Projeto de lei flexibiliza o processo de licenciamento para a implementação de empreendimentos
Os tratoraços orquestrados pelo governador Ratinho Júnior (PSD) também atingiram o meio ambiente. No início de novembro, o mandatário do Palácio do Iguaçu, enviou para ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) projeto de lei (PL) 662/2024, que visa “desburocratizar os processos de licenciamento ambiental no estado”.
A medida, que tramitou em caráter de urgência e foi aprovada em menos de um mês, em 12 de dezembro (agora Lei nº 22.252) negligencia competências interfederativas, instaurando uma gestão exclusiva do estado.
Com isso, as atuações de instâncias com vasta experiência na defesa do meio ambiente, a exemplo do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) passam a ser desconsideradas.
A iniciativa também reduz as atribuições do CEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente). Face aos retrocessos, entidades ambientalistas e deputados oposicionistas têm classificado a regulamentação como “PL da Boiada”, em referência a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Salles falou, durante uma reunião ministerial, em aproveitar a pandemia de Covid-19 para afrouxar a legislação ambiental no país.
Um dos pontos mais contestados é a autorização para supressão de mata nativa, que ficaria a cargo exclusivamente do órgão estadual.
O artigo 4º do projeto estabelece que: “os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados ambientalmente por um único ente federativo, inclusive, a supressão de vegetação nativa associada […] a supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais é autorizada pelo ente federativo licenciador”, diz o texto.
Em entrevista ao Portal Verdade, o deputado estadual Goura Nataraj (PDT), membro da bancada de oposição e atuante nas pautas ambientais, chama atenção para o desmonte da Política Nacional do Meio Ambiente no estado, o que segundo o parlamentar, cerceia o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado.
“Uma tragédia e um contrassenso. Além de ser uma alteração imoral, é também ilegal e inconstitucional, uma vez que viola princípios republicanos de participação e controle social, bem como a própria Lei 7978/84, que criou o CEMA e exige que este projeto tramite pelo Conselho”, pontua.
Ainda, o deputado alerta os impactos do projeto para o aprofundamento do racismo ambiental. Conforme demonstram diversos estudos, as consequências da emergência climática atingem, principalmente, setores mais vulneráveis da população, que tendem a ficar mais expostos.
“Com o licenciamento fragilizado, empreendimentos serão instalados com menos rigor aos critérios de proteção socioambiental, o que afetará, especialmente, as comunidades marginalizadas e próximas de áreas industriais”, adverte.
“Além disso, os riscos e danos socioambientais potencializados por esses empreendimentos, mal estudados e fiscalizados, afetarão também com mais intensidade as comunidades vulnerabilizadas, que têm menos preparação e proteção contra eventos climáticos extremos e poluentes”, ele reforça.
Recente estudo divulgado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) sinalizou que mulheres do campo, que vivem no sudoeste do Paraná, têm cerca de 60% mais probabilidade de desenvolverem câncer de mama. Entre as causas, está o uso intensivo de agrotóxicos na região. Para Goura, o projeto também poderá agravar o uso de agrotóxicos, comprometendo a qualidade de vida.
“O enfraquecimento do CEMA e do licenciamento ambiental reduzirá o rigor das análises técnicas e fiscalização sobre riscos e danos, inclusive, relacionados a agrotóxicos. Isto pode agravar ainda mais um cenário já catastrófico de contaminação do ambiente e das pessoas que predomina em várias regiões do estado”, observa.
Entidades se mobilizam
O PT (Partido dos Trabalhadores) confirmou que vai acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) contra o “PL da Boiada”. A sigla entrará com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) questionando diversos pontos da lei que flexibiliza as licenças ambientais no Paraná.
O IBAMA chegou a emitir uma nota técnica em que critica a proposta. Para o órgão, o projeto tem “fragilidades que podem colocar em risco a gestão ambiental”. Um dos pontos negativos do projeto seria a proposta de “dispensa de licenciamento” para atividades de baixo impacto.
O documento ainda classifica como prejudiciais as propostas para dispensa de licenciamento ambiental em casos de calamidade pública; a não sujeição dos licenciamentos à manifestação vinculante de conselhos consultivos; a definição para os prazos de validade e renovação serem regulamentados pelo chefe do poder Executivo; e a autorização de supressão de vegetação nativa sem análise do Código Florestal e outras legislações.
