Ataque também configura dano ao patrimônio público
Um dia após a Câmara de Vereadores aprovar projeto de lei nº 27/2025, que proíbe o “vilipêndio” (menosprezo e constrangimento) de símbolos e crenças (saiba mais aqui), Londrina registrou mais um caso de intolerância religiosa.
O alvo foi a casa de umbanda Cantinho do Pai João, localizada na região sul da cidade. O local amanheceu, nesta quarta-feira (26), com a fachada pichada. Sobrepondo a logo e demais informações, foram escritos textos bíblicos que fazem referência aos livros de Apocalipse e Levítico.
Em síntese, o livro do Apocalipse traz projeções sobre o futuro da humanidade, evidenciando o “juízo final” e a defesa da volta de Jesus à Terra. Já o livro de Levítico trata, entre outros assuntos, das ofertas e sacrifícios que o povo deveria realizar, as leis de pureza e impureza e o “Código de Santidade”.
Nas redes sociais, a Casa divulgou nota repudiando o ataque. “Com o coração cheio de tristeza, informamos que na madrugada de hoje, 26 de fevereiro de 2025, nossa casa sofreu um ataque motivado por racismo religioso. Aqueles que se dizem religiosos, diante da oportunidade de agirem como o Mestre e exercitarem o amor ao próximo, preferem se comportar de maneira que ofende a memória de Jesus – o mesmo Jesus que, sobre nosso congá, abre os braços sobre todos os necessitados”, diz o texto.
Ainda, a nota reforça que a pichação, além de configurar crime de intolerância religiosa com base no artigo 208 do Código Penal, também caracteriza dano ao patrimônio público, de acordo com o artigo 65 da Lei 9.605.
A Constituição Federal de 1988 também resguarda liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
A postagem também informa que um boletim de ocorrência foi registrado. A expectativa é que uma investigação seja instaurada a fim de identificar a autoria.
“Nossas mãos nunca se levantarão para praticar qualquer ato contra a fé e a dignidade humana. Nossa casa foi erguida há quase 55 anos, alicerçada nos princípios da caridade e do amor ao próximo, e rogamos aos céus que todas as religiões e seus devotos possam ser inspirados pelo mesmo discernimento com que nos educam nossos Pretos Velhos”, complementa a nota.
Também nas redes sociais, o Centro de Direitos Humanos de Londrina, rechaçou o ataque e prestou solidariedade ao terreiro.
“Intolerância religiosa é crime e reforça o racismo institucional encrustado em nossa sociedade. Exigiremos investigação rigorosa para que os culpados sejam identificados e respondam com o rigor da lei”, reforçou o coletivo.
A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos registrou, no primeiro semestre do ano passado, 1.940 denúncias de violações de liberdade religiosa no país. As religiões de matriz africana são os principais alvos de discriminação: dos 575 casos em que houve identificação da vítima, 276 envolveram adeptos de religiões afro-brasileiras.
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Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.