A inexistência de uma legislação focalizada no assunto dificulta apuração e denúncias
Levantamento realizado Data Lawyer, empresa de assessoria na área de jurimetria, a pedido da Folha de São Paulo, identificou que o número de ações trabalhistas motivadas por “assédio sexual” mais que triplicaram nos últimos quatro anos e já chegam a 48 mil casos. Somente no ano passado, 2022, foram registrados 6.440 novos processos. O contingente representa aumento de 208% em comparação a 2018.
O estado de São Paulo lidera com 7.967 ações, seguido por Rio Grande do Sul (2.114); Rio de Janeiro (1.946); Paraná (1.926) e Minas Gerais (1.573). Contudo, especialistas alertam que a quantidade pode ser ainda maior, visto que a pesquisa considera apenas casos públicos, ou seja, que não tramitam em segredo de Justiça, recurso frequentemente empregado face às denúncias de assédio sexual. O estudo é desenvolvimento através de uma varredura nos processos judiciais e não identifica a identidade de gênero e orientação sexual das vítimas.
Desde 2001, assédio sexual é considerado crime no país. Conforme estabelecido no Código Penal, corresponde à: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Por se tratar de relações hierarquizadas, tais crimes são mais recorrentes em ambientes de trabalho ou em escolas e universidades.
Entretanto, a legislação trabalhista não contempla resoluções específicas para o tema, isto é, não existe procedimentos para a identificação da conduta e nem sugestões de penalidades, por exemplo. “Temos acompanhado o crescimento de queixas, vide o caso de Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, acusado de assediar diversas funcionárias. Mas a denúncia ainda é um caminho difícil, principalmente, porque estamos falando de situações de poder em que trabalhadores e chefias não possuem a mesma força. A necessidade de subsistência muitas vezes fala mais alto e não podemos culpabilizar as vítimas por isso, ao contrário, temos que avançar no estabelecimento de leis que as resguardem”, afirma a advogada Janaína Bertão.
Mas a profissional também alerta para o fato de que nem sempre os agressores ocupam postos de maior hierarquia do que as vítimas. Além disso, destaca que em casos nos quais as denunciantes são mulheres, a dificuldade para a instauração de um processo de investigação torna-se ainda maior, isto porque a cultura machista tende a deslegitimar tais vozes em todos os espaços.
“É sabido que as mulheres são as principais vítimas de assédio no país. Precisamos avançar em estudos mais detalhados que permitam ver como isto ocorre no mercado de trabalho. Mas a suspeita é que elas também sejam as vítimas mais frequentes neste ambiente. Entretanto, acompanhando alguns casos de perto, observo que a mesma tentativa de minimizar a violência, desacreditar do relato e tentar impedir que processos avancem é muito comum”, ressalta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.