No início do mês, a Rede de Ongs da Mata Atlântica, que reúne 292 entidades de defesa do meio ambiente em 16 estados brasileiros, emitiu uma carta repudiando a proposta (acompanhe documento na íntegra abaixo).
“Desde a chegada do PL na ALEP estamos promovendo análises técnicas, reuniões com sociedade e autoridades, avaliando possíveis emendas para contornar ilegalidades e evitar retrocessos, bem como garantindo publicidade, pautando a discussão na mídia”, evidencia Goura.
O parlamentar compartilha que apresentou 17 emendas, acolhendo contribuições de diversas instituições como IBAMA, MP-PR (Ministério Público do Estado do Paraná), UFPR (Universidade Federal do Paraná), Terra de Direitos e Rede de ONGs da Mata Atlântica.
“É uma afronta ao poder Legislativo e à sociedade como um todo, visto que perdemos a oportunidade de realizar uma discussão mais abrangente e qualificada sobre os diversos e complexos assuntos que estão sendo pautados”, finaliza Goura.
Leia a nota da Rede de ONGs da Mata Atlântica
NOTA PÚBLICA
PL do Governo estadual pode acarretar em perda da biodiversidade, contribuir para potencializar desastres naturais e provocar escassez hídrica no Paraná, afetando a qualidade da vida de seus cidadãos!
O Projeto de Lei (PL) Nº 662/2024, de autoria do Poder Executivo do Estado do Paraná, não pode ser aprovado, pois se trata de uma proposta contrária aos interesses públicos!
O PL foi apresentado à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP), pelo Governador Carlos Alberto Massa (“Ratinho Jr.”), para discussão e aprovação em regime de urgência. Em sessão extraordinária realizada no dia 06 de novembro último, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALEP aprovou o PL, sem nenhuma discussão anterior nas demais comissões da ALEP, ou diálogos prévios com outros segmentos da sociedade, a exemplo das instituições de pesquisas e de ensino superior ou com coletivos e organizações da sociedade civil que atuam em busca do equilíbrio ambiental.
Nem o Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMA), órgão colegiado máximo na área ambiental do estado, foi consultado sobre este Projeto de Lei.
Entendemos que apresentar um projeto desta magnitude e ainda forçar seu andamento e votação ao impor o regime de urgência na votação na ALEP, mostra que o Poder Executivo do Paraná falha gravemente ao impedir a ampla discussão e participação de diferentes setores de nossa sociedade na discussão desta matéria.
Caso haja a flexibilização para o licenciamento ambiental de obras, indústrias e atividades diversas, como por exemplo a exploração imobiliária, poderá abrir precedentes para o aumento da degradação de ambientes naturais, amplificando o risco de impactos climáticos negativos, quer seja sobre a disponibilidade (volume hídrico) e qualidade dos mananciais de águas superficiais e subterrâneas, quer seja contribuindo para o aumento de riscos de desastres naturais.
O PL poderá causar vários danos não apenas ao patrimônio natural e cultural, mas também a nós mesmos, paranaenses. Vivemos um momento crítico nas questões ambientais! A cada dia vemos e passamos por eventos climáticos cada vez mais extremos, com chuvas torrenciais que amplificam alagamentos, deslizamentos e causam diversas perdas econômicas e riscos diversos à vida humana.
Por outro lado, também temos vivido períodos de secas intensas, situação que tem assolado várias cidades do Paraná, incluindo a região metropolitana de Curitiba. E por uma questão de segurança hídrica, precisamos com urgência aumentar e intensificar ações que garantam a proteção de mananciais de águas superficiais (rios e lagos) e subterrâneas (dos aquíferos). Mas ao apresentar o Projeto de Lei Nº 662/2024 o Poder Executivo do Paraná vai na contramão e amplifica o risco hídrico que estamos presenciando há anos.
