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A expansão das escolas cívico-militares no Paraná: saudosismo da ditadura militar e a influência da extrema-direita no governo de Ratinho Jr

Com as consultas realizadas pela Secretaria da Educação do Estado do Paraná (Seed) no final do ano passado (1), o estado chegou a 312 escolas da rede básica no modelo cívico-militar. Em rápido crescimento desde a sua implantação em 2021, o modelo, que conta com forte apoio em amplos segmentos da população, mas também com muitas críticas – especialmente de professoras e professores e pesquisadoras e pesquisadores em educação – é apresentado pelo governo do estado como um avanço que vai “revolucionar” a educação paranaense.

De nossa parte, o objetivo é analisar alguns dos motivos que movem essa expansão do modelo cívico-militar e algumas implicações educacionais de uma educação que busca inspiração na disciplina das escolas militares.

Para compreender o motivo da pressa do governo em enquadrar escolas nesse modelo, é importante tratar do nosso atual contexto político-ideológico. Sobre isso, é inevitável lembrar que a implantação de escolas cívico-militares no Paraná ocorreu na esteira da criação do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), em 2019, no governo de Jair Bolsonaro. Como ex-capitão do exército – expulso por indisciplina – e tendo identificação com os militares, Bolsonaro sempre foi um defensor da ditadura militar e suas práticas autocráticas (2).

Por toda a sua vida política, o comportamento de Bolsonaro foi marcado pela violência verbal contra adversários políticos, apologia ao armamentisto e a torturadores, repúdio à valorização da diversidade étnico-racial e de gênero, desqualificação da informação jornalística e, mais recentemente, na onda ascensional da extrema-direita – da qual ele é, simultaneamente, produto e um dos protagonistas – da ciência e das políticas de proteção ambiental. Não é surpresa, então, que tenha encabeçado um governo que ameaçou algumas de nossas franquias democráticas (3) e que contou com milhares de militares, ativos e da reserva, em cargos do alto e médio escalão (4).

Em seus discursos, Bolsonaro exaltava a eficiência de gestão e a ética dos militares. No entanto, ao contrário da exaltação discursiva, seu governo foi marcado por inúmeros casos de péssima gestão dos recursos e pelo abuso no uso da máquina pública em favor de interesses privados – inclusive, o próprio Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e se tornou inelegível pelos próximos oito anos pelo abuso de poder político e uso indevido do aparato estatal5, além de estar sendo investigado pelo uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) visando cercear o direito ao voto de potenciais eleitores de Lula (6). Não bastasse isso, há até mesmo suspeita de envolvimento de pessoas próximas a Bolsonaro com milicianos (7).

Portanto, com investigações ou condenações, são robustas as provas de que Bolsonaro – e/ou de indivíduos e grupos ligados a ele – tenha atuado com práticas abertamente contrárias aos mais elementares princípios do republicanismo. Assim, se, em teoria, esse modelo visa “ofertar uma educação básica de qualidade, o desenvolvimento de um ambiente escolar adequado e que promova a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, a gestão de excelência dos processos educacionais, pedagógicos e administrativos e o fortalecimento de valores humanos e cívicos” (SEED), sabemos que, na prática, experiências recentes de gestão militar em órgãos do estado que podem (e devem) ser ocupados por civis demonstram o oposto da “eficiência de gestão” – e, em alguns casos, foi mesmo um desastre. Vejamos.

Durante a pandemia, período no qual o número de militares em pastas do Ministério da Saúde passou de 7 para 40, este ministério aderiu de maneira absolutamente irresponsável ao tratamento com cloroquina para a Covid-19 e, por absoluta inépcia e descaso, há fortes evidências de, dentre milhares de outras, ter contribuído para a morte de centenas de pessoas em Manaus devido à falta de oxigênio em hospitais (8).

No Ministério da Educação, onde houve “uma alta de 650% nas funções comissionadas da Educação, com salto de 2 militares para 15” (9), além do desmonte do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e das estruturas de fiscalização de cursos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (10), sobraram denúncias de empregos dados a pessoas abertamente incompetentes para cargos de grande relevância (11) e, inclusive, de ministro que cometia erros gramaticais grosseiros (12) e outro que fraudou o próprio currículo (13).

