É um sentimento que emerge quando terceira pessoa age de forma tal que envergonha quem desta ação tem ciência, pelo só fato da projeção imaginativa do constrangimento protagonizado. É uma experiência empática que revela mais sobre quem sente (a tal vergonha alheia) do que sobre o protagonista.
Imagine alguém flagrado por câmera de segurança furtando gravata. Essa imagem cai na rede e viraliza. Não sou insensível a ponto de desconhecer o ridículo cinzento do flagrado, naquilo que aflora em mim a empatia pela exposição do constrangimento. A cena causa vergonha alheia – ainda que o furto seja modalidade ilícita, me coloco no lugar do infeliz por suas escolhas infelizes.
No Brasil de nossos dias a vergonha alheia está em observar a marcha da história em polo de convívio com a tentativa político-midiática de relativizar o que passou em 08 de janeiro de 2023, na explanada dos ministérios em Brasília.
Esse passa pano safado (antidemocrático e prostituído no e pelo interesse da elite econômica tupiniquim) tem verberado (em mim) tal qual a ‘ponta de um torturante band-aid no calcanhar’ – com a licença poética de Aldyr e João.
No ponto e à propósito, recordo ocasião recente onde um colega advogado questionou uma suposta inidoneidade de meio (invasão do Supremo e das Casas Legislativas, regada a saque e depredação) naquilo que, conforme o doutor, sem adesão de militares e veículos pesados (tanques) nas ruas, não se caracterizaria uma tentativa de golpe de estado.
Longe vá temor servil…
Teses jurídicas são teses e, em um estado democrático de direito, nada mais legítimo que seu desafio. Noves fora, não há margem (racional) para atropelar a democracia em eufemismos que diluam a responsabilidade da extrema direita e de seus mastins celerados, no pano que se passa sobre o excremento golpista. Há que pelear a higidez do contrato social nos termos da carta política. Qualquer fala dissonante é desviante do ideário do sistema de justiça.
Com todas as tintas: é preciso golpear e enterrar o fascismo!
Me envergonha e enfurece, todavia, esse eufemismo com a ditadura e suas lembranças dolorosas – mortes, torturas, sequestros, ludibrio da justiça, mentira, ato institucional número 5, estupros e tantas tragédias mais – quem apologiza a ditadura é ignorante ou despossuído de humanidade?
Nessa medida me diminui, enquanto cidadão, ouvir um então deputado federal enaltecer brilhante ustra (notório torturador) em pleno congresso nacional, ao votar o impedimento de uma presidenta da república que foi martirizada pelo próprio (ustra). Esse deputado ter, na sequência, vencido um pleito eleitoral à presidência da república, me envergonha mais que qualquer outra circunstância imaginável – afinal a eleição diz mais sobre quem vota do que sobre quem é votado…
A toda evidência são tantas as circunstâncias que emolduram nosso momento de imbecilização que aguardo a fotografia definitiva dos que abraçam o esgoto da história (fascismo). A imagem (retinta) me envergonhará. Entrementes, sigo firme e de mãos dadas com meu arquétipo humano, naquilo que dorme em mim uma visão (de mundo) empática e fraterna – herança de Pai e Mãe.
Outro tanto, a distopia egoística e não empática que nos invadiu com a reiteração dos discursos de ódio, tirou o demônio para dançar e promete seguir mitigando o que é bom e puro nessa vida, deixando um cheiro de podre em seu caminho de desilusão.
Então, ao marchar sobre conquistas civilizatórias alcançadas com o sangue derramado, o fascismo busca reescrever a história, mentindo acontecimentos pretéritos e maldizendo o bom da vida.
É o que se vê quando uma figura pública (‘jojô todinho’) se anuncia simpática a extrema direita. Como pode uma mulher negra, pobre (ainda que originariamente), estigmatizada pelo corpo, fincar suas preferencias na quinta coluna da vida em pleno século XXI? Aprendeu nada com a vida ela?
Bem sei que pluralidade começa na tutela dos imbecis, mas não há como tutelar o proto-imbecil, que é aquele tipo raro que se olha no espelho e não vê o próprio reflexo, mas sim a imagem que perseguia em seus dias de vazio, solidão e absoluta ignorância.
Estamos vivenciando uma época onde o fato histórico está sub-rogado as narrativas caras aos interesses das elites econômicas, em ordem tal e sob circunstâncias tais que, se a terra precisar ser plana em dado momento e em atenção a um qualquer interesse subjacente, haverá sicofanta a anuncia-la plana, da mesma forma que haverá minoria a ofertar a própria condição enquanto bucha de canhão.
Nessa medida ‘jojo todinho’ não anda só. É uma dentre tantas (regina duarte, djavan, zezé de camargo, cássia kiss…) que sucumbiram à própria ignorância, se deixando levar pela necessidade de pertencer, sem cuidar que a pertença se dá à sombra do anjo caído.
Não por acaso nosso momento histórico é despido de caráter e decência, o que explica figuras teratológicas feito olavo, aquele que se auto concedeu a condição filosófica (da qual precisava) para justificar a fé de seus seguidores.
O que passa com o mundo? Cansamos de racionalizar e passamos a mentir em favor das narrativas de interesse? É esse o nosso momento, onde a brutalidade explorativa supera o bom da vida?
Hoje, a procura de sentido na construção do pensamento está desligada (momentaneamente) da realidade e essa distopia anuncia a circunstancial derrocada da razão. Vivemos a era do ter em detrimento da condição histórica do ser.
