Grupos organizados atuam para cooptar crianças e adolescentes para ideologias e práticas violentas
No dia 25 de novembro, na cidade de Aracruz, no Espírito Santo, um atirador de 16 anos usou as armas do pai, um policial militar, para matar quatro pessoas e ferir outras 12 em duas escolas. Foi o quarto ataque violento a escolas registrado no segundo semestre de 2022.
O incidente motivou o Grupo de Trabalho (GT) da Educação, parte do governo de transição, a buscar entender as causas desse tipo de ataques a escolas. Pesquisadoras de diversas áreas foram convidadas para participar da discussão, que resultou em um relatório que aponta as causas e dá sugestões para evitar novos episódios.
O documento, intitulado O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às instituições de ensino e alternativas para a ação governamental, mostra como a extrema direita age para cooptar jovens nas escolas para a radicalização em sua ideologia.
Letícia Oliveira, jornalista que se dedica há 10 anos a monitorar grupos de extrema direita na internet e uma das autoras do relatório, afirma o objetivo do grupo foi avançar na construção de políticas públicas.
“Nossa intenção é criar, a partir dessas propostas, ferramentas, ampliar o debate e trabalhar principalmente com as escolas, para políticas públicas voltadas para a prevenção desse tipo de ataque”, afirma.
O grupo documentou como a radicalização baseada em doutrinas de extrema direita (nazismo, fascismo italiano e o integralismo brasileiro) é prejudicial para os jovens, a escola e a sociedade. O documento aponta ainda que parlamentares de extrema direita e outros atores colaboram para impedir debates escolares sobre temas como sexualidade e diversidade e também para a crescente redução das disciplinas de humanas nas grades curriculares.
Cooptação de crianças e jovens
O relatório diz que os ataques às escolas estão geralmente associados “ao bullying e situações prolongadas de exposição a processos violentos, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem”. O texto afirma que “a opção por invadir uma escola não é mera coincidência ou fruto de uma escolha aleatória. As motivações incluem ódio às maiorias minorizadas e aproximação ideológica a teorias nazistas e fascistas”.
O perfil mais comum do cooptado por organizações de extrema direita é jovem, do sexo masculino, branco e heterossexual. Sentimentos recorrentes na adolescência, como frustração sexual e raiva do mundo, são usados para converter os alvos e o ódio contra mulheres é um ponto central dessa estratégia.
A cooptação acontece preferencialmente online, em fóruns, chats de vídeos e de jogos online como Minecraft, Roblox e Fortnite, além de outros espaços de discussão. A linguagem é “anti-sistema”, muitas vezes irônica, com termos misóginos e racistas.
“O recrutamento para novos atiradores raramente é feito diretamente para cometer massacres em escolas. Antes disso, os jovens que querem ser aceitos pelo grupo de ódio podem ter que cumprir algumas ordens, como, por exemplo, gravar vídeos caluniando ativistas feministas ou criar páginas e comunidades anônimas para espalhar ódio e fake news”, informa o relatório.
“Esses adolescentes, principalmente agora no período da pandemia, ficaram muito em casa. Eles iam para a internet jogar, conversar com os amigos. E a partir de grupos para falar de jogos, como chats de Telegram ou WhatsApp, ou até mesmo de chat de canal do YouTube, existe gente que trabalha para a cooptação”, explica Letícia. “Por exemplo, manda link para um canal em que a pessoa falando de Minecraft já tem a intenção de cooptar”.
A concretização de atos violentos reais é geralmente validada nesses espaços online, seja de forma velada ou explícita. No massacre de Realengo (ocorrido em 2011), por exemplo, o atirador foi incentivado a levar sua intenção a cabo em fóruns da deep web, de difícil acesso e com pouca possibilidade de rastreamento de seus integrantes.
Há uma nuance que complica o rastreamento de responsabilidades. Nem sempre é necessária a figura de um cooptador. “Às vezes vocês não precisa ter um agente que venha de fora para cooptar. Esses próprios adolescentes estão participando desses chats ou acessando esses canais de Youtube ou do Telegram. Eles têm contato com propaganda nazista e fascista e acabam trazendo isso para o meio deles e fazem todo o processo de cooptação dos amigos”, diz a especialista.
O quer fazer?
O relatório dá sugestões para limitar a influência da extrema direita nas escolas. A primeira é fazer com que órgãos de inteligência monitorem sites, redes sociais, comunicadores instantâneos e fóruns anônimos, com canais de comunicação direto com as escolas e redes públicas de ensino.
Dentro das escolas, a sugestão é que o ambiente seja saudável e acolhedor, com espaço garantido para a criatividade e pensamento crítico. É fundamental que haja um trabalho de combate à desinformação, com estímulo à pesquisa em temas das Ciências Humanas e Sociais, com o objetivo de evitar o negacionismo em temas como escravidão e Holocausto.
O documento ressalta a importância do desarmamento da população civil, tanto para evitar massacres como para estimular uma cultura de paz. Atenção aos aspectos psicológicos da comunidade escolar, ampliação da gestão democrática na educação e criação de laços comunitários são outros dos caminhos apontados.
Apesar dessas ações serem diversas e, em muitos casos, transversais, Letícia Oliveira acredita que haverá adesão ao tema.
“Não sei se haverá resistência justamente porque a gente está vendo um aumento desse número de casos de violência de extrema direita não só às escolas, mas no geral da sociedade brasileira. A gente já tem algumas pessoas, alguns legisladores, pessoas do Judiciário e nas próprias políticas que estão atentando para esse fato”, diz. “Temos que trabalhar com as pessoas que já tem interesse e dar treinamento”, completa.
Fonte: Redação Brasil de Fato