Objetivo da petição é que o recurso seja implementado em todo estado
O Ciranda da Paz, coletivo que busca garantir o acesso à arte e lazer, contribuindo para a justiça social na Favela da Bratac, zona oeste de Londrina, criou abaixo-assinado que solicita a implantação de câmeras nas fardas de policiais militares em todo Paraná.
A solicitação ganhou novo fôlego após os assassinatos de Kelvin dos Santos, de 16 anos, e Wender da Costa, de 20 anos, no último dia 15 de fevereiro, durante abordagem violenta da PM (Polícia Militar).
Os familiares das vítimas e moradores da região rechaçam o argumento dos agentes de que os jovens teriam reagido, levando a um suposto “confronto” (relembre aqui).
Segundo o grupo, a principal finalidade da petição é chamar a atenção dos poderes públicos de Londrina e do estado do Paraná para a letalidade policial, que afeta desproporcionalmente as comunidades periféricas.
“Pretendemos enviar o documento para a Prefeitura de Londrina, governo do estado do Paraná, Assembleia Legislativa e órgãos de defesa dos direitos humanos, cobrando respostas e ações concretas para impedir novas execuções”, apontam.
A meta inicial era alcançar 2,5 mil assinaturas. O número foi atingido em poucas horas. O próximo objetivo é chegar a pelo menos 5 mil apoiadores.
“Estamos articulados com a comunidade e com outras periferias de Londrina, onde praticamente toda família conhece alguém que foi vítima da violência policial no Paraná”, compartilham.
Segundo levantamento do Ministério Público do Paraná, em 2024, as forças de segurança (Polícia Militar, Polícia Civil e Guardas Municipais) mataram 413 pessoas no estado contra 348 em 2023. O aumento é de 19%.
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Foto: SESP-PR/Reprodução
As ruas de Londrina exigem justiça
O coletivo destaca que, além das redes sociais, o movimento contra a letalidade policial está presente também nas ruas. Desde a execução, uma série de protestos têm sido registrados em diferentes regiões da cidade.
Conforme informado pelo Portal Verdade, na última sexta-feira (21), a comunidade da novamente fechou a avenida Brasília, nos arredores da Bratac, para pedir justiça. No mesmo dia, os moradores realizaram uma passeata, que contou com a participação do deputado estadual Renato Freitas (PT).
O parlamentar reforçou a importância de levar o caso para a instância federal, acionando o Ministério dos Direitos Humanos já que, segundo ele, as forças de segurança pública não são isentas, o que comprometeria a elucidação do caso. Confira:
“O caso de Wender e Kelvin trouxe à tona algo que as favelas de Londrina conhecem há anos: a necropolítica em ação, onde corpos negros são assassinados e, depois, suas reputações são destruídas para justificar as execuções”, indicam.
Cunhado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, o termo “necropolítica” refere-se ao poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Com base em tecnologias de controle das populações, o “deixar morrer” se torna aceitável. Mas não aceitável a todos os corpos. O corpo ”matável” é aquele que está sob ameaça de morte a todo instante. Tais violências tomam, majoritariamente, corpos racializados.
“Dessa vez, porém, a comunidade não aceitou o silêncio imposto pela violência. Estamos testemunhando um dos maiores levantes populares das periferias de Londrina, resistindo ativamente à desinformação e desmentindo as fake news que tentam criminalizar nossos jovens assassinados”, complementam.
Ainda, o coletivo salienta que um dos policiais envolvidos nas mortes de Kelvin e Wender, Júlio Cesar da Silva, já participou de outras execuções. “Queremos respostas: por que ele continuou na ativa? Como a PM do Paraná permitiu que ele tivesse a chance de matar novamente?”, advertem.
“Quem não deve, não teme”
Em abril de 2024, o Paraná começou um teste operacional com 300 câmeras corporais, distribuídas entre os efetivos de oito cidades, incluindo Londrina. A quantidade representa somente 1,27% de todo efetivo, composto por cerca de 23 mil policiais militares.
A época, comunicado da SESP-PR (Secretaria Estadual de Segurança Pública), informou que 20 câmeras seriam destinadas a Londrina. Porém, o dado não foi confirmado pela corporação.
A PM também não detalhou em quais ações policiais as câmeras estão sendo utilizadas na fase de teste, mas disse que os equipamentos estão “sendo aplicados no serviço operacional, em atividades com maior interação com a população”.
O secretário de Estado de Segurança Pública do Paraná, Hudson Leôncio Teixeira, afirmou em entrevista coletiva, na última quarta-feira (19), que os estudos para a ampliação do número de câmeras em fardas e viaturas, devem ser concluídos em agosto deste ano. No entanto, ainda não há uma previsão de quando as câmeras serão, de fato, incorporadas ao trabalho dos agentes de segurança pública.
“Por que a PM do Paraná resiste tanto à implementação de câmeras nos uniformes? A verdade é simples: quem não deve, não teme. Se esses policiais estivessem sendo monitorados, pensariam vinte vezes antes de disparar contra um jovem negro desarmado. As câmeras são um passo essencial para reduzir a impunidade e impedir novas execuções”, observam.
Em janeiro deste ano, o CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) recomendou o uso de câmeras corporais nos agentes de segurança pública e privada em todo país.
Atualmente, pelo menos cinco estados utilizam câmeras corporais, a exemplo de São Paulo. No estado, a letalidade provocada por policiais em serviço caiu 62,7%, passando de 697 mortes em 2019 para 260 em 2022.
Confira o abaixo-assinado disponível aqui.
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Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.