Pasta também dificultou o diálogo dos docentes com pais, alegando que “encerraria a reunião mais cedo por tumulto”, provocado pelos educadores
Ao longo desta semana, representantes do Núcleo Sindical da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná), em Londrina, têm visitado as sete escolas selecionadas para implementação do programa “Parceiro da Escola”, na cidade e municípios vizinhos, a fim de apresentar à população os impactos da medida.
Regido pela Lei nº 22.006, o projeto proposto pelo governador Ratinho Júnior (PSD) autoriza que a gestão, inclusive financeira, de escolas estaduais seja repassada para a iniciativa privada. Isto quer dizer que serviços como merenda, segurança, limpeza deixarão de ser responsabilidade do estado e passarão a ser competência de empresas particulares.
Neste mesmo período, membros da SEED (Secretaria Estadual de Educação) têm convocado reuniões nas escolas para apresentar o programa aos pais e demais responsáveis. Professores e funcionários ativos e aposentados, vinculados à APP, têm procurado as escolas nos mesmos dias e horários definidos pela pasta com o objetivo de dialogar com a equipe, retirar suas dúvidas e emitir contrapontos.
O Portal Verdade tem acompanhado as visitas que seguem até esta quinta-feira (24).
Na última segunda-feira (21) foi a vez do Colégio Estadual Jardim San Rafael, localizado em Ibiporã, região metropolitana de Londrina. A entrada das lideranças foi liberada pela direção, mas não permitiram que os sindicalistas fizessem perguntas durante a reunião e nem dialogassem com os pais.
Durante a reunião, a diretora Nataly Nunes, informou que estava seguindo diretriz enviada pela SEED e que apenas representantes do órgão, professores que lecionam na unidade, estudantes e responsáveis poderiam se manifestar. Ela afirmou também que, em outro momento, um novo encontro poderia ser agendado pela APP-Sindicato para conversar com os responsáveis.
Apesar das promessas, o coletivo relata que tem enfrentado resistência na visita às escolas. O grupo aponta dificuldades na interlocução com docentes, funcionários, alunos e pais, evidenciando o cerceamento à atividade sindical e gestão democrática da educação.
Decreto 7.235/24, publicado em setembro último, define que para implementação do programa “Parceiro da Escola” nas instituições de ensino da rede estadual de educação básica devem ocorrer “reuniões com a comunidade escolar e a divulgação da consulta pública em todas as instituições”.
Uma das mães presentes, que preferiu não se identificar por medo de “perseguições a sua filha”, comenta o silenciamento imposto aos educadores. “Eu acho que é democracia. Então, todo mundo tem que ter o direito de falar. Eu acho que o mesmo direito que eles [SEED] tiveram de falar, a oposição [APP] também deveria de ter o mesmo direito. Por que não dar a oportunidade da outra pessoa também poder expor o lado dela?”, adverte.
Questionada se suas dúvidas sobre o programa foram sanadas pela equipe de Ratinho, ela diz que não. “Ali, só falaram o lado que beneficia eles. Se não vai mudar nada do que está sendo, então, para que fazer essa alteração?”, questiona.
No transcorrer da apresentação sobre os supostos benefícios do “Parceiro da Escola”, e mediante as preocupações dos pais, a equipe da SEED repetia que “nada mudaria”.
Uma das inseguranças compartilhadas pela mãe, ouvida pela reportagem, é a falta de comunicação com a empresa que assumir a gestão, caso o programa seja implementado. “Somos daqui, já conhecem a gente e, às vezes, é até meio complicado para poder falar, imagina pessoas de outro lugar, que a gente nunca viu na vida e nem conhece”, assinala.
A dificuldade para obter informações sobre o programa também é sinalizada por Claudio Omar da Silva, cujos filhos estão matriculados no 6º ano. “A gente fica no escuro, não dá nem para entender direito o que está acontecendo. Estão falando de vários projetos, mas não estamos por dentro de nada, não conhecemos ninguém. Tudo muito confuso, eu não aceito e não concordo”, relata.
Claudinei Ribeiro, pai de uma estudante do 1º ano do ensino médio, reforça que é contrário ao projeto, pois é responsabilidade do estado garantir a oferta da educação de maneira gratuita, universal e com qualidade. Ele também discorda das regras estipuladas pelo Palácio do Iguaçu para a consulta pública. De acordo com a SEED, a implementação do programa está condicionada à votação, podendo participar os responsáveis legais dos estudantes regularmente matriculados e os docentes e funcionários pertencentes ao quadro de servidores da instituição.
Porém, conforme o já mencionado Decreto 7.235/24, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente. “Se a gente vem votar, eles deveriam considerar esses votos, de quem compareceu independente da quantidade de pessoas, porque tem gente que não pode vir mesmo, tem pais que trabalham à noite, pais que, talvez, não tenham condições de vir na escola no dia”, avalia.
Como fica o atendimento educacional especializado?
