Sindicato Nacional dos Aeronautas cobra reformulação de norma regulamentadora que permite ‘um máximo de jornada com um mínimo de descanso’. Fadiga excessiva é risco a saúde e a segurança, alerta sindicalista
Vigente desde 2019, o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC)117 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) vem sendo contestado pelos trabalhadores e trabalhadoras do setor, representados pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA). A norma versa sobre jornadas de trabalho e obriga pilotos e tripulação de voos a se submeterem a jornadas exaustivas que colocam em risco não somente a saúde dos trabalhadores, mas também a segurança da viagem e, consequentemente, dos passageiros.
O RBAC 117 determina que esses trabalhadores cumpram até 14 horas diárias de trabalho com 12 horas de descanso entre as escalas. Ouvido pelo Portal da CUT, o Secretário-Geral do SNA, Clauver Castilho, detalhou a realidade de fadiga desses trabalhadores e os prejuízos causados pelas regras impostas pela Anac que são adotadas pelas empresas aéreas.
“Para termos uma ideia há escalas em que o piloto tem que se apresentar para o voo partindo de Guarulhos [SP], às 8h da manhã. Ele mora em São Paulo, tem que acordar às 5h da manhã para poder chegar lá e, pode terminar sua jornada às 20h, por exemplo, em Recife [PE]. Então, ele vai para o hotel, chega no local às 21h, faz check-in, acaba entrando no quarto às 21h30, e vai ter de se apresentar novamente às 8h da manhã. Isso é menos do que 12 horas de descanso. É insuficiente”, diz Clauver.
Cada dia um horário
Para além do intervalo insuficiente, há outro agravante: os horários são flexíveis. Por não ser fixa, muitas vezes, a inconstância de horários acaba prejudicando ainda mais a saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras que sofrem um desgaste físico excessivo e, por falta de descanso adequado acabam sendo acometidos de estresse, esgotamento, ansiedade e outras patologias psíquicas. “Há ainda o adoecimento mental”, pontua o dirigente.
Risco à segurança
Mas os riscos são ainda maiores. Clauver Castilho alerta para os relacionados de acidentes aéreos por causa das condições de trabalho de pilotos.
“Estamos alertando à sociedade civil. Fizemos um abaixo assinado pedindo a revogação ou uma alteração do RBAC 117. Já temos mais de 40 mil assinaturas”, diz Clauver, pontuando que não se trata apenas de uma questão trabalhista, mas de segurança de voo.
“Temos exemplos na história da aviação de acidentes causados pela fadiga. O problema vai além da pauta trabalhista. Envolve segurança, soberania, a vida dos usuários e dos trabalhadores”, afirma o Secretário-Geral do SNA.
Pesquisa do sindicato realizada com mais de três mil tripulantes mostrou que mais de 90% dos comissários e pilotos disseram que dormiram em voo.
Ouça a entrevista com Clauver Castilho, gravada no estúdio da CUT
Modelo ‘americano’
A norma que versa sobre a jornada de trabalho foi elaborada pela ANAC com base em uma ‘tabela’ de horários da Federal Aviation Administration (Administração Federal da Aviação – FAA na sigla em inglês), dos Estados Unidos.
“Porém, lá a visão é ´baseada em segurança. Eles entendem que 13 horas ou 14 horas de jornada não oferecem risco, mas o que prevalece são os acordos e convenções coletivas feitos com sindicatos que regram tempos maiores de descanso. Já no Brasil, as empresas entendem que se a Anac prevê uma jornada que extrapola 12 horas, ela pode aplicar”, explica o dirigente.
Luta do sindicato
A reivindicação do sindicato é para que a regra seja alterada de forma a beneficiar os trabalhadores. Na última sexta-feira (28/6) já foi realizada uma audiência com a Anac cobrando tais medidas. Também foi realizado um protesto de pilotos e comissários no aeroporto de Brasília.
Para esta quarta-feira (3), está marcada uma audiência pública na Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados, convocada pelo deputado federal Alfredinho (PT-SP) para discutir o tema, apresentar as reivindicações e cobrar medidas efetivas.
“Nosso pleito é que se modifique o RBAC; que a norma tenha um gerenciamento de fadiga efetivo, o que envolve pontos como trabalho na madrugada, no período noturno, modificações de escala e o mais importante, a não utilização do sistema de parametrização ao máximo das escalas, ou seja a jornada máxima com o mínimo de descanso”, diz Clauver.
Para tanto, ele reforça, é preciso haver um controle de um departamento de gerenciamento para que as escalas sejam mais produtivas. “Aeronautas querem ter produtividade. O salário deles é sobre a produtividade. Mas querem um equilíbrio com o descanso”, finaliza o dirigente.
O RBAC 117
A jornada atual prevista no RBAC 117 pode chegar até a 14 horas, mas com mitigação de fadiga. No entanto, há uma revisão na norma em andamento que aumenta a jornada para 14 horas, sem um olhar aprofundado e cuidados para os intervalos de descanso. Prevê ainda jornada mensal com 100 horas de voo.
Em ofício enviado à Anac, o SNA alerta que “do ponto de vista da segurança de voo, a revisão do RBAC 117 não leva em conta as recomendações internacionais e científicas, tampouco os dados empíricos que revelam os perigosos níveis de fadiga atingidos após a sua primeira publicação em 2019”.
‘A Anac não está verificando o risco de segurança de voo. As aéreas usam o máximo de jornada com o mínimo de descanso”, diz Clauver Castilho.
“Estamos tentando fazer a Anac entender que é preciso aumentar o tempo de descanso para, no mínimo, 12 horas, excluindo o tempo de deslocamento do aeroporto até a acomodação nos hotéis onde os trabalhadores ficam hospedados”, Clauver Castilh.
A atuação do SNA em relação ao RBAC 117 começou em 2016, antes mesmo de sua implementação, com a ANAC convidando o sindicato para discutir a proposta de regulamento para o gerenciamento do risco de fadiga humana.
No entanto, a pandemia de Covid-19 em 2020 quase paralisou completamente a aviação mundial e ao reduzir drasticamente os voos, fez com que a percepção de fadiga, causada pela aplicação da norma, não fosse sentida pelos profissionais da área.
Com uma redução de quase 94% das operações das empresas aéreas, muitas delas se mantiveram voando apenas entre as capitais, fazendo apenas os chamados “bate-voltas”, saindo e voltando diretamente para suas bases operacionais.
Muitos profissionais da área conseguiram se manter empregados através dos mais de 60 Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) negociados pelo sindicato para redução de jornada e salários, tendo como contrapartida a estabilidade de emprego.
Outros tiveram seus contratos restringidos e vêm sendo recontratados ao longo dos últimos anos de recuperação desse mercado que está em amplo crescimento, não somente relacionado aos patamares prévios à pandemia.
Por essas razões, somente a partir dos anos de 2022 e 2023 foi possível perceber os elevados níveis de fadiga após a implementação do RBAC 117.
Fonte: CUT Brasil