Ao dar adeus a estrada dos tijolos amarelos, questionei (ainda que timidamente) o motivo de abandoná-la, naquilo que deveria (sim) ter ficado no campo, onde florescem de ipês a sibipirunas e avermelha a vida as rosas, sem me importar de, um dia, ter querido a cidade por suas luzes.
Bem sei que não vou poder te abraçar para sempre (o que são abraços se não espaços que se abrem entre nós?), afinal você pode estar se cansando de mim, naquilo que viver modifica os viventes.
É fato, amada, envelheci e não estou a saber lidar com o divórcio entre meu corpo grande e meus pensamentos que, se não tão grandes, sempre me levaram para um lugar que não existe – longe…
Para além disso, há uma triste realidade cerzindo nossa história com a linha do destino em polo de convívio com as contas de uma novela que sempre acreditei não ter fim, suposto que envelhecer é colher a semente do ontem.
De toda sorte meus movimentos já não bastam (há algum tempo) e bem sei da agonia de deslembrar o que lhe agradava tempos atrás. Essa tristeza, todavia, me põe em pé, outra vez, na estrada dos tijolos amarelos, onde vou ter quando a noite já não for jovem.
Nesse prumo pareço não saber mais corrigir o meu próprio rumo. Tampouco acertar a prumada na caminhada (que seria natural e seguro) já não me é dado vivenciar, a qualquer título. Todavia, envelhecendo sem sabença eu entristeço as circunstâncias que me conduziram pela vida e abandono os contos de fada.
Mas sigo pela estrada dos tijolos amarelos em busca da magia que se espraiou pela terra, onde canções contrapõe sentimentos que a vida represa, naquilo que os cães sociais seguem a ladrar enquanto o capital persiste na exploração da natureza e das gentes, contabilizando mais – vida e valia.
É fato que a estrada vem em desuso – como sói ser com as fantasias do passado, em alusão a ausência de caminhos, uma vez que as pessoas não vão pelas estradas, as estradas é que passam pelas pessoas.
Haverá, todavia, a possibilidade de estarmos enfrentando o destino, sem nos apercebermos disso, num surrado maktub que, se não conforta, dá nome ao fim das coisas, contrapondo ao dia a hora da estrela.
Assim é que Marias e Clarices seguem na estrada em direção ao amanhã, naquilo que, hoje, no solo do Brasil, o que se planta leva ao cio da terra o veneno da monsanto – o que não impede Macabéa de seguir sendo atropelada pelo próprio destino.
Deveras, não importa a surrada consequência de viver, o que me põe em pé segue sendo tua lembrança rediviva em um sorriso que desafia a memória e grita nossa desventura em série.
Já não te vejo sorrir, como a via quando andávamos descalços pela estrada dos tijolos amarelos. Já não vejo teus olhos brilharem como brilharam no altar, quando te beijei ternamente a face e prometi fazê-la feliz.
Não que guarde em mim a querença distintiva (e sem igual) de acreditar-me o motivo de teu sorriso, mas abraçava a ideia de saber fazê-lo aflorar em meio a delicadeza de suas circunstâncias, ainda que em polo de convívio com as agonias de viver.
Passou a vida e ela me levou, bebê. Eu fui e o que ficou de mim não informa senão as lembranças que espraiei pela estrada e os frutos que joguei a teus pés. Tudo é, portanto, passado – se o tempo passa, não passariam as pessoas?
Estou (nesse momento e desesperadamente) tentando me reencontrar para, no encontro, resgatar o amarelo da vida no tijolo da estrada, afastando do pó as perguntas que viver já não contempla.
Assim, redimido pela marcha do tempo, talvez retome o ponto que perdi quando a noite era menos afoita e a costura que o tear da vida amarrou em meu horizonte não demandava mais do que circunstâncias de bem querer.
Vou, todavia, seguir precisando de você. Mas quero precisa-la enquanto mulher e não mais nuvem – naquilo que as desalegrias do viver não são, senão, deslembranças de um tempo que a poeira apagou.
Bem e mal já não importam tanto. O que não quer dizer que abandonei toda esperança quando cá entrei – afinal não sou de me impressionar com avisos, ainda que estes venham fixados nos portões do inferno.
Fato é: envelhecer me roubou a percepção fina enquanto as lembranças de bem querer mitigam os dias que sucedem a noite dos tempos – naquilo que seguimos todos morrendo aos poucos.
Assim, o que me resta é o caminho – afinal as lembranças sustentam a esperança de dias felizes e eu já não tenho lume bastante para imaginar uma vida além dos tijolos amarelos da estrada…
Enquanto o pó não responde, sigo a perguntar-lhe da vida e das pessoas que viver empodera em nosso entorno, perfazendo a colheita dos dias enquanto os homens sobrevivem da miséria emocional que a estrada despejou nas gentes.
Já não tenho tanto tempo e lamento essa consciência agora, quando descobri que nosso maior bem é, justamente, o tempo.
Tempo que é rei e vagabundo, a um só tempo. Enquanto isso, eu e você buscamos no contraponto, a dança. No solstício, o desejo; na aurora o entardecer e, no agora, uma qualquer circunstância que transporte o passado ao futuro, enquanto lembranças estabelecem uma zona de segurança entre nós.
Haverá um amanhã para nós? Gostaria, mas precisa mais que gostar – preciso estar!
Sigo te amando Desirée.
Tristes trópicos.
Saudade Pai!
João Locco para a Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.