Governo federal assinou um acordo apenas com parte da categoria. Maioria dos servidores votou pela rejeição da proposta e continuação da greve
No último 28 de agosto, o presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Alessandro Stefanutto, anunciou que aguardava o “fim da greve” dos trabalhadores do órgão após assinatura de acordo. O mandatário referia-se à proposta assinada entre representantes da CNTSS (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social) e do MGI (Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos).
Segundo o acordo firmado, a recomposição salarial ocorrerá em duas etapas, sendo a primeira em janeiro de 2025 e a segunda em abril de 2026. A principal concessão feita pelo governo federal foi a garantia de que a carreira do INSS será reconhecida como estratégica ao Estado, com atribuições exclusivas, evitando terceirização.
Entretanto, no dia seguinte (29 de agosto), em plenária da FENASPS (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social), os trabalhadores deliberaram pela manutenção e ampliação da greve.
“Não houve, formalização de nova proposta que atenda às pautas da categoria”, informou a Federação em nota. A entidade não reconhece acordos assinados por outras organizações que não atendem às pautas da categoria do seguro social e sem discussão com a base.
Lincoln Ramos, diretor da FENASPS e do SindPRevs/PR (Sindicato dos Servidores Públicos Federais em Saúde, Trabalho, Previdência Social e Ação Social do Estado do Paraná, explica que, atualmente, existem três entidades sindicais que congregam os servidores do INSS, sendo que a CNTSS – responsável pela assinatura do acordo com o Palácio do Planalto – agrega o menor número de trabalhadores.
“A grande maioria dos trabalhadores está na base das outras duas entidades, em especial, na base da FENASPS. Apresentamos a proposta do governo federal para os nossos trabalhadores, fizemos assembleias estaduais e depois, na sequência, uma plenária nacional para coletar as informações. E a plenária chegou à conclusão de que, na verdade, o governo não respondeu nenhuma das pautas dos trabalhadores”, pontua.
“A reestruturação dos locais de trabalho, condições de trabalho, o governo não colocou nenhum item que resolveria ou pelo menos apontasse uma solução. Nenhuma das reivindicações dos trabalhadores do INSS apresentadas para o governo foram resolvidas. Então, obviamente, a plenária rejeitou a proposta e indicou a manutenção da greve, a greve continua”, ele complementa.
Entenda
Conforme noticiado pelo Portal Verdade, desde 16 de julho, servidores do INSS deflagraram greve após meses de negociações com o Palácio do Planalto que não resultaram em melhores condições de trabalho e remuneração.
A categoria reivindica reajuste salarial, reestruturação das carreiras, incluindo nível superior como critério de ingresso para técnicos do seguro social, jornada de trabalho de 30 horas semanais, fim do assédio moral institucional, além do cumprimento do acordo de greve firmado em 2022. A paralisação atingiu pelo menos 17 estados (saiba mais aqui).
“Nenhum dos gargalos mais importantes que gerou essa greve, o governo respondeu. Não resolveu nenhum dos pontos do acordo de greve de 2022, a pauta econômica que o governo respondeu para o ano 2025, 2026, coloca um valor até interessante, mas tira uma gratificação dos trabalhadores. Então, eu dou, mas tomo. Isso não resolve a reivindicação financeira. A questão da carreira, que é um ponto também importante, a reestruturação da carreira do INSS, ele [governo federal] não colocou nenhuma proposta concreta”, adverte a liderança.
Em julho, o governo Lula (PT) apresentou proposta de reajuste que prevê 9% em 2025 e subiu o índice em 2026 de 3,5% para 5%, porém, sem recomposição salarial desde 2016, a categoria acumula defasagem salarial em torno de 22%.
Além disso, Viviane Peres, assistente social, servidora do INSS em Londrina e diretora da FENASPS, pontua que a remuneração dos trabalhadores é composta por gratificações como a GAE (Gratificação de Atividade Executiva) e a GDASS (Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social). Esta última oscila mediante a produtividade institucional e individual.
A GAE, gratificação que existe há mais de 30 anos, instituiu que todo o aumento no vencimento básico tem que ser multiplicado por 160%. Em substituição a GAE, o governo propõe a GAT (Gratificação de Atividade). Para os servidores em início de carreira, os valores poderão ser menores em relação àqueles que estão hoje no mesmo patamar, incluindo apenas valores no vencimento básico e na prática congelando a GAE.
A medida tem sido amplamente criticada pelos trabalhadores. Estimativa da FENASPS alerta que mais de 50 mil aposentados e pensionistas podem ter suas gratificações suspensas.
