O evento integra agenda nacional e visa trazer mais pessoas para discutir a qualidade dos serviços públicos de saúde bem como reivindicar melhorias
No próximo sábado (23 de julho), Londrina sediará a Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde 2022. Flora Passini, médica de família e comunidade na Unidade Básica de Saúde (UBS) João Paes, localizada na zona norte de Londrina, pontua que a finalidade do evento é mobilizar mais pessoas para a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), pensando em propostas que visem aperfeiçoar o acesso e atendimento de toda população aos serviços ofertados. A ideia é garantir que os atuais tratamentos sejam melhorados e propor rumos para novas políticas públicas de saúde.
Considerado o maior sistema público de saúde do mundo, o SUS completou 31 anos em 2021. Garantido no artigo 196 da Constituição Federal, a iniciativa atende mais de 190 milhões de pessoas, sendo que 80% delas dependem, exclusivamente, dos serviços públicos para qualquer atendimento de saúde, segundo levantamento do Ministério da Saúde.
O público-alvo do evento são usuários, trabalhadores do sistema público de saúde, gestores e demais interessados em discutir propostas para o sistema público de saúde. De acordo com Passini não é necessário se inscrever previamente e não há taxa de participação. O encontro acontece no Colégio Estadual Vicente Rijo, no centro da cidade, a partir das 13h30.
A organização do evento é coletiva, parte de grupos como Médicos e Médicas Populares, Rede Feminista de Saúde, Sindicato dos Bancários, entre outras entidades. Também conta com a participação de gestores, jornalistas, trabalhadores da saúde e demais membros da sociedade civil. Responsáveis pela conversa, reforçam a necessidade de que os participantes cumpram as medidas de enfrentamento ao novo coronavírus, utilizando máscaras, levando álcool gel e, se possível, um copo ou garrafinha de água para uso individual.
Marselle de Carvalho, farmacêutica e docente no departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina (UEL) conta que as conferências livres, democráticas e populares integram uma agenda nacional proposta por coletivos como o Frente pela Vida, criado no início da pandemia de Covid-19, por diversas entidades – a exemplo do Conselho Nacional de Saúde, Sociedade Brasileira de Bioética, entre outros grupos – a articulação tem como objetivo reivindicar mais investimentos e levantar propostas para o SUS.
“A expectativa é que a gente possa fazer grupos de debate e depois construir uma plenária final, discutindo propostas, que serão encaminhadas para a etapa estadual no dia 30 de julho e depois na nacional, que será em São Paulo, no dia 05 de agosto”, complementa Passini.
Segundo a médica, hoje a saúde pública em Londrina possui alguns “nós críticos”, a exemplo a saúde da criança. No mês de junho, o pronto-socorro do Hospital Infantil fechou 29 vezes devido a falta de pediatras. A saúde mental também é outro campo que precisa de intervenção, de acordo com a profissional. “A gente tem o exemplo do CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] que sofre com o desmonte severo e ainda com a previsão de vários cortes de funcionários e sem expectativa de reposição, sendo que o Brasil é um dos países em que o suicídio mais cresce”.
A médica evidencia também a necessidade de pensar não apenas o acesso aos serviços de saúde de maneira universal, sobretudo, aos grupos mais subalternizados, mas também o atendimento, ou seja, as condições que são garantidas a toda população, visto que a igualdade também é um dos princípios do sistema público de saúde.
“Londrina tem hoje mais de 60 ocupações urbanas, uma população em situação de rua que só cresce e como essas pessoas estão tendo oportunidade de chegar e ser atendidas? Muitas vezes, elas sofrem com preconceitos. E isso não ocorre só em Londrina, tem raízes profundas no racismo, machismo, LGBTfobia que são próprios desse sistema capitalista”, avalia.
Pandemia de Covid-19 e a importância do SUS
Passini lembra que, com a crise sanitária mundial causada pelo novo coronavírus, o SUS foi responsável por salvar muitas vidas seja no atendimento durante o auge da pandemia ou possibilitando a vacinação em massa.
“A pandemia foi mais um fenômeno que evidenciou o genocídio que está em curso da população brasileira e que muitas vezes é proporcionado pelos governos. Evidenciou problemas enfrentados pelas famílias e o desemprego, o desenvolvimento das crianças, violência doméstica, violência urbana e tantos outros problemas que vem desse sistema em que muitos têm quase nada e poucos têm quase tudo, principalmente, as populações negra, indígena, LGBT, mulheres. Então é importante a gente discutir qual modelo de saúde nós queremos”, reforça.
Ela destaca também a importância dos trabalhadores da área que ficaram extremamente expostos e sobrecarregados. É importante pontuar que, embora a pandemia tenha escancarado como as desigualdades sociais afetam o direito à saúde e a precarização das relações de trabalho no setor, tais opressões são anteriores, visto os crescentes cortes orçamentários que a Pasta tem sofrido, potencializados com a PEC 55, responsável por limitar os gastos públicos em campos como saúde e educação, promulgada em 2016, sob o governo de Michel Temer (MDB).
“Já estamos com contingente enorme que não tem vínculo empregatício estável, muitas vezes se assemelha aos entregadores, trabalhadores de aplicativo, uma relação que beira a informal. Muitas vezes, são contratos com empresas terceirizadas, ganhando por hora. Então, a pessoa não tem direito a atestado, férias, décimo terceiro e sem contar que a conta não fecha mais, salários muitos baixos, principalmente, em cargos como técnicos de enfermagem, agentes comunitários, pessoal da limpeza”.
Marselle de Carvalho também destaca o papel do SUS no combate à pandemia. “Se não fosse o sistema único de saúde, mesmo com as dificuldades existentes, a tragédia seria maior, provavelmente, de três a cinco vezes o tamanho do que foi. Mesmo com o sistema único de saúde, o Brasil ultrapassou 600 mil vidas perdidas, o que demonstra, por um lado, a importância do sistema, a necessidade da gente debater e ampliar, qualificar ainda mais este sistema, não abandoná-lo ou entregar para a iniciativa privada, e por outro lado, indica a força, potência e, portanto, a capacidade desse sistema de se reinventar e superar todas as dificuldades, analisa.
Contudo, para a docente, um dos principais desafios é assegurar o financiamento constante e proporcional a capilaridade dos serviços. “O sistema único de saúde tem sofrido historicamente um processo subfinanciamento e recentemente o desfinanciamento desse sistema, e o peso recai sobre os municípios, os deixando sobrecarregados. Os municípios acabam injetando mais recursos, sendo que ele é o ente da federação que recebe menos tributos, tem menos dinheiro em caixa. Saúde é democracia, alerta Carvalho.