Grupo classifica medida como “PL das Milícias Digitais”. Além da exposição de dados sigilosos, coletivo também alerta para demissões em massa
O comitê de trabalhadores contra a privatização da Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná) lançou abaixo-assinado na última sexta-feira (confira aqui). O grupo classifica o projeto como “PL das Milícias Digitais”, por colocar em risco dados sensíveis e sigilosos dos mais de 11 milhões de paranaenses. Para o coletivo, as informações poderão ser usadas por golpistas e munir o crime organizado.
O projeto de lei nº 661/2024, que estabelece a venda da Celepar, foi proposto pelo governador Ratinho Júnior (PSD) e enviado à ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) no último dia 4 de novembro. O texto tramita em regime de urgência. A proposta já foi aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e a expectativa é que seja levada ao plenário ainda nesta semana.
Em entrevista ao Portal Verdade, Paulo Jordanesson Falcão, advogado do comitê, sinaliza que no projeto de lei não foram apresentadas justificativas que comprovem a necessidade de vender a estatal, nem mesmo benefícios que poderiam surgir com a desestatização.
Somente em 2023, a Celepar que teve lucro líquido de R$ 200 milhões. “A decisão parece ser mais ideológica do que baseada em uma análise técnica detalhada dos impactos e das alternativas”, diz.
Ao contrário disso, Falcão evidencia que a privatização da Celepar pode trazer prejuízos de diferentes ordens. Além do impacto financeiro, já que a empresa pública possui uma série de contratos com prefeituras e outros órgãos, também há o enfraquecimento da soberania estadual.
“Eventualmente, se a Celepar for vendida, poderá gerar grave dano ao patrimônio público, pois o banco de dados que ela possui, armazena e processa, bem como toda a sua estrutura, tem valor bilionário e pode gerar prejuízos materiais e imateriais ao estado do Paraná”, adverte.
“A privatização da Celepar, sem a devida revisão e regulação, coloca em risco a privacidade dos cidadãos paranaenses, pois dados sensíveis poderiam ser tratados sem o devido consentimento, controle público adequado e a proteção necessária, violando direitos fundamentais e expondo os indivíduos a possíveis abusos e vazamentos de informações, o que sinceramente acabará ocorrendo, pois presume-se que irão subcontratar e contratar vários serviços terceirizados em busca de mão de obra barata”, ele complementa.
Fundada em 1964, a Celepar é a primeira empresa pública de tecnologia da informação do país. Atualmente, a estatal conta com 980 funcionários. No local, ficam os servidores que guardam todos os dados dos paranaenses, como informações sobre notas escolares, históricos médicos, infrações de trânsito e pagamentos de impostos.
O projeto prevê duas mudanças no Estatuto da Companhia. A primeira delas garante que a sede continuará no Paraná. A segunda é que deverão ser mantidas no estado as infraestruturas físicas de armazenamento e processamento de dados existentes na data de publicação da lei, pelo prazo mínimo de dez anos.
O governo do Paraná ainda não definiu o modelo a ser adotado, seja com alienação parcial ou total dos bens. Os estudos devem levar cerca de um ano e meio. Após isso, se os deputados aprovarem a privatização, a venda deve ocorrer na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo.
Ratinho esconde projeto até período eleitoral
Conforme noticiado pelo Portal Verdade, a tentativa de privatização da Celepar foi levantada em agosto, quando a primeira página do projeto vazou e chegou a ser divulgada pelo deputado estadual Arilson Chiorato (PT), mas à época, o mandatário do Palacio do Iguaçu negou que o projeto estivesse em andamento.
Em setembro, a Celepar firmou um contrato no valor de R$ 2,6 milhões com a consultoria Ernst & Young, sem licitação, para a realização de um estudo sobre o posicionamento estratégico da companhia.
Falcão ressalta que o entendimento da categoria é de que o governador escondeu a intenção de vender a Celepar até o fim das eleições municipais a fim de evitar um possível desgaste dos candidatos que apoiava, incluindo os prefeitos eleitos, Eduardo Pimentel (PSD) em Curitiba e Tiago Amaral (PSD), em Londrina.
“Em primeiro lugar, há de se destacar que essa inexigibilidade de licitação aplicada se não é ilegal, é imoral. Existiam outras empresas que poderiam estar se habilitando para fazer essa espécie de auditoria. A proposta de privatização da empresa foi ocultada até então unicamente por conta das eleições municipais. Após o segundo turno da eleição de Curitiba veio à tona. Os trabalhadores acreditam que o governo apenas queria evitar desgaste, pois a privatização é alvo de muitas críticas”, adverte.
Ao todo, o PSD, legenda de Ratinho, conquistou 164 das 399 prefeituras do Paraná no último pleito.
Nesta segunda-feira (11), a pedido da bancada PT-PDT, ocorreu na ALEP, audiência pública para debater a privatização da Celepar. Os parlamentares oposicionistas têm criticado a medida. Além de tentar atrasar a ida do projeto à Tribuna, com pedidos de vistas, os deputados que são minoria na Casa, prometem entrar com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) caso a matéria seja aprovada.
Impactos para os trabalhadores
Falcão ressalta que uma das principais preocupações, caso o projeto avance e não sejam apontadas emendas, é a demissão em massa de funcionários, impactando o sustento de muitas famílias.
“Lembramos que tratam-se de trabalhadores concursados em sua maioria, fizeram o concurso buscando também estabilidade. Podemos dizer até que tratam-se da “elite” do processamento de dados no Brasil, pois muitos dos que passaram vieram de outros locais do Brasil, tendo um conhecimento técnico absurdo sobre programação, instalação, suporte e invenção de novos softwares”, observa.
Até o momento, o abaixo-assinado concentra 2.721 assinaturas. A expectativa é atingir pelo menos 5 mil adesões.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.