Igualmente, vimos a absurda paralisia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e, até mesmo, sua utilização para fins contrários à preservação do meio ambiente (14) – inclusive, o presidente do Ibama na época, Eduardo Bim, “chegou a ser afastado pela Justiça por suposto envolvimento em contrabando de madeira” (15).

Ou seja, os anos de governo Bolsonaro não deixam faltar exemplos para demonstrar que a “gestão de excelência” não tem sido uma competência necessariamente desenvolvida em indivíduos formados nas instituições militares. Enfim, esses exemplos são suficientes para demonstrar quão impróprios são os argumentos do aprimoramento da eficiência de gestão e da lisura no trato da coisa pública (16) para a defesa do modelo de escola cívico-militar e, portanto, para a presença de militares nas escolas.

Não bastasse isso, quem poderia acreditar que o mais antipopular dos governos das últimas décadas tinha como objetivo atender à população estudantil frequentadora de escolas que tenham “baixo resultado de Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] e alunos em situação de vulnerabilidade social” (17)? Decerto, o papel aceita tudo. Porém, esse objetivo não se coaduna com um governo que foi protagonista da reforma da previdência, efetuou profundo corte orçamentário nas áreas sociais (18) (educação e assistência social) e desmontou estruturas de assistência social em todo o país (19), propôs reformas ainda mais draconianas nas leis trabalhistas – tais como uma carteira de trabalho verde e amarela com redução de direitos (20) –, dissolveu os conselhos consultivos e populares (21) que atuavam em diversas instâncias governamentais, dentre outras malfadadas medidas contra o povo trabalhador.

Nesse contexto, pode-se dizer que o programa de escolas cívico-militares no governo Bolsonaro não foi oriundo de uma preocupação real com a qualidade da educação ofertada aos estudantes brasileiros, mas visou – e no governo de Ratinho Jr. não é diferente – a outras finalidades. E essas finalidades não devem ser buscadas primordialmente no papel, mas no contexto político que estamos vivendo e, em seu interior, nas funções políticas e ideológicas cumpridas pela militarização de escolas. Tratemos, então, rapidamente disso.
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Nos últimos anos, ocorreu uma ascensão da extrema-direita – para alguns, neofascismo – em todo o mundo. Por meio de processos eleitorais (22), governos passaram a ser encabeçados por políticos dessa vertente política, sendo os mais importantes Netanyahu (Israel), Erdogan (Turquia), Orban (Hungria), Trump (Estados Unidos), Bukele (El Salvador), Bolsonaro (Brasil), Meloni (Itália), Milei (Argentina) e Subianto (Indonésia).

De modo geral, esses governos emergiram num contexto de aprofundamento da crise econômica global e seus efeitos bastante negativos sobre as classes médias e os trabalhadores, de grande insatisfação com a capacidade das instituições políticas serem permeáveis às reivindicações “populares” – muitas vezes, contraditórias entre si – e de reação político-ideológica de certos segmentos devido ao avanço recente de algumas reivindicações de direitos pela reparação de injustiças assentadas em identidades de cor, gênero e orientação sexual.

No Brasil, como em outros países, essa onda conservadora ganhou as ruas, pressionou instituições, produziu um impeachment (para alguns, um golpe jurídico-parlamentar), prendeu o principal líder oposicionista num processo controverso e culminou com a eleição de um político de extrema-direita para presidência da república. Junto com a eleição de muitos deputados e alguns senadores da extrema-direita – ou, ao menos, muito conservadores –, isso alavancou a pauta conservadora e fortaleceu seus respectivos partidos e representantes político-ideológicos. Hoje, o Partido Liberal (PL), de extrema-direita, tem a maior bancada do Congresso Nacional.

Dentre muitos aspectos, o avanço do conservadorismo fomentou a desconfiança a respeito do trabalho desenvolvido nas instituições educacionais (escolas e universidades) – tratadas como espaços de divulgação de ideias de esquerda e, por certas ideias filosóficas e científicas, contrárias aos valores da família tradicional, que teriam minado a autoridade dos pais sobre os filhos – e, por oposição, acentuou a exaltação dos militares e seus valores de respeito à autoridade e à hierarquia, bem como a ideia de que o direito à posse e ao uso de armas constitui uma garantia de uma vida segura e pacífica.