“A gente fez na greve de 2022 uma proposta de fazer a transposição de parcela dessa GDASS para o vencimento básico, para ter uma estrutura minimamente mais organizada da remuneração dos servidores, esta pauta o governo não está querendo atender. A GAE representa 160% do vencimento básico, então, ao transpor para GDASS tem impacto na GAE e é exatamente essa GAE que o governo quer fazer a extinção”, observa Peres.
Criminalização do movimento grevista
Nesta quarta-feira (4), servidores do INSS ocuparam o gabinete do presidente Alessandro Stefanutto, em Brasília. A mobilização ocorre em protesto à portaria que determinou que as ausências dos grevistas sejam registradas como “falta injustificada” a partir de 28 de agosto, quando o MGI informou a assinatura de acordo.
A ocupação visa cobrar a revogação da portaria que “ataca o direito de greve” e solicita abertura “imediata” de nova mesa de negociação sobre o reajuste salarial.
“Cumpre destacar que o presidente do INSS não possui nenhum cargo de representação sindical que o autorize a anunciar qualquer decisão em relação à greve dos trabalhadores e não fala em nosso nome. O direito de greve é um direito constitucional conquistado através do sangue dos trabalhadores que enfrentaram ao longo de séculos um histórico de repressão pelos poderes constituídos”, alerta comunicado da FENASPS.
Os servidores desocuparam o espaço cerca de 24 horas depois, após a revogação da portaria.
Ramos também salienta as tentativas de criminalização do movimento grevista. “Uma greve não acontece da noite para o dia, não acontece porque alguém quer fazer greve, ela acontece porque minimamente as condições de negociação entre os dois lados não obtiveram frutos. Nós tivemos uma greve, em 2022, onde vários assuntos da atual pauta foram pactuados, foi feito um acordo de greve com o governo e esse acordo não foi cumprido. Então, só essa premissa já nos permite entrarmos em greve pela atual legislação”, afirma.
No final de julho, governo federal recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra a greve dos servidores do INSS. Por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), o governo pede a suspensão da greve e retorno imediato servidores às suas funções.
Ainda, solicita que pelo menos 85% das equipes de cada unidade do INSS mantenham as atividades durante greve sob pena de multa diária acima de R$ 500 mil em caso de descumprimento.
“Há uma ação clara por parte do governo de, sim, criminalizar a greve, ou de tentar criminalizar a greve e, portanto, tentar acabar com ela na marra”, avalia.
Governo Lula é denunciado a OIT por descumprir acordo
No último mês, o governo Lula foi denunciado à OIT (Organização Internacional do Trabalho) por descumprir acordo de greve assinado entre servidores do INSS e a gestão de Bolsonaro (PL).
A denúncia foi apresentada pela Sinssp (Sindicato dos Trabalhadores do Seguro Social e Previdência Social de São Paulo).
“Um presidente da República que vai na mídia dizer para todo mundo que nenhum servidor será punido por conta de greve, que a greve é reconhecida como um direito. Paralelo a isso, o governo vai lá e judicializa a greve, manda descontar o salário dos servidores. Mesmo em governos muito mais à direita do que o atual governo, o corte de ponto foi no máximo em 30%”, assinala Ramos.
“Ele [presidente Lula] diz que abre negociação, que conversa, mas não faz nenhuma proposta concreta para resolver aquilo que realmente é importante da nossa greve. Então, se por um lado vem de uma imagem de que é um governo pró-trabalhador, por outro lado, as ações do governo são ações muito negativas, colocam o trabalhador na berlinda, criminalizam o trabalhador por estar usufruindo de um direito de greve”, complementa.
“Ninguém faz greve porque gosta, a greve acaba sendo o último recurso do trabalhador, o recurso mais difícil que o trabalhador tem para usar para fazer valer o mínimo de negociação possível com o outro lado que no caso é o governo, então, é uma avaliação de conjuntura de que, infelizmente, não temos outro instrumento a não ser a manutenção da greve”, diz.
Outra solicitação dos servidores é a realização de concurso público. Atualmente, o INSS tem mais vagas desocupadas do que servidores em atividade. O déficit chega a 21 mil cargos em aberto. Em dez anos, a quantidade de funcionários caiu de 39 mil para 19 mil, sendo a aposentadoria o principal motivo.
De acordo com Ramos, o comando de greve permanece mobilizado e uma série de estratégias estão sendo traçadas. Entre elas, as lideranças sindicais estão tentando diálogo com senadores e deputados a fim de obter apoio para as demandas da categoria.
“São várias ações que estão sendo feitas e o comando de greve está coordenando todas essas ações no sentido de pressionar o governo o máximo possível, para que abra efetivas negociações e que a gente resolva essa greve o mais rápido possível. Lembrando que a greve dura o tempo que o governo leva para negociar com os trabalhadores”, finaliza.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.