A tragédia do Rio Grande do Sul deixa o mundo perplexo pela área atingida em todo estado. São mais de 350 municípios em estado de emergência, milhares de desabrigados. Porto Alegre virou a New Orleans do furacão Katrina, mas não tivemos um furacão aqui!
Quais os fatores que causaram tal tragédia? Podemos elencar alguns que podem colaborar para elucidar esta questão: o primeiro é o fator ambiental, ligado ao aquecimento global, causado pela ação humana dos últimos 150 anos, com o lançamento de gases na atmosfera, como o carbônico, o metano e óxido nitroso. Esses gases geram o efeito estufa, aquecem o planeta e alteram as dinâmicas climáticas, causando eventos extremos como este do Rio Grande do Sul.
Uma combinação de baixa pressão, associada a um canal de umidade, que ficou estacionado por dias numa mesma região, causou uma precipitação intensa num curto espaço de tempo. Geralmente, esses fenômenos se deslocam e vão diluindo seu impacto em outras regiões, mas quando ficam estacionados, todo o volume precipitado acaba por atingir uma mesma região, no caso o estado do Rio Grande do Sul. A média mensal de precipitação no estado é de, aproximadamente, 150 mm e 1000 mm para a média anual, mas, em cinco dias, tivemos mais de 600 mm caindo em vários municípios.
Junto a isso, temos outros fatores geográficos. Mais da metade do território riograndense é drenado para a Lagoa dos Patos e, consequentemente, para o Oceano Atlântico. Um terço do território do estado é drenado pelas bacias dos rios Jacuí, Taquari, Antas, Caí, Sinos e Gravataí. Toda a água drenada por essas bacias desagua no Lago Guaíba, que é um prolongamento da Lagoa dos Patos, muito próximo a Porto Alegre, localizada em grande parte na planície costeira. Até então as águas não haviam inundado a capital portoalegrense, com exceção de um evento nos anos 1940, no qual, depois dele, um muro foi construído para segurar as águas do Guaíba.
Um outro fator geográfico que potencializou as inundações foi o efeito “maré de tempestade”, uma maré que cresce e, com um efeito de represamento, impede a saída das águas da Lagoa dos Patos. Ou seja, tivemos uma precipitação extrema estacionada e represada ao mesmo tempo. Isso fez com que as planícies costeiras inundassem, atingindo diretamente a cidade de Porto Alegre.
Poderíamos encerrar aqui as causas geográficas, mas ainda temos as consequências da geografia política, que também é um fator na causa da referida tragédia.
Vamos começar dizendo que esse evento extremo estava previsto; inclusive, este é o quarto em 12 meses. Em 2023, tivemos três, com mortos, feridos e destruição de partes de várias cidades no mesmo estado. O CEMADEN, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, já havia emitido um alerta para o evento de setembro do ano passado, que resultou em 54 mortes, mas as autoridades não agiram. Na semana passada, o alerta também foi feito, com previsão de 800 mm para o Vale do Taquari até o domingo dia 5. Nada foi feito!
O governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), novamente, apenas coloca o colete da Defesa Civil e vai às televisões dizer que foi mais uma vez surpreendido, não conseguindo esconder a sua inabilidade e inoperância em mais um evento catastrófico.
Este político, adepto da ideologia neoliberal, que prega a afirmação de políticas destrutivas de toda a coisa que tem interesse público, incluindo a diminuição do estado, entrou no governo no ano passado e logo mandou um projeto, que foi aprovado, revogando várias leis do código ambiental do Rio Grande do Sul, “abrindo a porteira pra boiada passar” na escala estadual.
Criou o autolicenciamento ambiental, que é uma aberração por si só, e no qual a fiscalização não existe. Liberou o Agro para fazer ações ligadas à exploração da água, inclusive, em áreas de proteção permanente, que deveriam ser preservadas, um crime até então! Mas, como agora está dentro da lei, o deixa de ser! Apesar de não deixar de ser uma ação deliberada de destruição!
Da mesma forma, a Prefeitura, governada por Sebastião Melo (MDB), não investiu um centavo de real na prevenção de enchentes em 2023. A prevenção de desastres sequer é citada nos programas de governo do prefeito de Porto Alegre e do governador do Rio Grande do Sul. Estima-se que faltem mais de 1000 funcionários no Departamento Municipal de Água e Esgotos – DMAE, órgão que também gerencia a drenagem pluvial. Essa falta de quadro técnico precariza os serviços, juntamente com sua infraestrutura, que também está sucateada.
Uma das comportas do Muro Guaíba, por falta de manutenção, não suportou a pressão da água e permitiu o vazamento que inundou a cidade. O prefeito Sebastião Melo é acusado de atuar, desde 2022, para privatizar a autarquia. Essas são claras características das políticas neoliberais, que drenam não a água em momentos de enchentes, mas a mão de obra e os investimentos necessários para manter os serviços com qualidade. O resultado é uma extrema incapacidade em momentos de crise, justamente quando o Estado tem que estar presente.
As políticas neoliberais, muito típicas de governos de centro direita e extrema direita, são também as responsáveis pela tragédia riograndense.
É preciso ter políticas públicas que envolvam a prevenção e a adaptação. Sistemas de alerta precoce, associados a um planejamento urbano focado na resiliência, com investimentos em infraestrutura e corpo técnico. Assim como é preciso ter governantes que, quando a tragédia ocorre, não fujam de suas explícitas responsabilidades.
Fábio da Cunha
Professor Dr. Fábio César Alves da Cunha é geógrafo e docente associado do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Londrina UEL. Possui mestrado em Planejamento Ambiental (UNESP), Doutorado em Desenvolvimento Regional (UNESP) e Pós-Doutorado em Metropolização pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Trabalha com geografia urbana e regional, planejamento urbano e ambiental, geopolítica e metropolização.