Num contexto de “guerra civil” permanente instaurada pelo capital em sua configuração política neoliberal – donde a ojeriza à corrupção é fortemente enviesada e biombo para ações persecutórias a “inimigos” políticos –, e visando controlar, sob seus desígnios acumulatórios, as massas populares em democracias que tendem à incontrolabilidade e a colocar em risco os interesses das classes dominantes, não é casual que o símbolo do bolsonarismo seja dedos posicionados em forma de um revólver e que a sua linguagem esteja permeada por palavras que exaltam a violência, a virilidade e a agressão ou extermínio de inimigos.

Por múltiplos meios, destacando-se a função político-ideológica dos movimentos de extrema-direita e, na esfera religiosa, das igrejas neopentecostais e das vertentes ultraconservadoras e carismáticas do catolicismo, essa simbologia fomentou o individualismo extremo e o ódio aos “diferentes” em amplos segmentos populacionais, minando a solidariedade de classe e a generosidade própria das propostas emancipatórias.

Igualmente, também não é casual que esse ambiente tenha incentivado militares a ampliarem a participação na política para disputar cargos nas eleições23 – especialmente nas instâncias legislativas – e que inúmeros políticos civis tenham aproximado a sua linguagem daquela dos militares e feito da defesa desta categoria e suas reivindicações uma de suas bandeiras de atuação parlamentar.

Ao mesmo tempo, as dificuldades de avanço significativo nos índices educacionais – dificuldades atribuídas, pelos conservadores, à presença de ideologia de esquerda no ambiente escolar e à indisciplina dos estudantes resultante da erosão da autoridade de professores e direção – e a insegurança decorrente do aumento do número de casos de violência contra escolas (em parte, diga- se, causado pela enorme flexibilização da legislação, no governo Bolsonaro, para o acesso e uso de armas de fogo) criaram um ambiente fértil para a proliferação da pauta conservadora – moralista e exaltadora da repressão e da disciplina – em estratos das comunidades escolares, inclusive nas localidades mais pobres.

Em síntese, a extrema-direita avançou tanto em razão de problemas reais existentes nas escolas – dificuldade de melhoria dos índices de rendimento escolar e crescimento de casos de violência decorrentes de ação externa – quanto pelo aproveitamento de condições favoráveis para fomentar o medo e, assim, apresentar “soluções” aparentemente simples e imediatas para esses problemas.

E mais, ela tem feito isso em consonância com interesses econômicos prevalecentes, pois, comparativamente ao enfrentamento efetivo dos referidos problemas – o que demanda olhar e atenção abrangentes sobre os problemas sociais e educacionais para muito além dos muros escolares –, essas falsas soluções são relativamente baratas.

No Paraná, tanto por identificação quanto pela pressão oriunda de um legislativo estadual amplamente conservador e de prefeituras e câmaras municipais com o mesmo perfil – e, claro, também visando a benefícios eleitorais para uma candidatura para senador ou, até mesmo, para a presidência da república –, o governador e seus asseclas não têm medido esforços para colocar o estado na “vanguarda do atraso” das políticas educacionais.

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Outro aspecto importante dessa questão diz respeito ao próprio projeto escolar envolvido na proposta de expansão das escolas cívico-militares, pois, obviamente, a extrema-direita e seu entorno veem nesse modelo de escola um trunfo em sua luta política-ideológica contra a suposta influência de docentes e ideias de esquerda no ambiente escolar. Nessa toada, Ratinho Jr. reitera o mantra da extrema-direita: “Não se pode colocar ideologia dentro do ensino” (24) (como se as escolas cívico- militares não fossem uma deslavada “ideologização militarista do ensino”).

Mas, seja como for, não é necessário ser especialista em educação para constatar que o Programa Nacional de Escolas Cívico- Militares (Pecim) é uma pletora de truísmos de senso comum presentes em muitos manuais de diretrizes educacionais sobre a organização das escolas – gestão administrativa e financeira, conselhos, funções, procedimentos, expectativas de comportamento etc. De diferente, há apenas aquelas bizarrices próprias da mentalidade conservadora e antidemocrática típica dos militares – regrinhas de moral e cívica, exaltação da autoridade e da família, devoção a símbolos nacionais, uniformes e cortes de cabelo semelhantes aos dos colégios militares etc. Infelizmente, nada de diferente do que havia em muitas escolas durante a ditadura militar e, claro, nos regimes ditatoriais mundo afora, tais como, dentre outros, o salazarismo, o franquismo, o fascismo e o nazismo.

De modo geral, na mentalidade conservadora, especialmente num país de longo passado escravocrata e classes dominantes de pendor autocrático, a disciplina é uma decorrência da observância da autoridade e da tradição visando à manutenção do status quo, não podendo emergir da apropriação crítica das relações, instituições e problemas sociais e sua busca por soluções racionais e superadoras dos arcaísmos institucionais e legais que impedem o desenvolvimento humano-social.

Isso porque os indivíduos com aquela mentalidade não compreendem – ou, por interesses socialmente enraizados que lhes favorecem, não podem admitir – que uma disciplina verdadeira, positiva e substancial, não pode advir de uma observância formal de normas e nem da inculcação de um “respeito” vazio a símbolos, datas e autoridades. Ao contrário, o processo de formação de nossos valores e personalidades, de uma disciplina verdadeira e emancipadora, só pode ser o resultado de experiências de vida e processos educacionais que conectem substancialmente as crianças e os jovens a finalidades concernentes à construção e ao avanço da liberdade.

Não se constrói isso trazendo militares para dentro da escola e disseminando o medo e a ideia de que disciplina e respeito são contrafaces da repressão e da violência – ou seja, benefícios auferidos pelo não enfrentamento da autoridade. Não é criando crianças e jovens passivos que construiremos uma educação e, por conseguinte, um país melhor, mas pelo fomento à internalização positiva e ativa de valores concernentes à solidariedade e à valorização do coletivo.

Em outras palavras, o objetivo dos sistemas educacionais não pode ser formar cidadãos que ajam com respeito à coletividade por medo de punição, mas pela consciência de que a ação construtiva e respeitosa em relação ao outro, eticamente correta, é relevante e válida porque constitui um componente da melhoraria da vida de todos. E, além disso, é importante compreender que uma ação não é realmente ética se não se conecta com a luta contra todas as formas de opressão e de cerceamento da liberdade.

Uma educação que seja tensionadora e crítica, certamente, não pode ser realizada com uma matriz curricular como a proposta, por exemplo, pela Seed-PR (25) fundamentada no Pecim e na Base Nacional Curricular (BNC).

Durante o governo Michel Temer, a BNC foi modificada e, apesar dos textos e discursos que visam aprimorar a formação dos indivíduos como cidadãos – ou seja, indivíduos mais aptos para a intervenção consciente e qualificada nos assuntos públicos –, a redução das cargas horárias das disciplinas de Sociologia, Filosofia e Artes está em completa oposição a isto. Essas disciplinas são importantíssimas para o acesso organizado às grandes correntes de pensamento necessárias para uma compreensão fundamentada – filosófico-científica – das características que nos perfazem como seres individuais-sociais, das relações e do nosso desenvolvimento socioeconômico, político e cultural e de ambos com os outros seres (não vivos ou vivos) que constituem o nosso espaço de existência.

Com a disciplina de Artes, nos tornamos mais aptos a nos inserir no universo da produção e da fruição artística, desenvolvendo a nossa sensibilidade estética e as nossas capacidades expressivas. Portanto, como falar em “formação integral” se conhecimentos e habilidades fundamentais são reduzidos no processo formativo com a implantação do currículo das escolas cívico-militares?

Como falar em formação integral com a introdução da disciplina Cidadania e civismo na matriz curricular, a mesma que, durante a ditadura militar, sob o nome de Educação moral e cívica, tinha conteúdo e finalidade orientados para uma inculcação doutrinária – portanto, sumamente ideológica – em completa oposição aos princípios de uma disciplina voltada para o exercício de uma cidadania crítica? Lembremos, cidadania negada naquele regime político.