A ocupação do território é um processo que deve ser balizado sobre os pontos de vistas socioambientais e de conservação motivado pelos eventos extremos que estamos vivenciando por conta das alterações ambientais desenfreadas, a níveis local, regional e global. Os governos municipais não estão capacitados tecnicamente suficientemente para mensurar os impactos da perda dos ecossistemas, em um processo de fiscalização mais efetivo, como também não possuem recursos suficientes para intervir em mecanismos preventivos reguladores e mitigadores.
E o estado do Paraná apresenta deficiências na fiscalização, sobretudo pela falta de recursos humanos e investimentos. Assim, se o Projeto de Lei Nº 662/2024 for aprovado irá flexibilizar o licenciamento ambiental, amplificando o risco de destruição de áreas vulneráveis ambientalmente da Mata Atlântica. Dentre outros, mas com maior sensibilidade para a população, temos o risco do Paraná ficar sem água suficiente para abastecer a sua população!
O PL em tela 4 retira atribuições de deliberação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEMA) contrariando o Decreto estadual 4447/2001 e a Lei 8.485, de 03 de junho de 1987, reduzindo sua capacidade de atuação como também afronta a Constituição Federal, a Lei Complementar federal 140/2011, e outros dispositivos da Legislação Federal no que diz respeito ao retrocesso ambiental e a cooperação entre os entes federativos.
Analisando a Constituição Federal e a legislação brasileira complementar os estado não possuem competência plena para normatizar matéria que não seja objeto de norma geral editada pela União (Artigo 24, § 3º da Constituição Federal e Artigo 11 e Artigo 13, VIII e § 2º da Constituição Estadual), bem como é competência comum e obrigação dos entes da Federação proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, preservar as florestas, a fauna e a flora, além de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização.
A Lei federal nº 6.938, de 31 de janeiro de 1981, estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), e tem como objetivo a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, bem como a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade. A PMA reforça a ilegalidade e inconstitucionalidade de ações de flexibilização do licenciamento ambiental.
Assim, a Rede das Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica (RMA), coletivo que agrega associações da sociedade civil nos 17 estados do Bioma, e demais instituições infra-assinados, defendem o interesse dos paranaenses ao propugnar pela conservação dos recursos naturais, para que a população não sofra com a falta da água.
Por isso, defendemos a integridade da Resolução CEMA Nº 107/2020, que garante mais segurança jurídica e ambiental, política pública efetiva que foi amplamente discutida pela sociedade através do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEMA). A presente resolução vigente possibilita aos órgãos ambientais estadual ter maior controle quanto a questão das licenças ambientais, principalmente ao manter a recuperação e manutenção da conservação das florestas e campos associados ao Bioma Mata Atlântica.
A Resolução CEMA Nº 107/2020 estabelece concepções claras quanto ao pacto federativo, respeitando os limites do estado do Paraná para exercer, com cautela, o poder de comando e controle dos licenciamentos ambientais. É por isso que este coletivo que assina esta Nota Pública considera que o Projeto de Lei Nº 662/2024, enviado pelo Governador Carlos Massa Junior, e atualmente em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, coloca em risco toda a segurança hídrica, a biodiversidade, a geodiversidade e o patrimônio cultural estadual, podendo gerar perdas irreversíveis aos cidadãos e cidadãs paranaenses.
Esta flexibilização do licenciamento ambiental retira o poder do estado do Paraná em criar uma agenda positiva em defesa e fiscalização do patrimônio natural e cultural. Frisa-se que o Projeto de Lei Nº 662/2024 pode afetar igualmente a economia paranaense, pois atividades de agrossilvicultura são extremamente dependentes das condições climáticas favoráveis.
A proposta está em desacordo com os princípios ambientais que é defendido pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEMA), conforme determina os termos do Art. 1º, III da lei 11352/1996 c/c DECRETO 4447/2001, art. 2º parágrafo IV.
Assim, requeremos:
– que o Projeto de Lei Nº 662/2024 passe por uma melhor apreciação, envolvendo debates com todos os atores e setores da sociedade paranaense, para que se faça as devidas recomendações ao legislativo, quanto as mudanças das diretrizes que norteiam os licenciamentos ambientais;
– que seja retirado o REGIME DE URGÊNCIA quanto ao trâmite do referido projeto de lei, pois uma imposição como esta afeta os princípios democráticos.
Atenciosamente,
Rede das Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica – RMA
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.