Uma das principais preocupações apontadas pelos professores é o atendimento a estudantes com deficiência. De acordo com a professora Neusa Crepaldi, o Colégio Estadual Jardim San Rafael possui 30 alunos, que apresentam algum tipo de atendimento especializado, divididos em duas turmas. Ainda, segundo ela, um dos desafios é que as provas enviadas pela gestão Ratinho não são adaptadas para estes estudantes. O número excessivo de instrumentos avaliativos e plataformas geram desinteresse e cansaço a toda a comunidade escolar.
Outra dificuldade, apontada pela docente, é que desde a implantação do ensino integral, não houve melhoria na infraestrutura escolar, dificultando a aprendizagem dos alunos com deficiência, que demandam uma assistência mais individualizada, seguindo outras formas de gerenciar o tempo, e, portanto, distante da lógica cada vez mais produtivista adotada pelo governo estadual, que prioriza alavancar índices, desconsiderando o adoecimento em massa de professores e estudantes (saiba mais aqui).
“Continuamos com as barreiras arquitetônicas como falta de banheiros adequados, chuveiros, espaço de descanso, entre outros. Hoje, somos em três profissionais atendendo educação inclusiva, porém, esse modelo não contempla, porque esse aluno precisa de um tempo diferenciado. Eu espero que o pessoal da SEED possa reavaliar, porque esse modelo de ensino integral é cansativo, nos preocupa porque eles serão cobrados pelos mesmos índices”, diz.
“As crianças que têm dificuldade de aprendizagem também serão excluídas. A empresa prioriza lucro e essas crianças precisam de um professor específico para acompanhá-las e não irão contratar mais essa mão de obra. Na visão do governo, essas crianças que são laudadas não contribuem para esse índice de aprovação que querem atingir”, reforça Vilma Giufrida, professora da rede municipal em Cambé.
O texto aprovado pela ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná), com caráter de urgência e sob grande rejeição popular, não prevê nenhum tipo de atendimento personalizado aos estudantes com deficiência.
Carreira docente
Outra consequência levantada pelos educadores diz respeito as condições de trabalho. Vilma Giufrida evidencia a extinção da carreira nos quadros do funcionalismo público. O programa “Parceiro da Escola” estabelece a admissão de professores através de regime celetista, ou seja, sem a necessidade de concurso e, portanto, sem acesso ao plano de carreira do magistério.
Com base na Lei Complementar nº 103, de 2004, o plano possui, hoje, três níveis divididos em 11 classes cada um. O objetivo é incentivar o aperfeiçoamento profissional contínuo e a valorização do professor por meio de remuneração compatível, resultando na melhoria do desempenho e da qualidade dos serviços prestados à população do estado.
“A tendência é a gente deixar de ter professores porque, hoje, o professor concursado tem uma certa estabilidade, investe em sua carreira, prioriza a formação porque quer dar um bom atendimento para o seu aluno. O programa diz, inclusive, que não precisa nem ter formação adequada, pode ser um tutor. Então, como a empresa visa ter lucro, buscará contratar professor com menos qualificação possível”, adverte.
O programa “Parceiro da Escola” permite a contratação de licenciandos, que estejam no último ano do curso, para acompanhar os estudantes.
Ainda, a professora salienta os reflexos para o fundo previdenciário da categoria. “Nós professores que já somos concursados ficaremos prejudicados porque hoje a aposentadoria, nós temos caixa próprio da previdência, tanto no município como no estado. Nós contribuímos com o nosso caixa e se não contratar mais ninguém para suprir esse caixa, ele vai se esvaziando, chegando ao ponto de não ter mais recurso para aqueles que estão aposentados ou irão se aposentar. Tudo isso faz parte do projeto do governo para acabar com a escola pública”, assinala.
Conforme informado pelo Portal Verdade, desde 2018, o número de professores concursados tem diminuído ano a ano no Paraná, passando de 47.889 para 37.938 em 2023. Isto equivale a quase 10 mil trabalhadores a menos em cinco anos. Ainda, mesmo com cerca de 7 mil professores aguardando nomeação, face ao último certame realizado em 2023, Ratinho comunicou a realização de novo processo seletivo para admissão de 30 mil docentes temporários a partir de 2025. Atualmente, o Paraná possui aproximadamente 20 mil professores temporários para atender a educação básica, ou seja, ensinos fundamental e médio nas escolas públicas.
“Se contratam professor com pouca qualificação como os alunos irão aprender melhor? Como terá educação de qualidade se um professor mais qualificado deixará de atender aquele público? Está na cara que as futuras gerações serão prejudicadas”, reflete Giufrida.
Um dos professores que lecionam na escola atualmente, mas prefere não se identificar por receio de represálias, também manifesta a incerteza quanto a permanência dos professores. “Acredito que possa acontecer a evasão dos professores concursados, uma grande parcela pode ver como vai ficar a situação, a pressão que será bem maior, porque a empresa vai querer lucro acima de tudo, aumentar o IDEB [O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] a qualquer custo”, compartilha.
Experiência rejeitada por outros países
Márcio André Ribeiro, professor da rede estadual e presidente da APP-Sindicato Londrina, lembra que outros países, que criaram projetos semelhantes, responsáveis pela privatização de escolas públicas, têm revisto as legislações.