E mais, a excessiva carga horária destinada a uma disciplina como Educação financeira, que traz um conteúdo raso que poderia ser facilmente ministrado e devidamente exemplificado em algumas aulas de matemática, demonstra que a finalidade das reformas educacionais recentes – e isso não é diferente no modelo cívico-militar – não é a “formação integral” dos indivíduos, mas a rasteira doutrinação visando à formação de indivíduos passivos – para os quais o ápice do ativismo é o comportamento empreendedor” – e, por conseguinte, de uma força de trabalho dócil, acrítica e não contestadora das desigualdades e injustiças sociais.

Não há dúvida de que indivíduos bem formados em conhecimentos filosóficos, científicos, literários e dotados de sensibilidade estética para a produção e fruição artística, bem como a expressão de suas personalidades, tornam-se muito mais qualificados para a compreensão do seu posicionamento no mundo – e, assim, para o uso dos seus recursos econômico-financeiros – do que sob qualquer doutrinação.

Mas, enfim, esse “espírito antidemocrático” que anima a expansão das escolas cívico-militares e seu currículo passadista também tem outra de suas manifestações concretas no avanço da negação da democracia na gestão escolar, pois, ao contrário das escolas normais da rede de ensino, cujos diretores são eleitos pela comunidade escolar, as cívico-militares e as integrais têm o seu diretor designado pela própria Seed-PR.

Não há nenhum argumento de eficiência ou modernidade gerencial que justifique isso, apenas a necessidade de supressão de uma franquia democrática para aumentar o controle – e o cabresto – sobre a equipe gestora e pedagógica das escolas. Portanto, quanto mais elas se expandem, menos democracia.

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Tudo isso nos leva a alguns questionamentos. Será que, diante de problemas tão complexos, a introdução de militares – monitores e uma direção paralela (o oficial de gestão escolar) – constitui uma medida plausível para a sua resolução? Os problemas disciplinares dificilmente resolvidos por professores e diretores formados em competências educacionais e psicopedagógicas poderiam sê-lo por militares sem competência profissional para isto?

Seriam os militares mais eficientes do que professores e diretores para o enfrentamento de problemas de indisciplina no interior da escola? No país em que mais ocorrem casos de violência nas escolas, os Estados Unidos, o aumento da força e da repressão tem obtido resultados satisfatórios na diminuição da violência e no aumento do rendimento escolar dos estudantes? (26) Quais são as experiências educacionais que aliaram aos procedimentos pedagógicos o uso da força e da repressão – sobretudo de natureza militar – que se demonstraram eficazes para resolver problemas de disciplina e rendimento escolar?

No ranking dos países de elevado rendimento escolar, as estratégias utilizadas para a melhoria dos índices passam pela militarização das escolas? Em algum deles as escolas da educação básica são militarizadas? Quais são as competências que os militares têm para atuar na resolução de problemas educacionais resultantes da pobreza, desigualdade social e desorganização familiar?

E mais, o gasto com a contratação desses agentes da repressão – que já estão na reserva recebendo proventos, e cujo pagamento pela escola é apenas um complemento de renda (maior do que o salário de muitos professores) – não poderia ser parte componente do orçamento destinado à melhoria das condições salariais e de trabalho dos professores?

Por que os governos, ao invés de medidas baratas e de nula eficácia, não fazem investimentos maciços em melhoria das condições de vida dos estudantes e suas famílias? Seria mera casualidade que, em linhas gerais, os mapas de desempenho escolar sejam quase uma cópia dos mapas de distribuição de renda e do índice de desenvolvimento humano (IDH)? Haveria aí alguma relação de causalidade que, mesmo sabendo, os governos não estão dispostos a enfrentar devido aos elevados custos envolvidos e, portanto, aos interesses econômicos que teriam que ser contrariados?

