Por escrito, Maria Alice Erthal disse que não teve a intenção de usar palavras como “forma de repressão” contra moradores em situação de rua
A presidente da FAS, Maria Alice Erthal, pediu desculpas e afirmou que fez “mau uso das palavras” ao sugerir o uso da Guarda Municipal para amedrontar moradores em situação de rua. A retratação foi alinhada em texto e lida por uma representante da Prefeitura em reunião do Conselho Municipal da Ação Social (CMAS) na tarde desta terça-feira (29). A pauta previa a participação pessoal da presidente na assembleia, mas Erthal decidiu não comparecer. A ausência não foi justificada.
A nota de retratação lida pela conselheira Melissa Ferreira, chefe de Qualificação e Relações do Trabalho da fundação, reiterou o que já havia sido dito pela gestão de Rafael Greca (PSD), de que a intenção de acionar a Guarda era para garantir segurança aos servidores da FAS. No entanto, a presidente não especificou na carta os riscos aos quais estariam submetidas as equipes nas abordagens citadas no áudio vazado. “Não foi intenção [usar as palavras] como forma de repressão”, dizia outra parte da carta. Mais da metade do documento foi uma referência ao currículo de Maria Alice, que, segundo ela, “tem uma vida dedicada a buscar o direito das pessoas em situação de vulnerabilidade”.
Representantes da FAS defenderam a gestora – referiram-se à declaração como equívoco – e, por maioria, conseguiram suprimir de uma carta aberta a sugestão de afastamento de Erthal do cargo. O documento será encaminhado em ofício pelo CMAS a diversas entidades e instituições, inclusive, à própria prefeitura e ao Ministério Público do Paraná (MPPR), que já abriu uma investigação para apurar o caso.
O debate sobre o áudio vazado da chefe da FAS foi o mais aguardado na assembleia do conselho desta terça-feira. O conteúdo, dado em primeira mão pelo Plural na última quarta (23), mostrou que a presidente pediu aos servidores o acionamento da Guarda Municipal para para provocar “um pouquinho de medo” em grupos de moradores de rua assentados no Centro de Curitiba. Ela também determinou às equipes a necessidade de “tirar aquele povo dali”.
A pauta levou mais de duas horas em discussão. Grace Kelly Ferreira, da diretoria de Atenção à População em Situação de Rua, afirmou que os grupos citados por Erthal no áudio foram abordados, mas não quiseram deixar os espaços. “Nós cumprimos as diretrizes e não retiramos ninguém compulsoriamente. Aquelas pessoas foram abordadas, convidadas a acessar aos serviços da FAS, mas preferiram permanecer nos locais com os seus pertences”, disse a diretora. Até então, a fundação não havia respondido se o deslocamento dos grupos havia sido feito como ordenado pela presidente da entidade.
Desta vez vazou
Representantes da sociedade civil criticaram o teor da retratação redigida pela gestora. Assistente social da FAS e representante do Sismuc, o sindicato dos servidores municipais, a conselheira Daraci Rosa dos Santos, disse que o pedido de desculpa encaminhado por Erthal “não repara o dano” causado na imagem da entidade.
Ela também discordou de justificativa dada pela fundação de que a sugestão de acionar os agentes de segurança era para proteger as equipes. “Não era porque as equipes não estavam naquele território. As orientações sempre foram de solicitar a guarda quando ocorre o conflito e, neste caso, não estava ocorrendo conflito porque as equipes não estavam lá”.
“Não é possível que a gente aceite isso como um lapso de linguagem. Não foi um erro, uma manifestação equivocada. Existem relatos de nossos colegas que trabalham na abordagem de que tem sido diretriz dessa gestão – só que desta vez vazou –, quando o prefeito vai nas regionais ou em algum evento em determinada região, seja sozinho ou com autoridades, que é para limpar o trajeto, tirar a população em situação de rua do seu caminho”.
Conselheiros ainda lamentaram a decisão da presidente de não ir à reunião, que ocorreu dentro da própria FAS. “Absurdo é a FAS, tendo na sua estrutura organizacional uma superintendência de gestão, superintendência executiva, duas assessorias de gabinete, chefia de gabinete, expor uma conselheira para que fizesse a apresentação da sua manifestação, em um momento tão delicado como este”, disse Renan Ferreira, outro conselheiro.
Em participações on-line e presencial, a reunião desta terça-feira do conselho teve mais de 70 participantes.
Ao Plural, após o fim do debate, Grace Kelly Ferreira, do serviço de Atenção à População em Situação de Rua, disse que não podia responder sobre a ausência da presidente na reunião porque não era de competência dela e reiterou que a fundação não tem respaldo para sugerir a atuação dos agentes da Guarda Municipal nas abordagens corriqueiras. “De forma alguma [compete à FAS acionar a Guarda]. A diretriz que eu sigo é a diretriz do serviço especificado da abordagem de população em situação de rua”, disse.
Fonte: Jornal Plural