A celebração do medo golpeia o pensamento racional, aprisionado em um projeto de poder cuja digital desenha o neofascismo nas américas, por todos os amálgamas possíveis, ungindo beócios feito aquele que acaba de ser eleito presidente dos pilgrins.
A unicidade de pensamento em desfavor da pluralidade da vida segue sendo mola mestra do fascismo, ainda que (por aqui) se visualizem diferenças estruturais com o fascismo europeu do início do século XX.
Enquanto o fascismo clássico é de vies antiliberal, sua atual formação é ultraliberal – bem mantidas suas outras características, naquilo que segue sendo chauvinista, antidemocrático, antissocialista e anti-operário.
Outro tanto, qual fator de mutação assina a discrepancia de um modelo estatizante para um exorto ultra liberal? Herança pilgrin ou espaço de manobra da crise no seio do capital? Ambos?
Seja qual for a justificativa ela está atrelada a interesse de mercado, fincada na trilha explorativa de mais valia e seus meandros (cada vez mais tensos), conforme se vê na colisão do ideário da faria lima com o projeto de um país mais inclusivo e menos injusto, que venceu a disputa eleitoral de 2022.
Vencer eleição no Brasil do flagelo ‘aeciano’ em diante parece ser o menos difícil. Complexo por aqui tem sido fintar a tutela da imprensa familiar tupiniquim (frias + marinho + mesquita + civita) ao interesse do grande capital. O alinhamento comercial já não se limita a criação de narrativas.
Em latino américa estamos reescrevendo a história em atenção ao interesse do grande capital. Qual prostituta de luxo os jornalões vendem a própria consciência, entregando sangue e tragédia à poder de mentiras e preconceitos que atrasam a marcha desenvolvimentista da história, capturando corações e mentes frágeis no caminho da maledicência.
Assim é que as subtrações de hipóteses de crescimento social encaminham, goela abaixo, o ideário covarde das elites econômicas – ‘phoda-se’ o país, salve o livre mercado.
Nessa toada o esgotamento factual das possibilidades de exploração dos recursos naturais do planeta, em polo de convívio com a espiral infinita de progressão das necessidades humanas, abraça a crise do capital – cada vez mais nítida e sensível nos contornos de significação da mazela explorativa das gentes.
Não sei ao certo onde tamanha arrogância cognitiva nos levará. Sei que o mundo mudou, nas últimas duas décadas, mais que nos últimos cinquenta anos – e olha que da metade do século XX ao início do século XXI espocaram mudanças sensíveis e de notável alcance em nosso modo de vida – o homem pisou a lua e voltou à terra; vieram computador e telefone celular (hoje ambos estão na palma de sua mão, literalmente).
O que pega a favor da humanidade ainda é a velha roupa colorida que segue estendida, nos varais da história, denunciando a exploração irracional do planeta e das gentes desfavorecidas economicamente.
Daí eclodiram as redes sociais e o que sempre foi nossa melhor qualidade (relacionamento) trocou de signo e se fez digital, dando à luz dias medíocres em quase toda valença de viver, emoldurando o quadro das relações virtuais a ponto tal que uma mulher artificial (Alexia) faz acontecer e toca Raul em qualquer sistema de som, ao alcance de um comando de voz…
Não Paulo. Distraídos não venceremos – até porque a magia é fugitiva de nossa agonia existencial, enquanto o ‘Kawa Caium’ segue sendo um sonho que você desenhou e o século XXI esmagou…
A humanidade está, sim, dois whiskys atrasada (Hollywood baby). Talvez isso justifique o consumo crescente do multiverso em polo de conflito com o declínio das relações de verdade, consoante se vê no culto crescente dos bytes que conforma o declínio sensível ao avistamento das realidades materiais.
Sobreviver (hoje) demanda mais apego que viver e essa tem sido a tônica de nossa encruzilhada existencial desde que a imortalidade do ‘ser ou não ser’ deu lugar a sazonalidade de ‘estar relevante’ – na rede.
Assim é que sigo questionando se, em nossos dias de merda e má poesia, uma estrela do passado (Lauren Bacall) seria atriz ou influencer – aliás, o que é ser influencer?
Nosso tempo já não nos pertence além do quanto já não pertencia (na conta do furto cotidiano de mais valia que o capitalismo cobra), naquilo que somos devaneios que acomodam tendências enquanto consumimos a produção das redes.
O homem do século XXI é uma mistura de commodity digital com um ‘bocado de spleen’, desaguando no seguidor de coach. Essa idiotia que acomete a humanidade vem varrendo no pó a própria estrada. É por isso que, cada vez mais, estamos e não somos.
A estação digital encaminha um selo de qualidade (de ascendência na estupidez) para quase todas as questões deduzidas na rede. Pari-passo o ideário idiotizante dos videotas registra uma tendência de negativa geral, desligando a racionalidade na negação de ciência e história.
Neste recorte de valenças (estupidez e irracionalidade) se levanta uma zona cinzenta (doutrina monroe) que alcança imigrantes ilegais estadunidenses enquanto outsiders da base de apoio ao republicano – à mingua de sua promessa de campanha mais forte perseguir o imigrante ilegal.
Aqui e agora a tragédia que ensaiamos colide com o ‘nonsense’ de nossas escolhas, naquilo que abraçamos o que nos prejudica sem darmos conta de que esse ensaio (tragicômico) não é senão a vitória algorítmica sobre a vontade liberta do homem – estamos o fantoche de nós mesmos.
Tristes trópicos, onde o mar não é senão o que se vende na areia…
Saudade Pai!
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.