Produtores e especialistas pedem ‘Desenrola do Campo’ e ajuda da Embrapa para garantir plantio de alimentos
O governo federal anunciou em junho um Plano Safra para Agricultura Familiar com valores recordes. O programa destinará R$ 71,6 bilhões em crédito rural para fomento ao trabalho de pequenos produtores durante a safra 2023/2024 – 34% a mais do que na safra anterior.
Para agricultores e economistas, no entanto, todo esse investimento pode ter efeito limitado. Isso porque, segundo eles, hoje o Plano Safra para Agricultura Familiar esbarra em dois problemas: o endividamento dos pequenos produtores e a falta de apoio técnico para que o crédito subsidiado do governo seja efetivamente convertido em produção.
Carolina Bueno, economista e pesquisadora interessada em agricultura familiar, disse que os últimos anos foram especialmente difíceis para os pequenos agricultores.
“Eles se endividaram bastante por conta da falta de políticas em governos anteriores, principalmente na gestão de Jair Bolsonaro [PL]. Também tiveram muitas perdas na produção por conta de questões climáticas, como secas”, explicou.
Diego Moreira, da coordenação nacional do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), confirma a situação. Segundo ele, cerca de 50% dos agricultores familiares do país têm alguma dívida em atraso e, portanto, têm restrições para tomar novos empréstimos. No caso dos assentados, esse percentual chega a 70%.
Moreira pede uma ação do governo em busca de solução para essas dívidas para que o crédito do Plano Safra chegue a quem precisa.
“Precisamos de imediato de um ‘Desenrola’ [programa federal de renegociação de dívidas] no campo para que as famílias assentadas e as famílias da agricultura familiar possam acessar os empréstimos”, afirmou. “Por mais bonito que seja o Plano Safra, se as famílias não tiverem com os CPFs aptos para acessar os recursos, não vão acessar”, alerta.
Em entrevista ao Brasil de Fato na sexta-feira (25), Patrícia Vasconcelos Lima, secretária de Agricultura Familiar e Agroecologia do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), afirmou que o governo está ciente do problema do endividamento dos pequenos agricultores e está agindo para garantir que eles consigam tomar os empréstimos.
“O ministro Paulo Teixeira [do MDA] encomendou um levantamento com os agentes financeiros, com o Banco Central, para encaminhar essa questão dos agricultores que não estão conseguindo acessar o crédito por conta de pendências cadastrais”, disse.
Apoio técnico
O economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin aponta que o crédito para agricultores familiares não pode vir desacompanhado de apoio técnico para dinamizar sua produção. Ele, que já foi secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do governo federal entre 2003 e 2005, durante a primeira gestão Lula, disse que esse apoio hoje inexiste.
Baccarin ressaltou que a agricultura convencional brasileira é tão eficiente para produzir e exportar soja e milho, por exemplo, por conta das pesquisas que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realizou em prol do setor.
A mesma empresa, no entanto, faz o mesmo trabalho em prol da agricultura familiar. Os pequenos produtores, então, “concorrem” com os grandes em desigualdade.
“Não podemos não achar que a agricultura familiar vai competir com o grande na base da enxada”, afirmou. “Precisamos ter maquinário, pesquisas e essas pesquisas têm que chegar ao agricultor familiar.”
A secretária Patrícia Lima afirmou que o governo trabalha para aproximar a Embrapa da agricultura familiar e quer fazer convênios para que máquinas cheguem aos produtores.
Setor estratégico
Baccarin disse que o apoio à agricultura familiar é fundamental. O setor é o grande responsável pela produção dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros. Precisa de fomento, assim como a agricultura convencional já recebe –Plano Safra 2023/2024 voltado ao agronegócio prevê crédito de R$ 364 bilhões, cinco vezes o valor da agricultura familiar.
“Na criação de aves, suína e na produção de leite, em torno da metade do plantel está na mão do agricultor familiar; mandioca e feijão é acima 50%; e hortaliças é predominante agricultura familiar”, listou o economista.
Vitor Hugo Miro Couto Silva, economista e professor do departamento de Economia Agrícola da Universidade Federal do Ceará (UFC), explicou que, sem apoio governamental, agricultores familiares poderiam até abandonar a produção. Isso, contudo, teria um efeito nocivo no custo da alimentação do país, que tenderia a subir.
“Na economia básica, a gente aprende que se uma determinada atividade ela não dá um retorno que incentive produtores a se manterem produzindo, eles deixam o mercado. Imagina você ter uma redução de produção de arroz, de feijão, de carne? Isso vai ter um custo muito grande pra sociedade como um todo”, ressalta.
Mais que alimentos
Carolina Bueno destaca que os efeitos da agricultura familiar sobre a economia vão além dos preços de alimentos. Primeiro, ela gera emprego em áreas do interior do país e dinamiza a economia desses locais.
Patrícia Lima, do MDA, disse que 70% da mão de obra do campo são agricultores familiares, que consomem e investem onde moram.
Carolina também afirmou que a agricultura familiar contribui com uma nutrição saudável da população nacional, já que fornece alimentos naturais. Esses alimentos geralmente vêm de regiões próximas às cidades, reduzindo assim a necessidade de uso de combustíveis fósseis para transporte do produtor ao consumidor –ou seja, são mais sustentáveis.
Para ela, a agricultura familiar precisa ser fortalecida no contexto de mudanças climáticas. A economista defende que o Plano Safra convencional e para a agricultura familiar sejam equiparados.
Fonte: Brasil de Fato