É uma peça musical composta por Piazzolla e gravada em 1974 no Teatro Scala, em Milão. O nome é autoexplicativo naquilo que funde as palavras liberdade e tango, aludindo ao estilo compositivo de Ástor – Tango Nuevo.
Uma das partes da peça está batizada Tanguédia, naquilo que direciona a luz negra da experiência musical então desenvolvida para a tragédia existencial do povo argentino – rica em todos os sentidos.
Libertango é um momento mágico da música e indico apreciar toda peça sem qualquer moderação.
Noves fora a genialidade de Piazzolla e sua experiência musical (única), o tango em si sempre exaltou algum tipo de sofrência. Em Libertango, todavia, Ástor vai além da resultante e destaca o caminho de constituição da dor.
Lembrar Piazzolla (como fosse possível esquecê-lo) agora, imediatamente após milei vencer, em nome da extrema direita, eleições livres em Argentina, me parece recompor um equilíbrio mínimo, ainda que pela magia da música, naquilo que a tragédia suscitada pela opção política de los Hermanos deixará marcas indeléveis em seu auspicioso futuro.
A vitória da extrema direita argentina, em eleições livres, tem na peça musical de Piazzolla o seu efetivo contraponto, naquilo que faz eclodir a tragédia dentro da tragédia.
Explico: vinha e segue indo muito mal das pernas a economia dos Hermanos, por uma série de motivos e, nesse desenho, aparece um anticandidato (milei) pregando o fim da política.
A proposta (uma espécie de pós tudo) do extremista de direito encerra o ciclo das tratativas e dos arranjos, estabelecendo o caos, a fúria, numa pós-verdade de uma época que não terminou.
Não por acaso milei fez uso de uma serra elétrica em sua campanha, propagandeando (de forma violenta) a ruptura civilizatória cara à extrema direita, repristinando tanto o muro que apartaria os americanos do norte do México quanto a fala separatista imbecilizante de que o Sul é o meu país, muito falada em terras brasileiras.
Dentre as pautas defendias por milei, duas são dignas de emoldurar e colar na parede da história: Encerramento de relações comerciais com a China (até então o maior parceiro econômico da Argentina) e fixação do dólar estadunidense enquanto moeda oficial da terra do rio da Prata.
Em sua fala contra a China milei sustentou a monumental tolice de que não haveria civilidade em se relacionar com os orientais, naquilo que estes seriam uma subespécie – ou coisa do gênero. A justificar sua maneira de pensar, milei o fez centrado no fantasma redivivo da direita – o espectro do comunista ceifador de liberdades…
Difícil olhar para a China e desconhecer (como faz milei) sua importância única para o fomento de relações comerciais mundiais, em ordem a estabelecer sua condição de player primevo da geografia política de nossos dias.
Não satisfeito em tecer uma avaliação esquálida da China, milei se curva ao interesse estadunidense, servindo de capacho à tio san, naquilo que vomita a extinção do peso, em favor da fixação do dólar enquanto moeda oficial portenha.
A altivez do povo argentino não merecia a caricatura de um presidente que se põe a lamber bota estadunidense e, nesse lamber, toma a China por não civilizada. Não creio, todavia, que ele vá cumprir qualquer dessas promessas de campanha. Ainda que de triste figura, há método em sua fala (ruptura política) e esse método traduz o plano fascista que o neoliberalismo equaciona.
Deveras, o fascismo não é senão um espaço de manobra do capital, convocado cada vez que o capitalismo enfrenta uma crise. Historicamente é assim que a banda toca.
Não por acaso o discurso fascista é deletério cultural das minorias, naquilo que por sul américa se disseminou o espectro irracional do pobre de direita que, via de regra, é um sujeito ignorante (do próprio destino), preconceituoso, ligado a uma igreja (em sua maioria evangélica neopentecostal) onde se deixa doutrinar enquanto personagem homofóbico, machista e racista estrutural.
Deveras, quem desenha a tragédia do pobre da américa do sul é a pauta da extrema de direita, ao estabelecer condições de mantença do modelo explorativo da força de trabalho alheia, ao tempo em que vende a mentira enquanto pauta metodológica que estabelece narrativas de interesse.
Antes que me alvejem com as pedras dos ignaros, vejam que para tudo nesse mundo há exceção.
Conheço e partilho do convívio de vários empresários que não pactuam essa miséria moral – o que não lhes confere, automaticamente, qualquer medalha de cidadania, naquilo que a exploração segue sendo a essência de mais valia que impregna a relação do homem com o capital.
Noves fora os caminhos do capital, peço licença (amigo Ariel) para chorar por ‘nossa’ Argentina, no que a eleição de milei torna muito difícil compreender a essência portenha, haja vista o ódio que contaminou o caminho dos descamisados.
Tanto quanto os luxos então reconhecidos já não se justificam no ‘jogo burguês’, naquilo que se revelam, antes e ao contrário, verdadeiro desvio pequeno burguês.
Não há, ademais, qualquer cerimonial que sustente um jogo onde o maior parceiro comercial é escanteado e a moeda nacional (parte do orgulho pátrio) sujeitada ao esquecimento em favor do dólar estadunidense – lambe botas javier, lambe…
Não há como não chorar pela Argentina. O fantoche javier milei e seu desprezo pela política estabelecem um novo lugar de fala, onde a verdade não é sequer considerada e a mentira se espraia feito prima dona da aventura da extrema direita pela américa do sul.
Tenhamos todos, com a eleição de milei, noção ainda mais clara do tamanho da vitória de Lula por aqui e, sem falso puder, choremos todos pelos Hermanos que elegeram o próprio esgoto, à espera do rato derradeiro.
Tristes trópicos.
Saudade Pai!
João dos Santos Gomes Filho para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.