Percentual de famílias com dívidas saltou 14 pontos de 2019 a 2022 e chegou a 77,9%
A economia brasileira começou o ano com o endividamento da população em queda. O percentual de famílias endividadas caiu de 78% em janeiro para 77,3% agosto na pesquisa mensal sobre o tema realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Esse percentual, no entanto, ainda é considerado extremamente alto para alguns economistas. O patamar foi alcançado, principalmente, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Entre 2019 e 2022, período em que Bolsonaro governou o país, a média anual de famílias endividadas saltou 14 pontos nas pesquisas da CNC. Subiu de 63,6% para 77,9%, atingindo um pico de 79,3% pontual em setembro do ano passado, numa escalada nunca antes registrada pela entidade.
Segundo economistas ouvidos pela reportagem, o endividamento é hoje uma trava à retomada do crescimento econômico no país pois limita o consumo das famílias. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou o programa Desenrola Brasil para tentar resolver a questão, dizem eles. Uma solução definitiva, contudo, não será simples.
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explicou que o endividamento das famílias começou a se agravar no país ainda em 2015, quando o Brasil era governado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e entrou em recessão econômica. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou 3,5%, o rendimento do trabalhador também caiu, e o desemprego começou a subir.
Naquele ano, porém, a taxa média de endividamento ficou em 61,1%.
Em 2016, aliás, ele até caiu. Baixou 60,2% e manteve-se abaixo dos 61% até 2018, ano em que Bolsonaro venceu a eleição presidencial.
Weiss ressaltou que, de 2016 a 2018, o Brasil foi governado por Michel Temer (MDB), numa gestão de agenda neoliberal. Isso levou a crescimentos pequenos do PIB, aumento do desemprego e estagnação dos salários. Temer, inclusive, foi apoiador da Reforma Trabalhista, de 2017, que precarizou o trabalho no país.
Tudo isso, ano após ano, foi comprimindo o orçamento das famílias no país e as “empurrando” para o endividamento. Quando Bolsonaro assumiu, em janeiro de 2019, e a pandemia do novo coronavírus eclodiu no mundo, em dezembro do mesmo ano, a situação das famílias piorou e muito. O endividamento foi a forma de garantir o custeio de despesas básicas, inclusive de alimentação.
“No contexto da pandemia, quando o auxílio [Auxílio Brasil] demorou a chegar, e chegou combinado com uma elevação de preços básicos, principalmente de energia e alimentação, isso fez com que as famílias dependessem mais do crédito”, acrescentou André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que também vê a queda da renda dos trabalhadores como causa do problema.
Juros na conta
Segundo Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também diz que a pandemia teve efeito “desastroso” sobre o endividamento das famílias a partir de 2020. Naquele ano, ele teve média de 66.5% – cerca de 11 pontos a menos do que em 2022.
Ela, contudo, ressaltou o papel dos juros nesse aumento das dívidas. De 2020 a 2022, o juros médios cobrados das famílias brasileiras passou de 41,5% para 52,1% ao ano, segundo a CNC. “A combinação de declínio da economia com taxa de juros elevadas teve como efeito o aumento do endividamento das famílias”, disse.
Para Deos, a redução das taxas de juros cobradas por bancos para níveis razoáveis é fundamental para redução do endividamento. Hoje, os bancos são os principais credores do país, já que 85% das famílias com dívidas têm contas a pagar do cartão de crédito, fornecido por instituições financeiras.
Os juros cobrados no cartão de crédito são hoje os mais caros do país, segundo levantamento periódico realizado pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). São de 425% ao ano em média. Isso é mais do que o triplo do juro médio das operações de crédito.
Com um juros de 425% ao ano, uma dívida de um usuário de cartão multiplica-se por cinco em um ano caso não seja paga. Torna-se, portanto, praticamente impagável.
Para ela, o Desenrola trata do endividamento, mas não atua para redução de juros nem outras causas do problemas. Ajuda, mas não resolve.
Weiss, da UFRGS, ratifica. Para ele, só a melhora nas condições gerais da economia – emprego, renda, crescimento – vão reduzir o endividamento das famílias. Para ele, outra contribuição para solução do problema pode vir da redução da inflação, que estabiliza preços e evita a corrosão do orçamento das famílias no país.
Fonte: Brasil de Fato