Um exemplo é o Chile, que em meados da década de 1980, repassou a gestão escolar para iniciativa privada. Pesquisadores indicam que, além de não ter evidências de que a aprendizagem melhorou, as desigualdades cresceram no país desde então. Ainda, estudos demonstram que as escolas que atendem alunos de camadas mais vulneráveis encontram mais dificuldades não só para responder de forma competitiva, mas também para aumentar a atratividade da escola de maneira a obter alunos e, portanto, financiamento.
“Nós precisamos entender o que é esse processo de privatização porque esse Parceiro da Escola é um apelido que o governo está dando, mas é um processo de privatização das escolas estaduais por volta de 200 espalhadas pelo estado. Este modelo de privatização que é imposto no nosso país é um projeto que já mostrou que não dá certo na maioria dos países que passaram por ele, cerca de 30, 40 anos atrás”, reforça.
“Sem nenhuma fiscalização, como poderá aumentar a margem de lucro? Contratando profissionais desqualificados com salários baixos. Provavelmente, vão dar uma maquiada nas escolas, mas embora seja muito importante a aparência das escolas, muito mais importante ainda é o processo de ensino aprendizagem que estará completamente comprometido. Essa empresa não responderá aos pais, mães, professores e funcionários e nem a SEED porque a partir do momento que assumirem, aquela escola será de total responsabilidade da empresa, então, ela vai gerir da forma que quiser e o estado não terá interferência nenhuma. É um modelo fadado ao fracasso”, complementa Ribeiro.
O regulamento prevê que, o contrato inicial firmado entre a SEED e as empresas, terá validade de 36 meses podendo ser prorrogado por igual período.
“Somos completamente contrários, estamos sendo proibidos de participar das reuniões com pais e mães, estamos ficando de fora, tendo que conversar das calçadas, debaixo de chuva, mas quando temos cinco minutos que seja para conversar com um pai e uma mãe, eles entendem o que está acontecendo, temos muita esperança que a comunidade rejeite esse absurdo que o governo vem a propor”, acrescenta a liderança.
Ribeiro também contesta declaração dada pela chefe do NRE (Núcleo Regional de Educação) de Londrina, Jessica Pieri, durante entrevistas a veículos hegemônicos da cidade, dizendo que o “governador Ratinho é democrático e irá respeitar o sim ou não” decorrente de consulta pública (veja aqui).
“A fala dela é absurdamente contraditória, se houvesse democracia estaríamos lá dentro com espaço organizado para argumentação de ambas as partes. A última resolução [Decreto 7.235/24] diz que se a consulta não der quórum, as urnas não serão verificadas e a decisão é da própria SEED. Também entendemos que isso não é democracia. Democracia se faz com ações e não apenas palavras vazias. E as atitudes da SEED demonstram o bruto autoritarismo em todos os sentidos e a sua representação aqui em Londrina, no Núcleo Regional de Educação, mostra muito bem esse autoritarismo”, finaliza.
Em Londrina, cinco escolas foram selecionadas para consulta pública que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Professora Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Estadual Doutor Willie Davids e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira. Em Ibiporã, passará pelo processo, o Colégio Estadual Jardim San Rafael, e em Cambé, o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes.
Necessidade de trabalhar afasta estudantes da sala de aula
Atualmente, Colégio Estadual Jardim San Rafael possui cerca de 300 alunos, distribuídos entre 6º ano do ensino fundamental e ensino médio. Mas, antes de adotar o ensino integral em 2020, chegou a ter cinco vezes mais o número de matrículas, conforme explica a professora Neusa Crepaldi.
“Quando veio o ensino integral, nós automaticamente perdemos o período noturno e não vimos nada substituindo. Só vemos decair. A nossa escola que tinha antes, manhã, tarde e noite, já chegou a ter quase 1.500 alunos. Então, a gente pergunta, onde estão essas crianças e adolescentes? E o que as autoridades estão pensando enquanto políticas públicas para esses jovens que pararam de estudar?”, adverte a pedagoga que contabiliza mais de 40 anos em sala de aula, sendo 20 deles no San Rafael.
A professora destaca a abrangência do Colégio, que além do San Rafael, atende outros três bairros, Terra Bonita, Santa Paula e Residencial Vila Romana. “Hoje, nós temos no terceiro ano, oito alunos, é uma lástima. Todos os anos começamos com três ou quatro turmas do 6º ano e terminar um ano letivo com oito alunos, é um afunilamento muito grande. Cadê os nossos jovens? Por que eles estão deixando de estudar?”, questiona.
Com o estabelecimento do ensino integral, ou seja, oferta de atividades nos turnos da manhã e tarde, alunos, principalmente, do ensino médio que necessitam conciliar a escolarização com trabalho, têm pedido transferência para outras escolas, como Colégio Estadual Olavo Bilac e Unidade Polo, que ainda dispõem de ensino noturno.
A redação solicitou à Secretaria Estadual de Educação o posicionamento da pasta sobre a proibição de professores e lideranças sindicais se manifestarem durante as reuniões, mas até o momento, não obteve retorno.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.