Paraná agora pode receber resíduos perigosos, como os inflamáveis, de outros estados
Deputados derrubaram dispositivos legais vetados pelo governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), e liberaram a descarga de resíduos perigosos em aterros do estado, contrariando resolução do ano passado editada pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cema). A derrubada torna agora o Paraná receptor de lixo de difícil tratamento, muitas vezes rejeitado em outros estados por causa dos impactos ambientais. Apesar dos danos possíveis, a deliberação contou com apoio de políticos de alto escalação que têm famílias envolvidas em negócios de gerenciamento de resíduos sólidos no estado.
O projeto parcialmente desautorizado por Ratinho tramitou em regime de urgência entre março e maio deste ano e já havia passado por modificações após manifestações da comissão de Direito Ambiental da OAB Paraná e do Ministério Público contra trechos inconstitucionais do texto. Ele acabou aprovado após ajustes. Os vetos foram publicados uma semana depois de a propostas ser sancionada na íntegra.
Os dispositivos barrados no Executivo foram rotulados pelo próprio Ratinho como “um retrocesso na política de resíduos sólidos que vem sendo estabelecida no âmbito estadual”. Mesmo assim, um impasse entre a teoria e prática levaram a um recuo do governo em relação ao tema.
“Depois desse entendimento que tivemos do governo, deputado Marcio Nunes fez as suas contribuições juntamente com o deputado Tião Medeiros, como líder do governo eu acompanho o voto não, a derrubada do veto”, disse em apelo à base, antes da votação, o deputado Marcel Micheletto (PL).
Fontes ouvidas extraoficialmente pelo Plural não viram qualquer esforço do governo em articular os deputados para manter a proibição. A discussão dos vetos sequer passou pelo Cema. A avaliação é de que, por ser ano eleitoral, foi mais fácil agradar a gregos e troianos, com o veto primeiro e, depois, liberando a base para invalidar o ato.
A reviravolta agora torna o Paraná um estado apto a receber resíduos classificados como perigosos. Explosivos, reativos e radioativos, que constavam na primeira versão da proposta, seguem restritos, e continua válida a premissa de apresentação de licenciamento e da caracterização do descarte. Mas, ainda assim, a reviravolta abre um leque muito maior de possibilidades. Passam a ser liberados despejos inflamáveis e corrosivos, por exemplo, como os de serviços de Saúde, pesticidas e químicos orgânicos de alto teor de toxicidade.
A norma brasileira de classificação de resíduos sólidos, NBR 10004, diz que lixos da categoria perigosos podem apresentar “risco à saúde pública, provocando mortalidade, incidência de doenças ou acentuando seus índices” e ao meio ambiente, “quando o resíduo for gerenciado de forma inadequada”.
Um dos vetos derrubados, em teoria, atenta justamente para resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente, de 2021, que barrou a autorização de importação de resíduos específicos trazidos de outros estados, entre eles, com algumas exceções, resíduos de serviço da Saúde e também os contaminados com substâncias químicas classificadas como Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), empregado na indústria do agrotóxico.
Outra incoerência apontada foi o trecho da proposta que flexibiliza o envio de resíduos inflamáveis à recuperação energética quando não houver instalações devidamente licenciadas para recuperação energética a até 150km (cento e cinquenta quilômetros) de distância da fonte de geração dos resíduos.
“Neste ponto, justifica-se o veto uma vez que a disposição de resíduos que apresentem características de inflamabilidade (potencial energético) em aterros industriais significa um retrocesso na política de resíduos sólidos que vem sendo estabelecida no âmbito estadual. A proposta também contraria a Política Nacional de Resíduos Sólidos, pois a não proibição da destinação final desses resíduos em aterros no Estado do Paraná, acabará por incentivar tal prática”, diz justificativa do governador contra dispositivo.
Contudo, deputados da base de Ratinho justificaram que a derrubada dos vetos vai ao encontro das adequações já feitas pelo autor do projeto, o deputado Tião Medeiros, do PP. Marcio Nunes, ex-secretário de Desenvolvimento Sustentável do governo e de volta à Assembleia para buscar reeleição, disse que se trata de uma proposta “muito séria” para “cuidar de todo o planeta”.
“Essa presidência também faz um apelo pelo voto ‘não’, já que o deputado Marcio Nunes, que foi até há poucos dias secretário do Desenvolvimento Sustentável, concorda com a derrubada do veto”, inteirou ao coro o presidente da Casa, Ademar Traiano, que em janeiro deste ano migrou do PSDB para a sigla do governador, o PSD. Como é presidente da Assembleia, Traiano não votou.
Tanto a família de Traiano como a de Plauto Miró (União) têm filhos sócios em comum com negócios de aterros e resíduos sólidos, como já mostrou o Plural. Uma delas é a MTX Ambiental, ligada às duas famílias. A empresa também aparece como sócia da Ambiental Campos Gerais Gerenciamento de Resíduos, outra empresa de coleta, tratamento, transporte e venda de resíduos perigosos e não perigosos no Paraná.
Fonte: Jornal Plural