SEED extrapolou o tempo previsto para apresentação, impossibilitando que houvesse um momento para questionamentos
Continuando com a tentativa de reverter a privatização de escolas públicas no Paraná, na última quarta-feira (23), representantes da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) visitaram o Colégio Estadual Nossa Senhora de Lourdes, na zona Leste de Londrina.
O intuito foi acompanhar reunião convocada pela SEED (Secretaria Estadual de Educação) para apresentar o programa “Parceiro da Escola” aos docentes, funcionários, estudantes matriculados na instituição e seus responsáveis, embora, o comunicado enviado aos pais tenha sinalizado apenas a entrega de boletins, o que gerou grande descontentamento.
“Como os responsáveis foram convidados para atividade de entrega de boletins e de certificados dos estudantes destaques, não sendo informados da pauta do Parceiro da Escola, percebi um incômodo tanto da equipe diretiva quanto de pais que disseram que não estavam ali para isso e precisavam ir para o trabalho”, relata Luís Fernando de Carvalho, professor do colégio há quase uma década.
De acordo com o docente, a reunião lotou o auditório da escola, reunindo aproximadamente 120 participantes. Porém, a equipe da SEED extrapolou o tempo de fala, impossibilitando que houvesse um momento para que os estudantes, professores, funcionários elaborassem questionamentos.
O encontro iniciou por volta das 8h, com a apresentação do programa pela pasta, o que levou cerca de 1 hora e 20 minutos. Devido à demora, muitos pais tiveram que sair antes da reunião terminar e, portanto, sem conseguir apontar as dúvidas sobre o programa.
“Infelizmente, foi suprimido o tempo de 30 minutos para perguntas e esclarecimento de dúvidas, pois a equipe da SEED extrapolou o tempo de apresentação do programa. Eu mesmo tinha algumas questões para trazer, por exemplo, sobre o quórum no dia da consulta pública, o orçamento do programa, qual o lucro da empresa, qualificação e atribuições das empresas a serem credenciadas”, explica o professor que também precisou deixar a reunião sem obter mais informações.
Conforme informado pelo Portal Verdade, ao longo da última semana, a APP-Sindicato visitou as sete escolas selecionadas para implementação do programa “Parceiro da Escola”, em Londrina e municípios vizinhos, a fim de apresentar os impactos da medida à população.
O objetivo é dialogar com os membros da SEED, que tem organizado encontros nas escolas, procurando retirar dúvidas e emitindo contrapontos ao projeto que pretende repassar a gestão de pelo menos 204 escolas públicas para a iniciativa privada.
Regido pela Lei nº 22.006, o programa proposto pelo governador Ratinho Júnior (PSD) autoriza que a gestão, inclusive financeira, de escolas estaduais seja repassada para a iniciativa privada. Isto quer dizer que serviços como merenda, segurança, limpeza deixarão de ser responsabilidade do estado e passarão a ser competência de empresas particulares.
Folder entregue pela SEED aos pais para divulgação do programa “Parceiro da Escola” – Fotos: Luís Fernando de Carvalho
Mais uma vez professores são impedidos de entrar
Embora, a participação do professor Luís Fernando de Carvalho, representante da APP-Sindicato Núcleo Londrina tenha sido acordada previamente com a direção do Colégio, os demais professores e funcionários, vinculados à APP, foram proibidos de entrar, conforme pontua José Valdivino de Moraes, funcionário de escola, diretor da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).
“No Colégio Nossa Senhora de Lourdes, de imediato, teve a negativa da entrada, permitindo apenas os representantes da comunidade escolar, restringindo a participação de professores e funcionários devido a reunião ser no horário de trabalho e sem dispensa para participar”, avalia.
Face ao impedimento de acompanhar a reunião, os professores ficaram na porta da escola, debaixo de chuva, panfletando e tentando dialogar com os pais que chegavam para a reunião.
“Demarcamos que existe uma posição contrária a entregar a educação pública para uma empresa privada com geração de lucro em serviços que são obrigação do estado”, indica Moraes.
Normativa para a implementação do programa “Parceiro da Escola” nas instituições de ensino da rede estadual estabelece que devem ocorrer “reuniões com a comunidade escolar e a divulgação da consulta pública em todas as instituições”.