Esses questionamentos evidenciam que a política de expansão das escolas cívico-militares é basicamente uma ação de impacto eleitoral imediato que atende tanto aos interesses de políticos da extrema-direita (Bolsonaro) ou que flertam com ela (Ratinho Jr.) quanto de seus correligionários que, ramificados nos municípios, estão sentados na onda conservadora e servem de cabos eleitorais aos chefes de poderes executivos. Em ambos os casos, não importa o resultado a longo prazo – que será nulo ou negativo –, pois, sejam “graúdos” ou “miúdos”, esses políticos buscam apenas auferir benefícios eleitorais ao cultivar no povo a ilusão de que problemas sérios e profundos podem resolvidos com medidas baratas e paliativas.

Por fim, quanto às situações excepcionais, as quais demandam algum tipo de intervenção de força que não esteja ao alcance dos monitores, professores, pedagogos e direção da escola – portanto, situações raras e que não podem ser enquadradas nas corriqueiras situações de indisciplina escolar – existem protocolos próprios de conhecimento dos responsáveis.

Nessas situações – e somente nelas –, pode-se solicitar o auxílio das forças de segurança do estado. No caso de os protocolos serem desconhecidos ou inexistentes na rede de ensino, trata-se de promover a formação adequada e permanente dos profissionais da escola.

Portanto, não há motivo administrativo ou pedagógico algum que justifique a presença de militares em qualquer âmbito da escola, pois, como sabemos, os militares não dispõem de conhecimento administrativo que não seja também conhecido pelos profissionais civis – e, diga-se, o escopo de atuação destes é muito mais vasto – e nem pedagógico, pois não são formados para o exercício da atividade docente, que demanda longa formação em cursos de licenciatura e especializações para as quais a formação militar é completamente alheia.

Para efeitos práticos positivos, a cultura e a prática militar são o oposto do que as escolas necessitam, que é melhoria salarial, das condições de trabalho e qualificação profissional de professores, coordenadores e diretores, bem como atenção, acolhimento, paciência e cuidado aos estudantes, com amplo fomento – e não cerceamento – às experiências democráticas de convívio social.

Contribuição do Sindiprol/Aduel ao debate disponível em: sindiproladuel.org.br

27 de fevereiro de 2024

1) Segundo a APP-Sindicato, “este foi um processo marcado pela condução autoritária do governo, sem prazo para o debate nem espaço para o contraditório, escandaloso uso da máquina pública, episódios de coação e censura a educadores(as) e estudantes, restrição ao voto de alunos(as), entre outras irregularidades que põem em xeque sua legitimidade” (https://appsindicato.org.br/44-escolas-dizem-nao-a-militarizacao-e-sim-a-gestao-democratica/).

2) Inclusive, com o fim do seu governo, os fatos demonstram que ele esteve envolvido com militares e civis numa tentativa de golpe de Estado, que, não tendo se consumado no prazo desejado – antes das eleições presidenciais de 2022 –, foi incentivado após a posse de Lula e culminou no medonho 8 de janeiro de 2023.

3) Comentário do dia: Dez vezes em que o presidente Jair Bolsonaro fez ameaças à democracia. (https://congressoemfoco.uol.com.br /area/pais/comentario-do-dia-dez-vezes-em-que-o-presidente-jair-bolsonaro-fez- ameacas-a-democracia/).  Brasil: Bolsonaro ameaça pilares da democracia. (https://www.hrw.org/pt/news/2021/09/15/379911).

4) Número de militares em cargos civis cresce e passa de 6 mi no governo Bolsonaro. (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/numero-de-militares-em-cargos-civis-cresce-e-passa-de-6-mil-no-governo- bolsonaro/). Inclusive, com forte presença “nos cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) e Função Comissionada do Poder Executivo (FCPE). Os titulares desses postos gozam de poder e prestígio administrativo na burocracia governamental. Entre 2013 e 2018, a presença de militares nessas posições variou de 303 cargos para 381. Com a chegada de Bolsonaro ao poder, o número praticamente dobrou em 2019, chegando a 623 cargos. Em 2021, eram 742. Nos cargos de “natureza especial”, considerados de primeiro e segundo escalões, a presença de militares passou de 6 para 14” (https://www.estadao.com.br/politica/presenca-de-militares-em-cargos-de-confianca-cresce-193-no- governo-bolsonaro/).

