Entidade aponta desinformação, calúnia e reprodução de preconceitos
De acordo com relatos obtidos pelo Portal Verdade, o vereador Santão (PSC) emitiu diversos ataques e informações falsas contra a Associação Cura em Flor, entidade sem fins lucrativos que auxilia pacientes e familiares a acessarem o tratamento com cannabis medicinal em Londrina e região.
Em nota publicada nas redes sociais, a Associação repudia as declarações do parlamentar, classificando como “acusações e ataques infundados” (acompanhe texto na íntegra aqui).
A organização aponta dois momentos em que as ofensivas ocorreram: em 6 de fevereiro, durante sessão da Câmara Municipal de Londrina, ocasião em que seria votado projeto de lei nº 69/204, proposto pela ex-vereador Sônia Gimenez (PSB), com o objetivo de reconhecer a Cura em Flor como entidade de utilidade pública.
Na tribuna e aos gritos, o vereador descaracteriza e deslegitima o trabalho desempenhado pela organização. De acordo com ele, a Associação estaria interessada em “pegar dinheiro público para fazer a porcaria da Marcha da Maconha em Londrina”.
Ainda, ele afirma que Associação defende o “uso recreativo” da cannabis, ou seja, como substância narcótica. “Nem amarrado eu voto título para quem defende o cigarro do capeta”, diz.
O projeto foi posteriormente retirado de pauta.
A Associação Cura em Flor do Norte do Paraná surgiu em 2020, com a intenção de desconstruir o estigma que permeia o tratamento com a cannabis medicinal bem como promover o acolhimento e o encaminhamento médico e jurídico para pacientes e familiares. A atuação do coletivo é restrita ao uso terapêutico e científico da cannabis, condicionado à prescrição médica.
“Tal afirmação não apenas fere a reputação da entidade, mas também dissemina desinformação e preconceito contra um trabalho sério, legalmente constituído e de grande relevância para pacientes que necessitam do tratamento com cannabis medicinal”, rebate o documento.
“Em nenhuma circunstância, a Associação incentiva, instiga ou promove o uso recreativo da cannabis ou de qualquer substância psicoativa”, complementa a entidade.
Vereador demonstra desconhecimento
Ainda, no dia seguinte, 7 de fevereiro, o vereador publicou em seu perfil no Instagram, vídeo em que expõe uma das pacientes da Associação. De maneira descontextualizada, ele diz que “uma mulher levou um pé de maconha na Câmara de Vereadores de Londrina”.
Trata-se de Blenda Renata Martins Sena, engenheira de dados, paciente de cannabis medicinal desde 2015. Ela iniciou o uso para tratamento oncológico e depois estendeu para combater os sintomas de fibromialgia e artrose degenerativa, condições que causam dores crônicas severas.
Nas imagens, Blenda estava na Casa Legislativa para participar de audiência pública realizada em junho de 2024. O encontro debateu projeto de lei nº 66/2024, assinado pelo vereador Mestre Madureira (PP), que visa regulamentar o acesso a medicamentos à base de cannabis nas unidades públicas de saúde do município.
Em 2023, Blenda obteve habeas corpus, garantindo o direito de cultivar e portar a planta para fins medicinais. À reportagem, ela conta que encontrou grandes dificuldades para conseguir a liminar e que o apoio da Associação foi preponderante durante todo o processo que levou cerca de três anos. Ainda, Blenda destaca o alto custo da medicação, o que cerceia o acesso ao tratamento, principalmente, a camadas mais vulneráveis da população. O preço de cada frasco pode variar de R$ 350 a R$ 3 mil.
“Procurei a Cura em Flor que me indicou os advogados, me deu todo um suporte jurídico. Foram anos juntando documentação, procurando advogados especializados, foi um processo longo, demorado. É caro, muito caro, e eu estou há dois anos produzindo meu medicamento e tem sido maravilhoso”, aponta.
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Conforme informado pelo Portal Verdade, já na primeira semana de governo, o prefeito de Londrina, Tiago Amaral (PSD), vetou a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis na cidade (relembre aqui). Nesta terça-feira (25), a Câmara de Vereadores manteve o veto, o que levou ao arquivamento da proposta.
A principal justificativa para o veto foi a existência de vício de iniciativa e a criação de despesas não previstas no planejamento administrativo. Ao rejeitar a medida, o poder Executivo local garantiu que reenviaria um texto substitutivo, após estudos. A expectativa é que um novo projeto seja apresentado até maio.
De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em todo o Brasil, ao menos 2.050 famílias processaram o estado ou planos de saúde para conseguir o remédio. Do total, apenas 257 desfechos foram favoráveis aos pacientes.
Para Blenda, a postura do vereador demonstra desconhecimento sobre as potencialidades da cannabis medicinal para o cuidado de diferentes doenças físicas e psicológicas. Além disso, ela reforça que o parlamentar não tem sinalizado interesse em debater a reivindicação.
“Nota-se que ele [vereador Santão] não estudou, não se aprofundou, ele coloca o paciente medicinal e o traficante no mesmo balaio, quando são coisas diferentes. Estamos lutando pelas pessoas que precisam do remédio, que precisam ter suas vidas salvas por isso. Então, a visão que eu tenho é de uma ignorância muito grande da parte dele. A gente tem tentado conversar, elucidar sobre esses assuntos, sobre como funciona a cannabis medicinal, mas ele é um tanto resistente, não quer conversa”, adverte.
Ainda, a paciente salienta a reprodução de estigmas pelo vereador, estimulando a desinformação. Na avaliação de Blenda, o parlamentar falha enquanto autoridade que deveria representar o interesse público.
“Nós estamos verificando medidas legais para tomar em relação a ele. Essa postura, por nos chamar de traficantes, de ONG que apoia maconheiros, isso é muito desconhecimento da parte dele e a pior parte é que acaba incitando o ódio de outras pessoas que também não sabem. É uma grande propagação de mentiras, de inverdades. Então, dificulta bastante essa postura dele, principalmente, para a gente tentar dialogar com as pessoas que ainda não conhecem o benefício da cannabis medicinal. Acho que ele poderia usar a posição dele para abrir um debate saudável, ao invés de acusar, ouvir só um lado da história”, assinala.
A Cura em Flor aponta o crime de calúnia, de acordo com o artigo 138 do Código Penal.
Segundo levantamento da Kaya Mind, em 2024, o Brasil atingiu a marca de 672 mil pacientes que se tratam com cannabis medicinal, número recorde e 56% superior ao do ano anterior.
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Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.