Porém, como demonstrado pelo Portal Verdade, o coletivo tem enfrentado resistência na visita às escolas. O grupo aponta dificuldades na interlocução com docentes, funcionários, alunos e pais, evidenciando o cerceamento à atividade sindical e gestão democrática da educação, princípios garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Esta é a terceira visita que grupo realizada às escolas selecionadas para implementação do programa. No Colégio Estadual Jardim San Rafael, localizado em Ibiporã, região metropolitana de Londrina, os professores foram impedidos de questionar SEED sobre privatização das escolas (veja aqui). Já em Cambé, no Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes, a porta chegou a ser trancada para inviabilizar a presença dos docentes e da imprensa (saiba mais aqui).
Ainda, conforme Decreto 7.235/24, publicado em setembro, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente.
“O exercício da gestão democrática fica duvidoso quando a lei estabelece que poderá ser definido a adesão através da participação da comunidade escolar, o que deveria ser um critério de alto definidor condicionante. Mas se não der quórum, a SEED reservou o poder de definição”, ressalta José Valdivino de Moraes, que também é representante da APP-Sindicato no Conselho Estadual do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) no Paraná e presidente do Conselho de Alimentação Escolar.
Educação deixa de ser direito para ser mercadoria
Segundo Luís Fernando de Carvalho, atualmente, o Colégio Estadual Nossa Senhora de Lourdes conta com 63 profissionais, considerando corpo docente e equipe pedagógica. Destes, 20 trabalhadores são temporários. A equipe atende 387 estudantes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio.
O quadro de funcionários de escola não é diferente. De 23 servidores, nove possuem contrato intermitente.
Em 2020, Ratinho Júnior extinguiu uma série de cargos da administração pública, entre eles os de agente educacional I e agente educacional II (Lei nº 20.199). Desde então, os funcionários de escola são substituídos por profissionais contratados por empresas. Os lotes com os Núcleos Regionais de Educação são disputados em pregões eletrônicos.
Levantamento da APP-Sindicato demonstra que há no estado 7.374 agentes de nível I e 7.467 de nível II, um total de 14.841 servidores. Hoje, em todo o Paraná, metade do quadro já é composto por terceirizados. Os cargos mais ocupados são de servente de limpeza e assistente administrativo.
Para o professor, um dos principais impactos do programa “Parceiro da Escola” é o desmantelamento da educação pública enquanto um direito universal ao passo que torna-se uma fonte de lucro para grandes empresas. Além disso, ele chama a atenção para o sucateamento ainda maior da carreira docente, visto que a iniciativa permite a contratação de professores via regime celetista, ou seja, sem a realização de concurso.
“Observamos uma intensificação da educação como mercadoria e a lógica de mercado sobrepondo índices ao papel social da escola, perda de um quadro muito bom e consolidado de professores, inclusive com mestrado e doutorado, perda do vínculo com a comunidade escolar devido a rotatividade de profissionais, aumento da desvalorização da classe de educadores com a divisão em categorias QPM [Quadro Próprio do Magistério] e temporários, prejuízo na carreira e impacto na solidez da previdência social e futura aposentadoria”, diz.
Carvalho também enfatiza a alta rotatividade de profissionais, afetando a qualidade do ensino, e reforça a possibilidade de admitir licenciandos, que estejam no último ano da graduação, para acompanhar os alunos, mascarando a ocorrência de aulas vagas. “Não está garantido ou regulamentado a ministração destas aulas por professores especialistas”, evidencia.
Em Londrina, cinco escolas foram selecionadas para consulta pública que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Professora Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Estadual Doutor Willie Davids e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira. Em Ibiporã, passará pelo processo, o Colégio Estadual Jardim San Rafael, e em Cambé, o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes.
“Como serão tratados os estabelecimentos de ensino que têm condições e demandas diferentes, alguns bastam pequenas pinturas nas paredes, outros poderão ser necessários investimentos maiores, de reforma, novos espaços a serem construídos. Quem será o responsável?”, questiona Moraes, cujas perguntas também permanecem sem resposta.
A redação solicitou à Secretaria Estadual de Educação o posicionamento da pasta sobre a proibição de professores e lideranças sindicais acompanharem as reuniões e se manifestarem, mas até o momento, não obteve retorno.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.