Durante a pandemia de covid, com toda a politização que houve sobre como enfrentar aquela tragédia sanitária, ao seu final e na falta de mais argumentos por parte de uma parcela da sociedade liderada por políticos que não queriam reconhecer seu equívoco na forma de enfrentamento da doença, passou-se ao combate do uso da vacina que era oferecida como forma de derrotar (como de fato derrotou) a doença e proteger as pessoas.
Tal comportamento deu vazão a outro tipo de questionamento que vinha subterrâneo, importado principalmente do Estados Unidos, que desconsidera o valor científico das vacinas em geral e prega abertamente a resistência ao seu uso. Trata-se de um movimento internacional, conhecido como “Antivax”, que combate ativamente todas as formas de vacinação, principalmente àquelas de desenvolvimento mais recente.
Com o Brasil extremamente polarizado política e ideologicamente, ser contra ou a favor das vacinas foi contaminado por esta pauta política e intensamente repercutido na sociedade, levando a resultados, na minha opinião, nefastos à saúde da população.
Assim, o Brasil que sempre foi um dos maiores exemplos de Política Nacional de Vacinação para o mundo todo, citado por diversos organismos internacionais, começou nos últimos anos, ter dificuldade de atingir sua metas vacinais, com repercussões objetivas como o recrudescimento do sarampo e até mesmo sinais de recirculação de vírus de doenças já afastadas de nosso meio.
E, pior ainda. Mesmo com resultados concretos, como o fim da pandemia assim que se vacinou um percentual suficiente para diminuir a circulação do vírus da covid e suas variantes, continua o combate sistemático a esta vacina, envolvendo inclusive profissionais da saúde (que, ainda que bons clinicamente, não são cientistas e desconhecem os parâmetros para uma comprovação científica de tal conduta sanitária), causando enorme confusão na cabeça dos cidadãos comuns e, em muitos casos, afastando-os das vacinações. Observe-se que ainda temos pessoas morrendo por covid, sendo a maciça maioria delas de não vacinados ou com vacinação incompleta.
Toda esta confusão espalha-se para as demais vacinas do calendário normal e atinge novas vacinas, como está acontecendo com a vacina anti-dengue.
Depois de mais de um século de enfrentamento da dengue e de se sonhar com uma vacina como única forma de evitar que mais pessoas morram por causa desta patologia, finalmente um laboratório japonês conseguiu desenvolver uma vacina comprovada cientificamente como eficaz contra a doença.
E o que está acontecendo? As pessoas não estão indo se vacinar. As vacinas compradas pelo Ministério da Saúde, ainda que poucas e insuficientes para atender a população, estão sobrando nas prateleiras das unidades de saúde. Infelizmente, pessoas que poderiam ter se vacinado, se não o fizerem, poderão vir a morrer por causa da doença ainda neste período…
Os anti-vacinas, que espalham toda e qualquer notícia negando-as, deveriam pensar em quantos seres humanos não estariam hoje com algum tipo de deficiência física por conta da poliomielite se não houvesse lá traz a adesão inquestionável de todos os pais e mães para vacinar suas crianças, hoje adultos. Se lá o combate à vacina tivesse a força de confundir as pessoas como têm hoje, provavelmente veríamos uma realidade diferente nas ruas de hoje. Quem foi criança naquela época lembra de como era comum coleguinhas com uso de muletas, botas especiais, suporte mecânico de cotos de pernas e etc. nas ruas ou nas escolas. Realidade que só terminou a partir da vacina…
Vacina é ciência. E a ciência é a base do cuidado à saúde das pessoas.
Gilberto Martin, médico sanitarista.