Não é novidade que as batalhas de rima, da cultura Hip Hop, acontecem todos os dias em Londrina, em diferentes locais, ocupando a cidade de Norte a Sul, Leste a Oeste. A Batalha da Máfia, realizada de quarta-feira, na praça em frente a Vila Cultural Alma Brasil, foi transferida para o Canto do MARL nesta semana, sede do Movimento de Artistas de Rua de Londrina – MARL. No post de divulgação[1] da atividade nas redes sociais, a chamada dizia “No meio de tanto luto e indignação, a batalha segue sendo resistência e acolhimento. Não é só rima, é espaço de voz, de encontro e de força pra quem vive a realidade de verdade”.
Diante das ocorrências recentes em Londrina, que trouxeram à tona outras tantas ocorrências semelhantes do passado, a batalha em questão serviu como forma de manifestação. Dois rappers do Oke Conecta Crew, que apresentaram suas músicas no dia, pediram atenção para o caso dos dois jovens assassinados pela polícia militar no dia 15 de fevereiro, informando que, para eles, foi como ter perdido parte da família, visto a localidade de origem dos rappers e das vítimas, na mesma área da Zona Oeste de Londrina.
Não só a referida dupla, mas os MCs competidores na batalha refletiram, por meio de suas rimas, como de costume, sobre as vivências em bairros populares, marginalizados, revelando como são vistos nas relações cotidianas que se desenvolvem em outras partes da cidade. Na ocasião, onde também se comemorou o aniversário de uma componente do Coletivo Máfia, organizadora daquela batalha, a aniversariante agradeceu por estar viva, por não ter se tornado estatística na mão de policiais, por não ter se resumido ao que falavam que ela seria. De fato, o destino parece ser premeditado aos empobrecidos das cidades.
Em se tratando de vida urbana, levando em conta que a urbanização no Brasil e em Londrina, na segunda metade do século XX, foi envolvida pelo fenômeno da globalização, não se deve ignorar que a produção e o consumo fortaleceram a competitividade das relações sociais e interpessoais, fazendo retroceder a “noção de bem público e de solidariedade”, segundo o geógrafo Milton Santos (2012, p. 38). A decorrente violência estrutural deste processo, “facilmente visível nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos indivíduos” (Santos, 2012, p. 37), é aceita socialmente a partir desta ética da competitividade, o que possibilita valorizar determinadas vidas e outras não, em determinadas áreas das cidades, inclusive.
Assim, a partir dos “individualismos arrebatadores e possessivos, que acabam por constituir o outro como coisa” (Santos, 2012, p. 47), são vistos comentários como este:
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O comentário foi publicado em um vídeo[2] referente ao Programa Balanço Geral, da RICtv Londrina, no qual os protestos em torno das mortes são acusados de relação com facções criminosas. Outro comentário, no mesmo vídeo, parabeniza os policiais que estão fazendo ordem aos “fanfarrões”, isto é, aos manifestantes, como se o adequado a se fazer fosse aceitar em silêncio as violências oriundas de grandes instituições. A sociedade civil, por consequência, mostra-se igualmente violenta, mais indignada com bens materiais depredados e menos com as vidas ceifadas.
Não se quer dizer, aqui, o que é certo e o que é errado, mas, em meio à dualidade de opiniões entre famílias vitimadas e pessoas que vivem realidade semelhante versus discurso oficial e pessoas que propagam superficialidades, objetiva-se, com este texto, apontar a necessidade de ouvir histórias em sua totalidade, abrir os olhos para as normas que moldam as vivências na cidade, as relações em geral, e voltar a atenção para as atitudes próprias de cada um, que podem estar contribuindo com a indiferença e o desrespeito ao ser humano.
Brechas se abrem na sociedade individualista, apresentando possibilidades de resgate da humanidade, quando da reunião de pessoas, por exemplo, para trocar experiências, conhecimento e formas de apoio nas batalhas de rima, tendo a arte como base para expressão e consequente reflexão. Não é à toa que seus adeptos vivem dizendo que o Hip Hop salva. A partir da atividade e dos vínculos criados dentro desta cultura, os envolvidos somam forças para manifestar-se quanto a diferentes assuntos relativos à população londrinense, como foi o caso dos protestos da semana.
Usando as palavras do DJ Dan Black, que atuou na Batalha da Máfia por um período e hoje é Agente Territorial de Cultura em Londrina, “é através desses passos, dessas artes, dessas educações, desses contatos que a gente tem, que a gente pode ir transformando um mundo possível, sem mazelas, enfim, onde a gente pode ser o que a gente quiser ser”. Aos que tiveram a vida interrompida e aos que são negligenciados em vida, pelo próprio sistema que cria sua situação desfavorecida, aprendamos com o Hip Hop a denunciar injustiças, ouvir o que vem do outro, agregar em vez de individualizar, resistir.
Referência citadas no texto: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 22. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012
[1] https://www.instagram.com/p/DGO6EdDJPly/
[2] https://www.youtube.com/watch?v=Fdb2oY0ev2M
Texto: Isabela Guilherme da Silva (Arquiteta e Urbanista, mestranda em Geografia pela UEL, membra do projeto BR Cidades Núcleo Londrina)