A semana vem a reboque das tragédias múltiplas que a chuva enviesada desenha em solo gaúcho. Não por isso as muitas outras agonias existenciais que o país testilha deram folga.
Há muito a pontuar.
Iniciemos com o julgamento tirado no TSE em data de 21/05, que culminou na mantença do mandato do senador sérgio moro. Sou Advogado há quase 40 anos e isso me ensinou que decisões judiciais não se discutem senão no cenário apropriado (o próprio judiciário). Assim as irresignações possíveis e os comentários palatáveis devem vir limitados ao entendimento sufragado (em si) e não aos interesses (sub e adjacentes) a quem não deu jurisdição, nem a recebeu.
Noves fora, penso que o TSE decidiu bem, naquilo que o fez nos lindes do estado democrático de direito, respeitando as prerrogativas garantistas do senador julgado (moro).
Por esse viés entendo que a decisão deva ser destacada. Não pelo resultado em si, mas sim pelo caminho percorrido em direção ao desfecho, suposto que o então juiz moro jamais concedeu igual tratamento aos infelizes que estiveram sob sua jurisdição – com a palavra meus amigos Michel Saliba e Roberto Bertoldo…
Aqui a vida empresta extraordinária metáfora aos que a observam, (re)significando e destacando a necessidade de se respeitarem as diferenças, respeitando e observando a letra da lei.
Traduzindo: o só fato de achar moro um equívoco de terno (e assim o considero) não autoriza querer-lhe abaixo da linha da cidadania, naquilo que a lei não lhe faz qualquer distinção por seu caráter – à menor ou a maior.
Assim é que o TSE dá, ao país e ao mundo, valorosa demonstração de sua condição democrática, ao julgar um inimigo do estado democrático de direito nos limites da lei e sob o lume de toda garantia que o processo deve ao jurisdicionado.
Passado o julgamento de moro, importante observar a proliferação das ofensas com as quais o presidente argentino (javier milei) trata o mundo estranho ao seu entorno, naquilo que potencializa a violência em causa própria, como está disciplinado no manual do bom fascista, editado pela companhia dos imbecis e amplamente difundido pela época de pouca luz que vivemos.
No ponto, o sicofanta milei esteve presente em Espanha, atendendo ao convite de um evento do vox, o partido político de extrema direita ibérico e, ao discursar, javier ofendeu a primeira dama dos espanhóis (Bergoña Gomes), a quem chamou de corrupta.
Para entender e dimensionar a última estupidez de javier (primo inter pares dos estúpidos latinos), importante lembrar que Bergoña foi denunciada em Espanha, pela conduta ilícita de corrupção em polo de convívio com tráfico de influência.
Na sequência da denúncia, todavia, os procuradores pediram o arquivamento do caso por falta de provas, uma vez que o grupo que a apontou disse não ter qualquer prova das acusações, porquanto a denúncia teria base exclusiva em reportagens veiculadas na imprensa. O juiz acatou o pleito e Bergoña sequer indiciada em inquérito está.
A consequência do destempero sociopata de milei foi a opção política do Presidente espanhol (Pedro Sanchès) em chamar o seu embaixador na Argentina de volta à Espanha, encerrando a longa e histórica relação formal entre os países.
Não gosto de falar de milei – aliás não gosto dele, a quem considero um equívoco ainda maior do que o cometido por aqui, em 2018, na eleição do messias dos fascistas. Mas não posso deixar de registrar que sua ofensa à primeira dama dos Espanhóis, mentindo sobre fato pontual ao discursar para extremistas de direita em Espanha, custa caro às relações espano argentinas, em severo prejuízo às pessoas que seguem suas vidas colhendo o mal que brota da árvore da ignorância.
Reitero o que venho dizendo há algum tempo: a terra de Borges, de Maradona e de meu amigo Ariel (um Palácio de conhecimento) não merece o peso de um fascista como milei.
Revisitados moro e milei, não esqueço do governador do Rio Grande do Sul (eduardo leite) que, no então apequenado programa de entrevistas da Rede Cultura (Roda Viva), disse que não deu maior atenção aos muitos alertas climáticos porque teria outras pautas (a expressão utilizada foi ‘agenda’) a considerar.