5) Bolsonaro inelegível pela segunda vez: veja os próximos passos dos processos contra o ex-presidente. (https://g1.globo.com/politic a/noticia/2023/11/01/bolsonaro-inelegivel-pela-segunda-vez-veja-os-proximos-passos- dos-processos-contra-o-ex-presidente.ghtml)

6) Revisão de sigilos de Bolsonaro aponta uso do estado nas eleições, diz CGU. (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/05/revi sao-de-sigilos-de-bolsonaro-aponta-uso-do-estado-nas-eleicoes- diz-cgu.shtml).

7) Dez fatos que ligam a família Bolsonaro a milicianos. (https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto- bula/reportagem/dez-fatos-que-ligam-a-familia-bolsonaro-a-milicianos/).

8) A sucessão de erros que levou à crise de oxigênio em Manaus. (https://www.poder360.com.br/brasil/a-sucessao-erros- manaus-dw/).

9) Número      de      militares     em      cargos     civis     no      Executivo      triplica     em      menos      de      10      anos. (ttps://www.estadao.com.br/politica/presenca-de-militares-em-cargos-de-confianca-cresce-193-no-governo- bolsonaro). Sim, houve significativo aumento do número de militares no MEC, mas “corte de verbas, corrupção, luta ideológica e retrocesso nos principais indicadores formam legado do governo Bolsonaro no setor [da educação]” (https://www.correiobraziliense.com.br/brasil       /2023/01/5062795-retrocesso-na-educacao-marca-o-fim-do-governo- bolsonaro-veja-problemas.htmlhttps://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/01/5062795-retrocesso-na- educacao-marca-o-fim-do-governo-bolsonaro-veja-problemas.html).

10) Não é só o FNDE: Desmonte do Inep mostra descaso com a educação. (https://noticias.uol.com.br/colunas/dialogos- publicos/20 22/06/22/nao-e-so-o-fnde-desmonte-do-inep-mostra-descaso-com-a-educacao.htm).

11) “No governo Bolsonaro, os perfis de presidentes do Inep são bastante inadequados, como Delegado de Polícia Federal, ex-diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), consultor dos Correios, servidor da carreira de Analista de Comércio Exterior e gerente administrativo em instituição privada de ensino superior. Todos contrastam com a tradição de excelência dos presidentes deste órgão, que costumeiramente contava com reitores de destacadas universidades públicas, pesquisadores de referência no campo da avaliação educacional, e gestores com experiências relevantes na educação pública (como em secretarias de educação e em cargos anteriores no MEC, no Conselho Nacional de Educação”. (https://noticias.uol.com.br/colunas/dialogos-publicos/2022/06/22/nao-e-so-o-fnde-desmonte-do-inep- mostra-descaso-com-a-educacao.htm).

12) 11 erros do ministro da Educação que você não pode cometer no Enem. (https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/10/15/veja -erros-do-ministro-da-educacao-que-voce-nao-pode-cometer- no-enem.htm).

13) Ministro Decotelli cai por maquiar currículo e reforça pessimismo sobre o futuro da Educação. (https://brasil.elpais.com/brasil/20 20-07-01/ministro-decatelli-cai-por-maquiar-curriculo-e-reforca-pessimismo-sobre- o-futuro-da-educacao-sob-bolsonaro.html). Aliás, acusação semelhante também pesou sobre um dos ministros do STF indicado por Bolsonaro (https://exame.com/brasil/planalto-minimiza-fraude-no-curriculo-de-kassio-marques-indicado- ao-stf/).

14) Levantamento da Folha de S.Paulo mostrou que as entidades registraram recordes negativos na área. Em 2021, o ICMBio tinha 1.470 trabalhadores – o menor número desde sua fundação, em 2007 –, e o Ibama chegou em 2022 a 2.360, o menor ao menos desde 1999 /…/ O levantamento da Folha também mostrou que a redução de pessoal na gestão Bolsonaro afetou principalmente a região mais importante a ser preservada no país e, talvez, no mundo: os nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) /…/ Para Suely Araújo, presidente do Ibama de 2016 a 2018, /…/ no governo atual [Bolsonaro], há um misto de falta de pessoal, que    é                         um                  processo             histórico,          com                   uma           incapacidade                              gerencial          gigante”. (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/12/bolsonaro-turbinou-indicacoes-e-esvaziou-controle-de-ibama-e- icmbio-sobre-amazonia.shtml).

