Professor não foi previamente comunicado sobre saída, sabendo da destituição através de edital
Um professor, que ocupava a direção de uma escola estadual na zona Sul de Londrina, foi destituído do cargo por opor-se à política educacional privatista e de ranqueamento encampada pelo governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD). A queixa foi realizada pelo docente, que prefere não se identificar por receio de represálias, ao Portal Verdade.
“Temos visto que nos últimos anos, a gestão da educação pública do estado, por meio da SEED [Secretaria Estadual de Educação], é muito mais voltada aos resultados do que ao processo de ensino aprendizagem e uma educação de qualidade”, relata.
O profissional ocupava o posto há três anos, após ser eleito pela comunidade escolar, ou seja, pais e demais responsáveis, professores, funcionários e estudantes. Porém, o seu vínculo com o colégio ultrapassa uma década.
“Criei vínculos com a comunidade através da convivência em sala de aula, com os colegas de trabalho e famílias. Todas as minhas relações sempre pautadas pelo diálogo. A comunidade reconheceu meu trabalho como professor e posteriormente como diretor”, diz.
De acordo com o professor, durante os três anos de gestão, a SEED impôs o ensino médio integral no colégio, abrindo a possibilidade do credenciamento para a direção, conforme normativas criadas pela pasta.
No final de 2024, o docente, por motivação da própria comunidade escolar, optou por se credenciar, o que possibilitaria manter-se na direção por mais tempo, porém, segundo ele, o processo não teve a lisura e clareza necessárias.
“Afirmo isso, partindo da premissa que uma entrevista que possui caráter eliminatório e é subjetiva teve peso de 70% na média. Não há garantias de que não houve interferências externas nessa avaliação, por exemplo, a direção não possui relação de proximidade com a chefia direta, logo a nota da mesma deve ser menor. Saliento que os entrevistadores foram indicados pela própria SEED”, observa.
Ofertando desde ensino fundamental II até ensino médio técnico, o colégio possuía cerca de 1 mil alunos em 2024. A média de frequência foi de aproximadamente 84%.
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Sem comunicação
Ainda, segundo o docente, não houve justificativa ou comunicação por parte da Núcleo Regional de Educação e instâncias superiores.
Ele soube que não ocupava mais o cargo através da publicação de editais, responsáveis por apresentar o resultado do credenciamento. Documentos estes que, salienta o professor, foram disponibilizados fora do prazo.
“Em 27 de dezembro de 2024 havia um edital de resultado final, que foi tornado sem efeito no dia 14 de janeiro de 2025. Um confusão e descaso com os gestores que se preocupam com a comunidade que representam, e não estão no cargo por indicação ou proximidade com cargos superiores”, assinala.
Ainda assim, ele adverte que quando a comunidade escolar questionou o Núcleo Regional de Educação sobre a sua saída, foi informado que ele havia pedido para deixar o cargo, o que garante que não ocorreu em nenhum momento.
“Em meio a isso, a direção do colégio foi direcionada para outra pessoa que não pertence a comunidade e não conhece os desafios e pontos fortes da mesma. Por fim, ventilou-se a informação que eu havia pedido para deixar a direção, o que não é verdade, tanto que participei do processo, mesmo não acreditando na isonomia do mesmo”, ele complementa.
Resistência à política meritocrática
O docente salienta que durante o período em que liderou a comunidade escolar, a cobrança por índices de frequência e notas dos estudantes, além do uso de plataformas impostas pelo governo Ratinho, tornaram-se cada vez maiores.
Ele ressalta que procurou distanciar-se desta lógica. “Buscamos dar o melhor possível, não forjando dados, não manipulando índices, apenas trabalhando com a realidade presente no ambiente do colégio. A pressão é sempre grande sobre índices e resultados, mas pontuamos no IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]. Há algum tempo não conseguimos esses índices e melhoramos significativamente a qualidade da educação no colégio”, adverte.
O Palácio do Iguaçu tem propagandeado que a “educação do Paraná é a melhor do Brasil”. A afirmação está baseada em dados do IDEB. Entre 2021 e 2023, o Paraná aumentou de 4,8 para 4,9 a sua nota no IDEB no ensino médio, o que inclui as escolas públicas, sob gestão do governo estadual, as escolas privadas e institutos federais.
Com isso, o estado manteve a liderança nacional alcançada em 2021. O levantamento é conduzido pelo MEC (Ministério da Educação) e INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Contudo, entidades sindicais como a APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) têm alertado que estes índices são reflexo de uma lógica meritocrática, que privilegia apenas resultados, negligenciando as condições de trabalho dos professores e de aprendizagem dos estudantes, o que tem levado ao adoecimento massivo da categoria e sobrecarga dos alunos que têm que lidar com um número significativo de plataformas, por exemplo.
As entidades salientam que durante o governo Ratinho, tem sido adquiridos diversos aplicativos para padronizar o currículo e vigiar o trabalho docente. A maioria das plataformas é comprada de empresas privadas. Além disso, a utilização é imposta aos educadores e estudantes, mesmo nos estabelecimento de ensino em que faltam computadores para atender todo o corpo discente.
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Para o professor, apesar da falta de justificativa, a causa para que fosse retirado do cargo foram as divergências entre o modelo de gestão imposto pela SEED e Núcleo Regional de Educação de Londrina e o que exercia. Ele destaca como principal diferença a gestão dialogada, com respeito às diferenças.
“Não creio que uma comunicação agressiva irá dar resultados, sempre pauto toda e qualquer ação pelo diálogo, não grito com as pessoas, não exijo aquilo que não é de sua competência. É notório e público a forma como, especificamente no NRE de Londrina, os diálogos são truncados e por vezes agressivo. Desrespeitar o trabalho de alguém que lidera uma comunidade escolar porque os dados são reais e não manipulados é uma forma de divergência e agressão contra o outro. O modelo de resultados não pode ser superior ao modelo constitucional que preza por uma educação pública, gratuita e de qualidade”, adverte.
O docente pontua que entrou com recurso contra a nota obtida na entrevista. Ainda, o educador reforça que segue acreditando na educação como processo de emancipação e um dos pilares da democracia.
“Não dou credibilidade ao processo, então, não sei que outros meios legais ainda podem ser discutidos. Ainda sim, o que me mantem na educação e me faz continuar acreditando nela é que a democracia dever ser mantida e respeitada. Porque não sujeitar os credenciados ao crivo da comunidade escolar para que seja democrático”, conclui.
A reportagem solicitou mais informações sobre o caso à SEED e aguarda retorno.
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Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.