Em 2022, violência policial cresceu 56% na cidade ante a 2021
Na última quinta-feira (15), o movimento “Justiça por Almas, Mães de Luto em Luta” – formado por familiares de jovens mortos pela polícia – promoveu ato na Vila Recreio, região central de Londrina. O protesto lembrou os assassinatos de Davi Gregório Ferraz dos Santos, de 15 anos, e Gabriel Sartori, de 17 anos. Ambos foram alvo de tiros que partiram da polícia. O primeiro, em 15 de junho de 2022, e o segundo, no mesmo dia, em 2017.
Marilene Ferraz da Silva Santos, mãe de Davi, retornou ao local onde o filho foi morto com 15 tiros um ano depois. Ela conta que o adolescente estava prestes a começar um curso técnico na Unopar (Universidade Norte do Paraná), fruto de uma bolsa de estudos conquistada pelas boas notas no ensino fundamental cursado no Colégio Estadual Professor José Carlos Pinotti. Coroinha na Paróquia Nossa Senhora de Nazaré, localizada no Conjunto Parigot de Souza, Davi desejava ser padre, e para isso estava estudando inglês.
“Na pandemia, infelizmente, ofereceram maconha para ele. Eu acredito que, eventualmente, ele estava fumando e imagino que ele tenha vindo aqui para comprar, talvez, ou passou por aqui para depois ir para outro lugar. Meu filho era um menino que estava procurando emprego, enviando currículo para muitos lugares. Ele tinha só 15 anos, mas ele falava ‘mãe, faltam só seis meses para eu poder estagiar’. Neste dia, o Choque passou e metralhou, ele foi morto com 15 tiros, foi executado”, compartilha.
Marilene diz que soube do assassinato através da mãe de um amigo do garoto. “Os pais de um menino, amigo dele, foram até minha casa, por volta das 19h30, e eu esperando ele chegar angustiada, geralmente este horário o Davi já estava em casa. A mulher falou: Eu vim aqui porque eu também sou mãe e preciso avisar a senhora que a polícia acabou de matar o seu filho na Vila Recreio”, recorda.
Em 2022, Londrina registrou 50 mortes decorrentes de violência policial, segundo informações do Gaeco (Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado). A maioria das vítimas é composta por jovens de até 29 anos (59%) e negros (58%).
Não é confronto, mas execução
Marcos Modesto, pai de Matheus Henrique Cyrillo Modesto, também acompanhou a mobilização na Avenida Duque de Caxias. O jovem de 21 anos foi uma das vítimas da chacina que ficou conhecida como “Noite Sangrenta”, responsável por deixar 26 vítimas, sendo 12 óbitos e 14 pessoas feridas. Os ataques ocorreram entre os dias 29 e 30 de janeiro de 2016, após o assassinato do policial militar Cristiano Botino.
À época, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) instaurou inquérito para apurar a participação de dois agentes das forças de segurança pública nos assassinatos. “Depois, estes policiais foram presos, mas o juiz alegou que foram liberados por falta de provas. Londrina é campeã de mortes em supostos confrontos. Foi uma chacina, não teve confronto, não tinha arma no local”, ressalta.
Os familiares contestam a versão da polícia de que as mortes ocorreram em confrontos. Eles questionam o argumento de que vítimas reagiram às abordagens e alegam que os jovens foram executados. “Foi provado pela Polícia Científica que não havia arma com o meu filho. A Polícia escreve no laudo ‘mão em sinal de legitima defesa’. Ele levou a mão ao peito e a bala quebrou os dedos da mão dele pela força da bala”, desabafa Marilene.
Cristiane Sartori, mãe de Gabriel Sartori, afirma que a luta por justiça é o que a mantém viva. “A morte do Gabriel foi muito rápida e muito inocente. Ele saiu de casa 17h e 17h30 já estava morto. Ele foi se encontrar com amigos no colégio. A versão dos meninos é que eles tinham acabado de chegar, estavam conversando, rindo e um policial saiu e falou ‘isso é para vocês aprenderem a não fumar na frente na minha casa’ e deu um tiro que pegou bem no peito do meu filho. Ele conseguiu correr um pouco, mas caiu praticamente já sem vida”, lembra.
Cristiane destaca que o grupo não deseja extinguir as forças policiais, visto que elas são importantes para manutenção da segurança pública, e acrescenta que é importante não generalizar os agentes. Porém, cobra que policiais que abusam do poder sejam investigados e punidos pelas repressões cometidas. “Pelos maus policiais, a corporação está ficando muito manchada. Meu filho não foi nem o primeiro e nem o último. Eles continuam matando, tirando a vida de muitos jovens inocentes e fazendo muitas famílias sofrerem”, avalia.
Mas não foi esta resposta dada pelo estado a Cristiane. “Havia uma grande esperança para que ele [o policial] fosse pelo menos afastado da corporação, sempre deixei muito claro que a prisão não era o que mais lutava, queria que ele saísse, tirasse essa desonra. Infelizmente, a gente não entendeu até hoje, o promotor ao invés de me defender, deu a entender que o policial era realmente inocente. No final, acabamos perdendo o julgamento por legitima defesa sendo que em nenhum momento, até por parte do próprio assassino, nunca foi falado em legitima defesa”, adverte.
Estudo desenvolvido pela Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) demonstra que a maioria dos policias que tiram a vida de civis não são responsabilizados. De 302 homicídios cometidos, em 2021, por forças de segurança no estado, apenas três casos motivaram ação criminal. “Alguém que deveria proteger, resolve tirar a vida do seu filho, é ainda mais difícil”, complementa Cristiane.
Quem policia a polícia?
Os familiares e amigos das vítimas reivindicam instalação de câmeras nas fardas e viaturas, também cobram por exames toxicológicos e a instauração de uma força-tarefa para investigar os assassinatos. O uso de câmeras nos uniformes e veículos policiais em todos municípios paranaenses é tema do Projeto de Lei nº 448, apresentado pelo deputado Tadeu Veneri (PT), em 2019, quando ocupava uma das cadeiras da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP).
Atualmente deputado federal, Veneri também compareceu ao protesto. Ele salienta que, no final de 2022, após quatro anos engavetado, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Com isso, a medida está apta para ser levada ao plenário.
“É preciso que o presidente da ALEP coloque em votação. Eu não estou mais em Curitiba, estou em Brasília e lá também apresentamos o mesmo projeto para que possamos ter redução da violência policial. Estamos aqui hoje porque mães, pais tiveram seus filhos mortos pela polícia, a maioria em situação muito discutível. ‘Ah, mas ele fumava um cigarro de maconha’. ‘Ah, mas ele correu’, isso não é motivo para que se dê 10, 20, 30 tiros em uma pessoa. Estamos vendo uma execução feita de forma deliberada, intencional, sem que a vítima tenha chance de defesa. E a polícia é paga pelo estado para proteger o cidadão. E se ele estiver fazendo algo que infrinja a lei, a polícia é paga para prender o cidadão e não para executá-lo”, reforça o parlamentar.
A medida estabelece que os registros das gravações deverão ser arquivados pelo período de cinco anos para eventual uso em demandas judiciais e administrativas. O recurso pode proteger eventuais vítimas de abuso policial, como também ampara os próprios agentes em caso de dúvidas sobre a atuação.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.