15) Presidente do Ibama é afastado pela Justiça em operação que mira contrabando. (https://www.correiobraziliense.com.br/politica /2021/05/4925470-acao-da-pf-contra-salles-e-meio-ambiente-cumpre- 35-andados-no-df-sp-e-pa.html).

16) A mamata veste farda? Veja 10 casos de suspeitas de corrupção e crimes de militares desde 2019. (https://www.brasildefato.com.br /2021/07/09/a-mamata-veste-farda-veja-10-casos-de-suspeitas-de-corrupcao-e- crimes-de-militares-desde-2019). Além dos casos citados nesta reportagem, é exemplar o envolvimento do Major Mauro Cid e seu pai no caso das joias dadas de presente pelo ditador árabe, além das suspeitas que recaem sobre o próprio Bolsonaro e a ex-primeira-dama. (https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/08/11/corrupcao-chegou-as-quatro- estrelas-do-exercito-diz-historiador-sobre-suspe itas-de-venda-de-joias.ghtml).

17) Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, 2019, p. 7. (https://www.gov.br/mec/pt- br/media/acesso_informacacao/pdf/ 10DIRETRIZESPECIMVERSO_observaes_14072021convertido2.pdf )

18) Por causa da EC/95, que impôs o teto de gastos no governo de Michel temer, a saúde perdeu recursos em 2019. Porém, a intenção de manter achatado o orçamento da saúde em 2020 foi comprometida pela pandemia e as demandas geradas por ela. Por isso, manteve apenas os cortes nas outras áreas sociais, como Educação e Assistência Social; em contrapartida, aumentou o da Defesa.

19) “Depois do Desmonte”: Relatório aponta os custos sociais do superávit da gestão Bolsonaro. (https://apubh.org.br/noticias/depois                 -do-desmonte-relatorio-aponta-os-custos-sociais-do-superavit-da-gestao- bolsonaro/).

20) O que muda, na prática, com a carteira verde e amarela? (https://www.brasildefato.com.br/2019/11/21/o-que-muda- na-pratica-com-a-carteira-verde-e-amarela)

21) Presidente Jair Bolsonaro extingue centenas de conselhos federais. (https://www.conjur.com.br/2019-abr- 14/presidente-jair-bolso naro-extingue-centenas-conselhos-federais/).

22) Essa informação vale apenas para os primeiros mandatos, pois, no governo, em maior ou menor medida, todos tomaram medidas de cerceamento das liberdades democráticas e tentaram deslegitimar as instituições e os processos eleitorais para, conseguindo ou não, se manterem no poder.

23) “O levantamento do Estadão também fez a comparação com 2014. Naquela eleição havia 1.205 dessas candidaturas que aludem ao militarismo. Com a onda bolsonarista de 2018, eles passaram por um incremento de 32,7%. Em 2022, segue a tendência de alta. Em oito anos, o crescimento acumulado foi de 68,4%”. (https://www.estadao.com.br/politica/candidaturas-ligadas-a-militares-e-a-forcas-de-seguranca-crescem-27/).

24) Governador         confirma        que        Estado         vai        incorporar        escolas        cívico-militares       federais (https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Governador-confirma-que-Estado-vai-incorporar-escolas-civico-militares-federais).

25) Instrução normativa conjunta  n.º 009/2020 – DEDUC/DPGE. (https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/fil                                                        es/documento/2021- 01/instrucaonormativa_092020_curri culoecc.pdf ).

26) Ao contrário, cresceu 794% em uma década. https://www.poder360.com.br/internacional/violencia-armada-em- escolas-cresceu-794-em-uma-decada-nos- eua/#:~:text=Segundo%20a%20plataforma%2C%20273%20pessoas,176%20incidentes%20com%20134% 20v%C3%ADtimas.

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