Na sequência volto minha atenção a fala distópica e covarde do prefeito de Porto Alegre (sebastião melo) sobre a tragédia, especificamente na parte em que este senhor responsabiliza os governos do PT em POA pela catástrofe, ao argumento que a esquerda esteve no poder por dezesseis anos (1988 a 2004).
Penso que mais falar é menosprezar a capacidade de meus dois leitores me suportarem.
Assim e com os gaúchos (governador e prefeito de POA) pensava encerrada a semana de triste memória, naquilo que a dupla desafortunada de empatia e circunstância, atirou à lama que vem do Guaíba o que poderia ser um recomeço de autoestima democrático, ao desenharem estratégias defensivas neoliberais, naquilo que alinham (em plena efervescência da maior catástrofe climática da história dos gaúchos) interesses (de mercado e de política) às circunstâncias de governo, ao evidenciarem suas prioridades na consecução de seus mandatos pelo estado dos Veríssimos (Érico e Luis Fernando).
Ele (leite) já havia sido extraordinariamente infeliz (para falar o mínimo) quando pediu diminuírem as doações aos desabrigados para não prejudicar o ‘comércio local’ gaudério (submerso como tudo por lá). Agora ele se supera (como se isso fosse possível, Deus meu!) ao dizer que desconheceu alertas climáticos por que optou por outras pautas (‘agendas’).
De sua parte o prefeito (melo) chama à responsabilidade a administração petista, cuja última volta na cidade de Porto Alegre remonta ao ano de 2004, para livrar a sua cara da lama que escoa do Guaíba sem a devida contenção, vinte anos depois…
O que passa com o mundo? Esgotamos o modelo comportamental de empatia e respeito e embarcamos de vez na selvageria da tutela dos interesses econômicos da classe dominante? É disso que se trata?
Penso que sim, com o gravame da proliferação da corrupção nas hipóteses de valoração de interesses, naquilo que Stephen Morris (Corruption and Politics in Contemporary Mexico, 1991, University of Alabama Press, Tuscaloosa) concebeu, ao alertar que haverá corrupção (política) toda vez que o ‘agente fizer uso ilegítimo do poder público para beneficiar um qualquer interesse privado’.
Nessa esteira, o que já era muito difícil digerir, se potencializa nas considerações do colega de tucanato de eduardo leite (o morto vivo aécio neves), acerca da catástrofe gaúcha.
Respeitosa licença, o mineiro sequer deveria ter lugar de fala sobre tragédias, naquilo que, ao perder o pleito eleitoral à presidência da República em 2014, não respeitando o resultado das urnas, iniciou a costura do impedimento da Presidenta Dilma – à luz do dia e sob as bênçãos dos jornalões que propagandeiam os interesses das famílias midiáticas pátrias (frias + marinho + civita + mesquita) e de nossa decadente elite econômica.
Essa semente putrefata fez eclodir o ovo da serpente e abriu o armário do fascismo tupiniquim. Os livros de história já registram a pobreza de espírito do menino mimado que queria gerir a nação, enquanto os livros de economia, tanto quanto, registram o custo de sua alquimia desvalorativa da democracia, em polo de convívio com o declínio econômico do Brasil.
Não por acaso éramos (ao final do governo de Dilma Roussef) a sexta economia do mundo. Iniciamos 2023 na 16ª posição deste ranking – e, apenas para destacar, do terceiro mandato de Lula em diante (menos de 18 meses) recuperamos o 8º posto econômico mundial.
Isso tudo aglutinado pode parecer apenas um sarapatel de circunstâncias infelizes a nos machucar pela vida, mas não. De tragédia (moro + milei + eduardo leite + sebastião melo + aécio) em tragédia (ascensão do fascismo) fica mais do que evidente que a derrocada de nossa qualidade democrática está intimamente ligada à queda absurda de caráter de homens e mulheres (jamais deixaria zambeli e kicis no limbo) públicos.
Assim e então, o silogismo esgrimido evidencia que os péssimos atores políticos aludidos não sustentam a equação mínima dos povos em polo de convívio com o princípio ético mínimo do estado democrático de direito.
Tristes trópicos, onde a tragédia resulta da tragédia!
Saudade Pai!
João dos Santos Gomes Filho para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.