Ações da Guarda Municipal e ROTAM também têm cerceado a manifestação cultural na cidade
Jovens denunciam mais uma abordagem truculenta de agentes da segurança pública durante batalha de rima em Londrina. O encontro ocorreu no último fim de semana na Praça MRV, localizada no bairro Cidade Industrial II, zona Leste da cidade.
De acordo com Ismael Frare, presidente do Conselho Municipal de Políticas Públicas para a Juventude, mais de 500 jovens estavam no espaço bem como famílias com crianças, quando policiais militares e agentes da ROTAM (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas) chegaram com armas em punho e pediram para que eles fizessem um paredão para a “batida”.
“Segundo relatos dos jovens e depois estivemos lá para acompanhar toda a situação, a ROTAM apareceu por um lado com armas em punho e por outro lado, apareceu a polícia, colocando armas no rosto dos jovens e pedindo para que eles fizessem um paredão para a batida policial. Naquele momento, na praça MRV estavam reunidos mais de 500 jovens para participar da batalha de rima assim como em outros espaços da praça tinham mães, pais que estavam com os filhos, outros jovens na pista de skate, jogando bola, então, foi um momento bastante tenso e perigoso”, conta.
Segundo a liderança, a repressão às batalhas de rima tem sido frequente na cidade. “Nós temos recebido diversos relatos, denúncias e até pedidos de socorro de abordagens violentas nas batalhas de rima aqui de Londrina. Temos percebido o medo dos jovens pela intimidação”, observa.
Marcelo Benjamin, produtor cultural, ativista do movimento hip-hop há 25 anos em Londrina e membro do Coletivo Tenda Cultural, também ressalta que a abordagem violenta tem sido constante, sendo ainda mais agravada em períodos de troca do comando.
“Chegam com truculência, xingando todo mundo de ‘vagabundo’, ‘drogado’, apontando armas para crianças, mães, pais, famílias inteiras. É uma situação totalmente revoltante, colocando todo mundo em pânico, tocando o terror”, diz.
Ele acrescenta que o patrulhamento dos guardas municipais também tem cerceado as batalhas de rima. “Hoje acontece várias batalhas em diversas regiões da cidade e tem acontecido muito, não apenas pela polícia, mas também pela Guarda Municipal que tem reprimido as manifestações culturais”, afirma.
Criminalização
Para Frare e Benjamin, o desconhecimento e criminalização do movimento hip-hop contribui para as violências. Expressão da cultura hip-hop, as batalhas são duelos de MC’s onde acontecem rimas improvisadas sobre os mais diversos assuntos. O gênero conquistou maior projeção a partir da década de 1970, nos Estados Unidos. Desde então, tem sido difundido por diversas partes do mundo. Aliando música, dança, moda, grafite, entre outras expressões, a manifestação artística tem desempenhado papel preponderante para denúncia das múltiplas desigualdades sociais como o racismo.
“Eles não entendem que o hip-hop é uma cultura contemporânea, de grande representatividade e respeitada em diversas partes do mundo. Por outro lado, acham que todo mundo é drogado, maloqueiro e querem pegar as batalhas de rima como exemplos, uma espécie de troféus para eles e todas as vezes que troca o comando eles acabam fazendo como uma espécie de batismo. Como eles não conseguem pegar os grandes traficantes, os bandidos de verdade, eles oprimem a galera do hip-hop”, avalia o produtor cultural.
“Os jovens estão ocupando estes espaços públicos para manifestação cultural. De acordo com a Constituição [Federal] não é preciso aviso, solicitação prévia porque é direito. Leis como a dos artistas de rua, a do patrimônio são continuamente desrespeitadas já que os jovens sofrem represálias, são expulsos destes locais”, pontua o conselheiro.
Frare refere-se ao Projeto de Lei nº 241/202, de autoria da deputada estadual e presidenta da comissão de Defesa dos Direitos da Juventude da Assembleia Legislativa, Ana Júlia Ribeiro (PT), que reconhece as batalhas de rima como patrimônio cultural imaterial do Paraná.
“O que hoje acontece na prática? As batalhas ocorrem majoritariamente nos espaços públicos, praças e não há compreensão deste movimento. Muitas vezes, ele não consegue acontecer por repressão, falta de liberação, alvará. A ideia é que reconhecendo isso como patrimônio cultural, presente no nosso estado, facilite para os organizadores das batalhas, para que tenhamos elas acontecendo de maneira muito mais tranquila, sem causar problemas para ninguém”, destacou a parlamentar em entrevista do Portal Verdade após aprovação da medida na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em maio (relembre aqui).
Encaminhamentos
Frare indica que o Conselho Municipal de Políticas Públicas para a Juventude está tentando dialogar com os poderes Executivo e Legislativo para não apenas cessar a violência, mas também garantir a infraestrutura necessária para que as batalhas ocorram.
“Não é apenas esta demanda da segurança pública e abordagens policiais, também tem a ver com banheiro público, iluminação e a visibilidade deste movimento que é tão importante para Londrina, que reúne mais de 1.200 jovens todas as semanas na cidade. Nas diversas regiões ocorrem batalhas, é o maior circuito de batalhas do estado, um dos maiores do Sul e é preciso que sejam reconhecidas, valorizadas e apoiadas também”, adverte.
Benjamin comenta que uma reunião foi agendada na última segunda-feira (21), com o prefeito Marcelo Belinati (PP), mas ele não compareceu. O grupo foi recebido por assessores e o secretário municipal de Cultura, Bernardo Pellegrini. Ainda, de acordo com ele, o encontro terminou sem proposições de modo que uma denúncia ao Ministério Público (MP) será a próxima tentativa de acabar com as ofensivas.
“Nós sentimos abandonados, é o sistema, o poder púbico. Estamos nos mobilizando para fazer uma denúncia formal ao MP com o pessoal de outros movimentos que se solidariza. Vamos puxar outras frentes, para tomar medidas mais incisivas porque a gente não aceita este tipo de repressão”, desabafa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.