Entrevista com o neuropsicólogo Ocimar G. Olivetti mostra como melhorar clima organizacional
O mês de setembro acende o sinal amarelo para que as pessoas possam cuidar de sua saúde mental. E a prevenção deve ser tomada não apenas para antever casos extremos. O adoecimento da mente e o esgotamento físico é uma das principais causas de afastamento do ambiente de trabalho. Dados do Ministério da Previdência Social mostram que, em 2023, foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais no Brasil. Isso representa 38% a mais do que em 2022, quando foram concedidos 209.124 benefícios.
O assunto é sério. Tanto que um projeto na Câmara dos Deputados visa conceder a órgãos integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS) o poder de polícia administrativa em matéria de saúde do trabalhador. Segundo o autor do Projeto de Lei 1103/2024, deputado federal Alexandre Lindenmeyer (PT/RS), embora a saúde do trabalhador seja um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988, “a vigilância em saúde do trabalho ainda enfrenta diversos obstáculos para o seu pleno exercício, entre eles a falta de poder de polícia administrativa para fazer cumprir as normas e os padrões de proteção à saúde dos trabalhadores”.
E os problemas que afetam a saúde do trabalhador não estão restritos a uma classe social, gênero ou idade. Em diversos aspectos e motivos, o trabalhador pode ter a sua mente abalada. O Brasil de Fato Paraná conversou com Ocimar G. Olivetti Filho, neuropsicólogo e palestrante consultor em saúde mental e bem estar, que abordou o assunto com alertas tanto para os profissionais quanto para as organizações. Segundo o especialista, nas organizações, “dificilmente se fala em promoção da saúde mental e prevenção de adoecimento mental. Essa é uma temática relativamente nova. A gente sempre falou em promoção e prevenção na área fisiológica”.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato PR: Pressão por resultados e cumprimento de tarefas, jornada controlada com rigor, retirada de benefícios. Essas são muitas iniciativas que gestores tomam para dar lucro ou atingir seus objetivos. Isso traz benefício à saúde do trabalhador e que prejuízos podem trazer?
Dr Ocimar G. Olivetti Filho: Essa é uma realidade que ultimamente a gente tem vivido muito por conta desse atingimento de metas. Metas cada vez mais aumentadas e, sem dúvida nenhuma, esse tipo de atitude traz algumas consequências negativas para a saúde do trabalhador. No sentido de aumento dos níveis de ansiedade, estresse, desesperança e uma série de pensamentos catastróficos e negativos acerca do futuro. Então, esse tipo de angústia, essa emoção, pode ao longo do tempo gerar, ou reiniciar, transtornos de humor. Tem algumas patologias que inclusive são muito comuns em algumas classes de trabalhadores, como ansiedade, estresse, depressão, burnout. Sem dúvida nenhuma, esse tipo de pressão pode gerar um transtorno/sofrimento emocional.”
Brasil de Fato PR: Explica o que é burnout e suas origens?
Dr Ocimar: Burnout é uma palavra em inglês que, numa tradução livre, significa ‘queimar para fora’, mas que, num diagnóstico psiquiátrico, significa um esgotamento mental e físico devido à relação que esse indivíduo estabelece com o seu trabalho. Então, é uma doença relacionada ao estresse, principalmente com etiologia laboral. Diferente do outro estresse que a gente tá acostumado a falar, pode ser por uma questão vivida na nossa relação conjugal, na nossa relação social, na nossa relação com os amigos, o burnout é um estresse que tem como causa a nossa relação com o trabalho, normalmente um trabalho rígido, um trabalho onde nós não podemos expressar nossa espontaneidade, um trabalho com metas desumanas, um trabalho com tratamento por parte da chefia, da gerência, é rígido, não afetivo e não tem uma série de critérios, uma série de desenhos que vão apresentar pro especialista, que vão nortear o especialista em saúde mental na diferenciação de um estresse normal de um estresse natural do dia a dia para o burnout, que é um estresse relacionado ao trabalho.
Brasil de Fato PR: E quais são as consequências do burnout?
Dr. Ocimar: As consequências normalmente são: sofrimento psíquico, humor deprimido, aumento do nível de ansiedade, absenteísmo, desesperança, sofrimento em pensar que tem que trabalhar. É mais ou menos aquela ideia de que o profissional, ele no domingo, entra em sofrimento ao pensar que tem que trabalhar na segunda e, durante a semana, ele só fica esperando a sexta-feira. Então, isso é uma sinalização de que a sua relação com o trabalho não está saudável. Você não precisa amar o teu trabalho, mas ele precisa ser saudável, ele não pode se tornar um ponto de ansiedade, até porque a gente passa muita parte do nosso dia no nosso trabalho. Então, você imagina uma vida com esse peso, com esse sofrimento.
No burnout, as pessoas se enganam de que ele está restrito ao ambiente profissional, mas ela só começa ali. Suas consequências respingam na sua vida pessoal, familiar, sexual, social. Então, a pessoa fica inabilitada para dar conta da sua vida de uma forma geral.
Brasil de Fato PR: Como medir se os funcionários estão emocionalmente saudáveis? Questionários e dinâmicas não podem trazer falsos resultados?
Dr. Ocimar: A gente utiliza principalmente na área da psicologia testes e questionários para avaliação do clima organizacional, para avaliação da saúde do trabalhador. E depende do contrato que a gente vai estabelecer com esse funcionário, com essa equipe, com a gestão, no sentido de usar métodos que preservem a identidade dos funcionários.
