Direção acusa “manipulação” dos moradores por parte da APP-Sindicato. Empresas interessadas em assumir a gestão das escolas já pedem valores adicionais
Na quinta-feira (24), representantes da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná), lideranças de movimentos sociais e moradores da região, visitaram o Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira, no Conjunto Luís de Sá, zona Norte de Londrina.
O intuito foi acompanhar reunião convocada pela SEED (Secretaria Estadual de Educação) para apresentar o programa “Parceiro da Escola” à comunidade escolar. No entanto, tanto os docentes como os moradores foram impedidos de entrar.
De acordo com Maria Giselda Fonseca, assistente social, coordenadora do Centro de Direitos Humanos de Londrina, o grupo chegou à escola por volta das 7h, mas alguns professores já esperavam no portão, proibindo que ingressassem. Segundo ela, a justificativa foi que o encontro seria destinado apenas para os pais.
“Disseram que seria mais uma acolhida, como realizam todos os dias e não teria nenhum motivo para participarmos da reunião. Cheguei a argumentar com as pessoas que estavam proibindo a nossa entrada de que se fosse mesmo uma acolhida de pais e alunos, e se não entrasse a privatização da escola em discussão, seria muito importante, porém, se a reunião acontecesse e o assunto da privatização entrasse em pauta, estariam faltando com a verdade e nós enquanto comunidade interessada em não privatizar a escola fomos impedidos de entrar”, relata.
A liderança compartilha que tem vinculação com o Colégio Ubedulha desde 1980, quando presidia a Associação de Moradores do Bairro Aquiles Stenghel, e integrou a luta, juntamente com representantes de outros bairros que compõe o Conjunto Habitacional Cinco Conjuntos, para a instalação de escolas que ofertassem ensino médio na região.
Ainda, segundo Maria Giselda, desde que o programa “Parceiro da Escola” foi anunciado pelo governador Ratinho Júnior (PSD) em junho, as lideranças de bairro e dos coletivos têm promovido reuniões para traçar estratégias a fim de dialogar com a população sobre os impactos da medida que pretende repassar a gestão de pelo menos 204 escolas públicas para a iniciativa privada.
Regido pela Lei nº 22.006, o programa proposto pelo poder Executivo autoriza que a gestão, inclusive financeira, de escolas estaduais seja repassada para a iniciativa privada. Isto quer dizer que serviços como merenda, segurança, limpeza deixarão de ser responsabilidade do estado e passarão a ser competência de empresas particulares.
Conforme Decreto 7.235/24, publicado em setembro pela SEED, a implementação do programa “Parceiro da Escola” nas instituições de ensino da rede estadual está condicionada ao desenvolvimento de “reuniões com a comunidade escolar e a divulgação da consulta pública em todas as instituições”.
Além disso, com base na normativa, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente.
“É muito triste porque eles mesmo fazem norma colocando que a reunião seria para a comunidade, alunos, pais, professores, funcionários, mas proíbem a comunidade de entrar. Nós não éramos pessoas estranhas no Colégio, vivemos aquele espaço e queremos o melhor para a escola”, desabafa.
Maria Giselda também questiona declarações como a emitida pela chefe do Núcleo Regional de Educação de Londrina, Jessica Pieri, de que “governador Ratinho é democrático e irá respeitar o sim ou não” durante a consulta pública (saiba mais aqui).
“Quando se fala em governo transparente, democrático, se prova mais uma vez que esse governo não está defendendo o que ele mesmo coloca em decreto. Proibindo as pessoas de participarem de uma reunião tão importante, decisiva para vida das crianças e jovens. Ficamos fora das discussões sem motivo”, ela complementa.
A tia de uma estudante, que prefere não se identificar, compareceu à escola para acompanhar a reunião a pedido de sua irmã. A mãe da aluna não pode ir devido ao trabalho. Mesmo assim, a mulher que também é professora aposentada na rede municipal de ensino, foi proibida de entrar.
“Entramos em quatro pessoas da comunidade para participar da reunião, mas fomos barradas porque nos disseram que seria só para os pais de alunos. Argumentei que era tia de uma aluna e que estava representando a mãe, minha irmã, que não pode comparecer por conta do seu trabalho, mesmo assim não me deixaram participar, insistiram que era só para os pais”, indica.
Sindicato é acusado de manipulação
Maria Giselda também aponta que mesmo ex-funcionários da escola tiveram a entrada bloqueada. Além disso, alegaram que as lideranças dos coletivos e moradores estariam “manipulados pela APP-Sindicato”.
“Ficamos das 7h às 8h30, portão fechado na nossa cara. Não tiveram diálogo, transparência. Se não tem o que esconder da gente deveriam abrir a porta da escola. Uma funcionária da escola, que trabalhou por lá 25 anos, também foi proibida de entrar”, sinaliza.
