras. A constituição deste sujeito político abriu caminhos para questionar a representação da mulher negra apenas como subalternizada, com ligação direta ao trabalho doméstico ou como mero objeto de pesquisa.
É necessário compreender o sistema de opressão em que essas mulheres estão inseridas, ancorado nas dimensões econômicas, políticas e ideológicas, e que constitui imagens de controle, formuladas desde a escravidão e mantidas até os dias de hoje.
Por isso, nesse momento de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato e a abertura de um novo ciclo histórico no Brasil, é necessário pensar em políticas que alterem essas estruturas de opressão que ainda hoje mantêm as mulheres negras na base da pirâmide. É nesse aspecto que trago um tema central que atravessa a vida de todas as mulheres negras: o trabalho doméstico e de cuidados.
Em seu texto intitulado “O matriarcado da miséria”, Sueli Carneiro afirma que “a conjugação do racismo e o sexismo produzem sobre as mulheres negras uma espécie de asfixia social” e destaca que o “trabalho doméstico ainda é, desde a escravidão negra no Brasil, o lugar que a sociedade racista destinou como ocupação prioritária das mulheres negras”.
Em nota técnica do Ministério das Mulheres, afirma-se que 93% da categoria são formados por mulheres e que, destas, 61% são mulheres negras. Mas, para além do trabalho doméstico, percebemos o recorte racial nos mais diversos postos de trabalho no setor de cuidado. Nesse sentido, os dados apontam que 45% do total de postos de trabalho no setor de cuidados no Brasil são ocupados por mulheres negras.
Além do trabalho doméstico, encontramos a presença massiva das mulheres na enfermagem, como auxiliares de professores da educação infantil, cuidadoras de idosos, entre outros.
A divisão do trabalho de cuidados no Brasil está profundamente marcada também pelas desigualdades raciais. As mulheres negras seguem sendo as maiores provedoras de cuidados no Brasil, seja remunerado fora de casa ou não remunerado dentro de casa.
Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-c) do IBGE, em 2019, as mulheres negras dedicam 22,3 horas por semana ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado. Ainda segundo a Pnad-c, em 2021, 32% das mulheres negras não ingressaram no mercado de trabalho na idade ativa devido às suas responsabilidades com filhos, outros parentes ou com os afazeres domésticos.
Por essas e outras questões, faz-se central olhar para o “cuidado” como um problema público. A elite brasileira nunca rompeu com a organização social do trabalho aos moldes da escravização, uma vez que a sua ascensão social também está conectada a ter acesso a todos esses serviços de cuidados que são realizados em sua maioria por mulheres e, especialmente, por mulheres negras.
Mas uma pergunta central deve ser trazida para este debate: “quem cuida de quem cuida?”. Continuar a tratar o “cuidado”, seja ele remunerado ou não remunerado, como um problema privado e não público de responsabilização do Estado é impor às mulheres negras o custo para a manutenção dessa estrutura.
Se é verdade que a pauta da entrada das mulheres no mercado de trabalho é marcada por um viés branco e de classe média, temos a oportunidade de, com a pauta da socialização dos cuidados, construir um amplo processo de aliança com as mulheres em toda a sua diversidade, pois, como já falado anteriormente, a maneira como está organizado o trabalho de cuidados no Brasil atinge todas as mulheres, mas em especial às mulheres negras.
Há muito tempo, nós mulheres negras temos defendido o direito ao bem viver, seja nos nossos quilombos, nos nossos morros e favelas, nas nossas comunidades pesqueiras e ribeirinhas, em cada canto desse Brasil. Defendemos o direito de viver uma vida que não seja marcada pelo trabalho compulsório e pela precariedade, por uma vida sem violência seja contra nós, contra nossos filhos ou contra nossos territórios.
Defendemos o direito de praticar nossa religião, defendemos o aborto seguro, pois sabemos que são as mulheres negras em sua maioria que morrem em decorrência do aborto clandestino. Defendemos nossa cultura e nossa arte e o direito de viver delas.
Neste 25 de julho, convoco todas as mulheres negras a marchar junto à Marcha das Margaridas nos dias 16 e 17 de agosto e seguir em marcha pelo fim do racismo e pelo bem viver!
Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
* Cientista social e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Ceará