Em alguns momentos, dinâmicas abertas que os funcionários precisam se expor. Eu entendo que a gente mescla os momentos em que o funcionário possa se expressar de forma individualizada, de forma anônima. Isso favorece um resultado de maior fidedignidade. Não é porque ele não tem ali a angústia ou fantasia da retaliação, ele se expressa livremente porque há um contrato firmado de que a identidade dele está preservada.
Brasil de Fato PR: O que é estresse crônico e que impactos físicos ele pode trazer?
Dr. Ocimar: A palavra crônica significa continuada, ininterrupta. Então, nós temos uma série de doenças crônicas, conhecidas como diabetes, hipertensão, são condições físicas que a pessoa vai precisar de um controle, de um monitoramento, de uma intervenção médica a longo prazo, geralmente sua vida toda. E nós temos também doenças crônicas na saúde mental. O estresse crônico pode ser uma delas. O estresse é uma resposta fisiológica do nosso corpo, que seria autolimitada. O saudável do estresse é ele tem início, meio e um fim. O estresse crônico seria um indivíduo que não teve a interrupção do estresse, da secreção do cortisol. Então, é como se a pessoa estivesse o tempo inteiro alerta, hiper vigilante, e com pensamento negativo, um pensamento catastrófico. E essa pessoa não consegue períodos de relaxamento para interromper esse ciclo, para interromper essa secreção de cortisol, que é um dos hormônios principais no nosso organismo relacionado ao estresse. Então, é como se a pessoa vivesse o tempo inteiro esperando por algo ruim, alerta, em sofrimento, é como se ela estivesse lutando e fugindo ininterruptamente.
Brasil de Fato PR: O adoecimento mental não é uma “exclusividade” dos trabalhadores plenos e seniores. É possível notar nos jovens um stress mental?
Dr. Ocimar: A juventude é uma fase marcada pela entrada do jovem, do indivíduo, nesse contexto laboral. Então, é uma descoberta, e isso gera uma ansiedade já natural, né? Como eu vou me relacionar com pessoas diferentes? Como eu vou seguir normas rígidas, muitas vezes dentro das empresas? Como eu vou abrir mão do meu tempo livre, do meu lazer, para estar trabalhando, para estar fazendo entregas para uma empresa? Então, é uma fase de descobertas, e se a empresa não está preparada para acolher esse jovem numa fase da vida repleta por dúvidas, por oscilações hormonais, para dar um caminho, para dar um norte, esse jovem, ele acaba se desligando da empresa. Esse jovem acaba, muitas vezes, adoecendo por falta de amparo, por falta de percepção da empresa de que existe ali um ser humano que está tendo talvez seu primeiro contato com agrupamento de pessoas e regras diferentes da que ele estava acostumado dentro da sua própria casa.
Brasil de Fato PR: Podemos observar que muitos jovens não estão querendo ter vínculos com uma empresa?
Dr. Ocimar: Essa é uma tendência que a gente tem observado nos últimos anos. Cada vez mais, esse jovem tem buscado por atividades autônomas, empreendedorismo, trabalhos híbridos, e não têm se vinculado ao longo prazo em instituições tradicionais. Então, o que a gente observa que atrai esse jovem, que faz com que ele faça uma conexão duradoura com a empresa, é oportunizar um espaço em que a espontaneidade, em que a criatividade, seja acolhida; empresas que estão alinhadas à inovação e aos novos serviços, novas tecnologias, em que esse jovem se sinta ali numa relação de curiosidade, numa relação de crescimento, em que ele perceba, em que ele reflita que pode ali desenvolver o seu trabalho e crescer, galgar outros degraus dentro dessa empresa.
Então, isso tem atraído cada vez mais essa população jovem. A gente tem algumas Startups, algumas empresas, inclusive internacionais, que abriram recentemente no país e que têm um modelo híbrido de trabalho, em que o dress code dessa empresa é flexível, em que tem marcas consumidas por jovens dentro dessa empresa, é de alguma forma compartilhando serviços, seja café, seja um desconto nessa loja que esse jovem acaba consumindo, é podendo, por exemplo, fazer um happy hour dentro da empresa, é tendo ambientes de descompressão com sala de jogos, com puffs, e etc.
Brasil de Fato PR: Para concluir, qual é o papel do líder no contexto do clima organizacional? Essa liderança pode atuar para azedar o clima ou para tornar mais leve e tudo deve se voltar ao resultado?
Dr. Ocimar: O líder pode contribuir tanto para azedar quanto para trazer um sabor agradável para a organização. Isso vai depender muito do preparo desse líder. Quando nós participamos de encontros de lideranças ou treinamentos de lideranças, eu costumo perguntar: ‘Quem aqui de vocês é líder e está em acompanhamento psicológico? Ou quem aqui faz uma especialização em comunicação, em gerenciamento de equipe?’ Infelizmente, eu ainda me surpreendo com uma taxa muito reduzida de líderes que estão se trabalhando, estão se pensando. E às vezes ainda eu escuto aquela frase: ‘Ah, mas eu tenho uma liderança nata, eu sou um líder nato.’ Isso já caiu por terra há muito tempo porque a gente tem práticas de liderança que são mais adequadas, nós temos estratégias de lideranças positivas, engajadoras, e é impossível você ter todo esse arsenal de técnicas, de ferramentas, de forma nata.
Fonte: Brasil de Fato