Coletivo cria estratégias para mobilizar paranaenses contra privatização das escolas estaduais
No último sábado (22), ocorreu o 14º Congresso Regional da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) – Núcleo Londrina. Com a temática geral “Democracia, Direitos e Inclusão Social”, o encontro aconteceu ao longo de todo dia na sede do coletivo, localizada no centro da cidade.
A atividade reuniu educadores das redes municipal e estadual de ensino, bem como lideranças sindicais e de demais frentes progressistas. O caderno de teses do 14º Congresso Estadual da APP-Sindicato orientou os debates, contemplando questões diversas como os planos de lutas para funcionários de escola, aposentados, adoecimento da categoria, combate ao racismo e direitos da comunidade LGBTQIA+ (acesse documento na integra aqui).
“O Congresso é um local de aprendizado, luta, fortalecimento para termos análise das conjunturas e sabermos o que é realmente bom para as escolas públicas”, avalia Rosemara, funcionária de escola há mais de três décadas.
Hoje, atuando na Escola Estadual Antônio de Moraes Barros, no Jardim Bandeirantes, ela ressalta que é uma das poucas trabalhadoras concursadas no colégio. Com as vacâncias, seja por aposentadoria, licenças, falecimentos, e sem a realização de concursos públicos, na unidade a maioria dos funcionários é composta por profissionais terceirizados. Ao todo, são 12 trabalhadores admitidos por este regime.
“São funcionários menos valorizados. A empresa não vai na escola, quando tem alguma dificuldade, tem que mandar e-mail para a empresa e demora muito para responder. Se recebem salário incompleto não tem muito onde recorrer, a dificuldade de informações é imensa”, relata.
Segundo Rosemara, a alta rotatividade de trabalhadores também é um dos reflexos das contratações terceirizadas. “Troca muito, o funcionário não consegue se acostumar com a escola e nem a escola com ele. Quando ele está se acostumando, ele sai e vai para outro lugar, porque o salário é muito pouco”, observa.
Levantamento da APP-Sindicato identificou que, atualmente, metade do quadro de funcionários de escola já está terceirizado em todo o Paraná. Juntamente à falta de direitos, a terceirização custa, no mínimo, R$ 114 milhões a mais por ano aos cofres públicos.
Encontros regionais são realizados nos 29 núcleos sindicais distribuídos pelo Paraná e antecedem a etapa estadual marcada para os dias 11 a 13 de julho.
“Não venda minha escola”
Ainda, durante o Congresso, foi lançada a campanha “Não venda minha escola”. A mobilização é uma resposta à aprovação do projeto de lei nº 345/2024, proposto pelo governador Ratinho Júnior (PSD). Nomeado de “Parceiro da Escola”, a iniciativa autoriza que a administração de 204 escolas estaduais – aproximadamente 10% da rede – seja repassada para iniciativa privada.
A legislação foi aprovada em caráter de urgência pela ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) no início deste mês. Desde o início da tramitação, a APP-Sindicato tem denunciado a falta de diálogo por parte da SEED (Secretaria Estadual de Educação).
Mesmo com o projeto sancionado, a entidade tem encampado uma jornada de lutas em defesa da escola pública. Entre as ações estão o questionamento da legalidade do programa e a tentativa de barrar as privatizações durante consulta pública, prevista para acontecer em outubro deste ano, conforme pontua Marlei Fernandes, secretária de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato.
“O movimento tem várias estratégias, a jurídica, de questionar junto ao STF [Supremo Tribunal Federal], a legalidade da lei, quiçá, possamos barrar antes de chegar outubro. Além do processo judicial, vamos ampliar para adesivos, instalação de outdoors, carros de som para as comunidades, nós vamos às igrejas, nas diversas religiões, aos movimentos populares, coletar assinaturas, às portas das escolas”, adverte.
“Defendemos a escola pública em sua integralidade, com gestão pública, mais recursos e que a classe trabalhadora, que os estudantes possam estar nas escolas públicas concluindo seus estudos”, complementa a liderança.
Além do teor autoritário da votação, ela ressalta que as duas escolas escolhidas para o projeto piloto (Colégio Estadual Aníbal Khury, em Curitiba, e Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais) estão novamente na lista para privatização. “É tão ilegal que as duas escolas privatizadas a toque de caixa em 2022 estão na lista novamente, o que aconteceu? Porque tem que passar novamente pelo processo? Isso significa que desde o início não foi correto”, analisa.
Diálogo com a população
Nelson Cardoso, representante da Central de Movimentos Populares, também chama atenção para a necessidade de fortalecer o diálogo com a população. “Nós queremos trabalhar na ponta, juntamente com as entidades que se organizam nos bairros, nos assentamentos, nas ocupações, para que a gente possa estar junto com a APP para combater essa privatização das escolas, que a gente tem certeza que isso só vai prejudicar tanto os alunos, os pais de alunos e os professores”, diz.
Ele reforça que um dos principais encaminhamentos é discutir junto às comunidades, as reais consequências do programa para educação pública. O desafio torna-se ainda maior, visto que a gestão Ratinho tem usado a máquina pública para realizar o envio massivo de propagandas sobre o projeto ao mesmo tempo em que desqualifica opositores à medida, e exemplo das tentativas de criminalização da greve deflagrada pela categoria no início deste mês.
“A gente quer, através da nossa organização de base, fazer as reuniões para justamente esclarecer a comunidade, porque muitas pessoas não têm a oportunidade de aprofundar no assunto e entender, e a gente vê que o governo do estado tem trabalhado na mídia propagandas que, ao invés de esclarecer, acaba confundindo mais a população, e nós queremos, junto com a APP, cumprir com esse papel de esclarecer e mobilizar as comunidades para que possamos reverter essa questão da privatização das escolas”, assinala.
Educação pública é luta constante
Iara Aparecida de Lima, professora aposentada, é filiada à APP-Sindicato desde 1960. Ela lembra que, em diferentes períodos, como os governos de Álvaro Dias (Podemos) e Beto Richa (PSDB), a luta em defesa da escola pública também se fez necessária.
“Eu sempre fui a favor da educação pública, sou o resultado de uma educação pública e vou continuar sendo, enquanto tiver consciência, enquanto tiver possibilidade física, eu vou continuar participando para que as escolas continuem sendo públicas e que os professores sejam cada vez menos lesados”, afirma.
Rosemara demonstra a preocupação com o direito dos estudantes à escolarização, principalmente, os com deficiência, entre outros transtornos de aprendizagem. “É inviável para a escola, para a comunidade, é um retrocesso porque, na verdade, vai voltando o que era na época do império, só vai ter acesso a educação quem tiver uma condição financeira boa, quem não tiver problema de saúde. Temos muito estudantes que tem problemas de saúde, professores que acompanham. Com a privatização, a empresa quer lucro, a pessoa tem que render e a que tem dificuldade de aprendizagem, não serve”, destaca.
“Será ruim para os profissionais que ficarão ainda mais desvalorizados. Está na cara que a propaganda é enganosa, quando falam que não vai cobrar, pode ser que não agora, mas está aberto para isso, até porque o projeto não diz que não pode, está em risco”, alerta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.