A suposta “manipulação do Sindicato” também foi argumentada para a tia da estudante a fim de proibir sua presença na reunião. Segundo ela, representantes da direção escolar disseram que se houvesse dúvidas “era para perguntar para o Sindicato”.
“A porta da sala onde iria ocorrer a reunião foi fechada, para que os pais não observassem o que estava ocorrendo, e disseram para eu pedir uma reunião com o Sindicato para esclarecimentos, ao que respondi, de prontidão, que não subestimassem minha capacidade de discernimento dos fatos, que eu era da comunidade, contra a privatização sim, mas não tinha nenhuma relação com o Sindicato”, adverte.
Como demonstrado pelo Portal Verdade, o coletivo tem enfrentado resistência na visita às escolas. O grupo aponta dificuldades na interlocução com docentes, funcionários, alunos e pais, evidenciando o cerceamento à atividade sindical e gestão democrática da educação, princípios garantidos pela Constituição Federal de 1988.
“Gostaria de relatar que acho esse tipo de atitude dentro do espaço de uma escola abominável. A escola deve primar pela acolhida de todos e todas da comunidade e pela formação de seus alunos como cidadãos conscientes para que possam atuar de forma responsável justa, ética e democrática dentro e fora da escola, o que pressupõe que a escola deve dar o exemplo. Isso que aconteceu só me mostrou como a direção e a coordenação da escola estão agindo de forma opressora e antidemocrática, querendo impor, aos pais, um projeto vindo do governo estadual, sem permitir questionamentos por parte da comunidade e tolhendo a divergência de ideias”, avalia a tia da estudante.
Esta é a quarta visita que o grupo realizada às escolas selecionadas para implementação do programa. No Colégio Estadual Jardim San Rafael, localizado em Ibiporã, região metropolitana de Londrina, os professores foram impedidos de questionar a SEED sobre privatização das escolas (veja aqui). Já em Cambé, no Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes, a porta chegou a ser trancada para inviabilizar a presença dos docentes e da imprensa (saiba mais aqui). Em Londrina, pais foram convocados para “entrega de boletins”, mas se deparam com reunião para propagandear “Parceiro da Escola” (confira aqui).
“Sou contra o programa Parceiro da Escola, pois sabemos que o setor privado não está interessado na melhoria da educação e sim nos recursos públicos que receberá através desse programa. E, se o que lhes interessam é o lucro, claro que irão priorizar a redução de custos com salários e direitos de professores e funcionários, com merenda e tantas outras coisas que fazem parte do funcionamento da escola, precarizado-a em todos os sentidos”, acrescenta.
Maria Giselda também demonstra a contrariedade com o programa e salienta a negligência do estado. “Somos contra a privatização porque em nenhum lugar deu certo e nunca vai dar, só se visa lucro. Em educação, saúde, são áreas que não pode haver privatização. O que é do estado é do estado e o estado tem que arcar com a responsabilidade”, adverte.
Empresas já pedem valores adicionais
Conforme apontado pela APP-Sindicato, durante audiência pública realizada pelo Setor de Licitação da Secretaria de Estado da Educação, no último dia 23 de setembro, gestores de empresas que demonstraram interesse em assumir a administração das escolas estaduais, solicitaram a revisão dos valores.
As organizações querem também a previsão de pagamentos extras para cobrir supostas despesas que não estariam incluídas no cálculo de R$ 800 por aluno. Caso isso não aconteça, afirmam que “poderão ter prejuízo e que o programa não vai funcionar”.
Ainda, discordaram de resolução que estabelece que parte da remuneração das empresas deve estar atrelada ao resultado pedagógico dos estudantes.
Em Londrina, cinco escolas foram selecionadas para consulta pública que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Professora Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Estadual Doutor Willie Davids e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira. Em Ibiporã, passará pelo processo, o Colégio Estadual Jardim San Rafael, e em Cambé, o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes.
A redação solicitou à Secretaria Estadual de Educação o posicionamento da pasta sobre a proibição de professores e lideranças sindicais acompanharem as reuniões e se manifestarem, mas até o momento, não obteve retorno.
Deputado aciona Tribunal de Contas do Paraná
O deputado Professor Lemos (PT) protocolou nesta sexta-feira (1) uma medida cautelar no TCE-PR (Tribunal de Contas do Paraná) pedindo a suspensão imediata do Programa “Parceiro da Escola”. Segundo o parlamentar, o projeto ameaça a transparência e a qualidade da educação no estado, caracterizando um movimento de privatização da educação pública.
O deputado também ressaltou que a implementação do programa ocorreu sem consulta à comunidade escolar e sem um estudo técnico prévio.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.