A crise diplomática Rússia x Ucrânia toma o noticiário mundial, que destaca a possibilidade de uma guerra entre esses dois países que poderia afetar parte da Europa. Os EUA contam como certa essa possibilidade. O que chama a atenção é a postura do Presidente Ucraniano, a parte mais interessada, ao dizer que não é preciso tanto alarmismo. É necessário resgatar alguns pontos para entender tal conjuntura geopolítica:
1- Os conflitos diplomáticos nos últimos anos vêm, quase sempre, sendo divulgados pela mídia hegemônica mundial com alto teor de ideologia, quando não, com informações incompletas e ocultas, demonstrando assim uma persistente manipulação direcionada. Um exemplo disso é a invasão ao Iraque em 2003, sob o pretexto de que Saddan Hussein tinha um arsenal de armamentos químicos, fato amplamente divulgado pela mídia. Em 2007, ficou comprovado que essas armas não existiam. Mesmo assim, milhares de cidadãos iraquianos e soldados americanos perderam suas vidas no conflito armado.
2- A partir de 1990, o processo de globalização e seu braço político, o neoliberalismo, passaram, sob o comando dos EUA, a ditar uma nova ordem mundial.
3- A Rússia, no início deste século, retomou sua soberania e a China caminha para logo se tornar a maior potência do planeta em termos econômicos. Já os EUA vislumbram a perda de sua hegemonia mundial, agravada pela crise econômica interna e inflação, além da possibilidade de países como a Rússia e a China abandonarem o dólar americano e passarem a utilizar suas próprias moedas em suas relações comerciais. É importante lembrar que esse foi um dos motivos que levou à queda do ditador iraquiano.
4- O conflito atual se dá em torno da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. A Rússia diz que não admitirá a entrada da Ucrânia nesta organização, pois ficaria mais vulnerável frente ao ocidente, já que os armamentos da OTAN chegariam muito próximo a Moscou via Ucrânia. A Rússia também aponta que, a partir da década de 1990, pelo menos 13 países passaram a fazer parte da organização e que o expansionismo que existe se dá pela OTAN e não pela Rússia.
5- Visto desse modo, a questão poderia ser resolvida da seguinte forma: basta os EUA declararem que a Ucrânia não fará parte da OTAN. Porém, não foi isso que fez seu Secretário de Estado Antony Blinkem, que, como querendo apagar fogo com gasolina, declarou que a OTAN está aberta para a Ucrânia.
6- Alguns especialistas em geopolítica apontam que o verdadeiro interesse dos EUA neste conflito não é a Ucrânia, mas sim, o “Nord Stream 2”, um segundo gasoduto no mar Báltico que fornecerá mais gás natural da Rússia para a Alemanha. Este país vem, nos últimos anos, desligando suas usinas termonucleares e precisa urgentemente daquela fonte de energia. O Norte Stream 2, mais do que reafirmar as relações comerciais entre Alemanha e Rússia, poderá, com o tempo, abrir possibilidades do abandono do dólar americano em suas transações. Isso contribuiria para uma perda ainda maior da hegemonia americana e da própria OTAN na Europa Ocidental.
7- A doutrina “Dividir o inimigo para manter o poder” sempre foi utilizada pelos EUA e, para alguns autores, o gasoduto entre Rússia e Alemanha não pode sair. Um conflito armado implodiria, literalmente, essa infraestrutura e acabaria de vez com essa possível articulação. Daí o porquê de os EUA já preverem até o dia da invasão da Ucrânia.
8- Rússia e China anunciaram no início das olimpíadas de inverno uma nova ordem multipolar. A China deu aval à defesa da Rússia, que são parceiros comerciais. Isso quer dizer que essas potências estão juntas no conflito.
9- Um conflito armado, segundo especialistas, traria a antiga ordem mundial liderada pelos EUA, além de impulsionar as grandes corporações multinacionais da indústria bélica, que ganhariam bilhões, como sempre ganharam nas últimas guerras.
10- França, Alemanha e Inglaterra ouviram alto e claro do líder russo que um conflito armado desse tipo não ficaria só na Ucrânia, mas arrastaria grande parte da Europa. A Rússia exige a declaração de que a Ucrânia não fará parte da OTAN. É bom lembrar que, segundo especialistas, só a Rússia detém a fabricação de mísseis hipersônicos.
Os pontos aqui colocados são importantes para esclarecer um pouco mais o atual conflito diplomático, que é mascarado por um discurso hegemônico midiático, que faz questão de ocultar importantes informações num mundo apreensível e mal informado.
Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha é geógrafo e docente do departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina