Sindicalistas avaliam o modelo “100-80-100” proposto e indicam que a redução da jornada de trabalho de 44 horas no Brasil ainda é a pauta primordial
O projeto que propõe uma jornada de trabalho de quatro dias deverá ser testado oficialmente no Brasil em 5 de setembro. Iniciativas pontuais e autônomas já foram realizadas, mas agora a 4 Day Week e a Reconnect Happiness at Work organizaram um teste com empresas de diferentes áreas, incluindo companhias inteiras ou setores, que vão desde o ramo de comunicação, consultorias, escritórios de advocacia e até setor de um hospital.
Estão confirmadas 20 companhias, que possuem cerca de 400 funcionários, segundo o jornal Valor Econômico. Entre as empresas que participarão da etapa brasileira para testar o modelo, com avaliações e consultoria jurídica inclusa, estão: Editora Mol, Soma, Iinspira, Clementino & Teixeira Advocacia, AB Aeterno, Smart Duo, T4S, GR Assessoria Contábil, Brasil dos Parafusos, Plongê, Haze Shift, Oxygen Experiências, Alimentare Nutrição e Serviços, Piu Comunica, Innuvem e Vockan (estas aceitaram ter seu nome divulgado).
O modelo a ser utilizado é o “100-80-100”, que significa 100% do trabalho realizado em 80% do tempo por 100% do salário.
Avaliação sindical
Segundo Nivaldo Santana, secretário Sindical do PCdoB, a redução da jornada de trabalho é uma necessidade natural decorrente do aumento da produtividade do trabalho, das novas formas de gestão e organização do trabalho.
“O avanço da tecnologia e sua aplicação no trabalho não pode ser apropriado apenas pelo capital, deve ser um instrumento para beneficiar toda a sociedade, em particular os trabalhadores”, aponta.
Nesse sentido, sobre o modelo 100-80-100, observa que o problema central é adequar a jornada de trabalho ao aumento da produtividade. “Pode ser com a diminuição dos dias de trabalho ou a diminuição da jornada diária de trabalho, de acordo com as especificidades de cada setor”, coloca o dirigente do PCdoB.
Na mesma linha, o vice-presidente nacional da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), Rene Vicente, enxerga que o avanço das chamadas TICs (tecnologias da informação e comunicação) permitiu ao capitalismo um nível de produção elevado e o movimento sindical acompanha isso com atenção.
“É fundamental que se faça o debate histórico da redução da jornada de trabalho. O avanço das TICs e, consequentemente da produção, se insere dentro do quadro de desemprego, de substituição de mão de obra por novas tecnologias. Assim esse debate que avança em vários países no mundo [diminuição de dias de trabalho] vem dentro da linha progressista de redução do tempo de trabalho”, observa.
Por outro lado, Rene lembra que essa proposta “100-80-100”, mesmo feita por organizações de fora das empresas, responde a uma demanda dos patrões.
“Não podemos nos enganar perante essa proposta elencada pelos patrões, pois esse modelo permite, justamente nesse momento de avanço das tecnologias de informação e comunicação, da automatização e robotização da produção, a redução da jornada de trabalho, mas não mexe no coração do capital que é a expropriação da mais-valia. Reduzem o tempo de trabalho sem mexer no salário, mas o grau de produção tem que continuar ou até aumentar. Assim, reduzindo o tempo de trabalho com novas tecnologias o trabalhador vai produzir muito mais em menos tempo, essa é a chave da questão. Por isso há o interesse claro em reduzir o tempo de trabalho diante da barbaridade da lógica do capital que impõe formas de exploração extenuantes, cobranças cada vez maiores, metas a serem atingidas, maior produção em menor espaço de tempo. A mais valia absoluta vai aumentando, portanto, a lógica do capital permanece a mesma”, alerta o sindicalista.
Redução da jornada: pauta histórica da classe trabalhadora
O movimento sindical e a classe trabalhadora têm na redução da jornada de trabalho uma pauta secular.
Sobre a discussão feita pelo movimento sindical, ambos são unânimes em indicar que o debate é sobre redução de jornada.
“O conteúdo das discussões é a redução da jornada de trabalho. No início do capitalismo, nos primórdios da revolução industrial, a jornada de trabalho chegou a ter inacreditáveis 16 horas diárias. A luta dos trabalhadores sempre colocou a redução da jornada no topo da agenda sindical. O 1º de maio, dia dos trabalhadores, o 8 de março, dia das Mulheres, têm em sua origem movimentos grevistas contra a superexploração capitalista baseada em extensas jornadas de trabalho. Na atualidade, é possível incorporar todos os setores e profissões em jornadas menores, é a contrapartida necessária para a evolução nos processos de gestão e organização de trabalho em contínua mudança, principalmente pelo uso de novas tecnologias, robôs, inteligência artificial”, explica Nivaldo Santana.
O dirigente da CTB complementa este entendimento ao revelar que acredita em uma proposta de redução que comece pelos trabalhadores e altere a atual carga horária brasileira.
“Temos que apresentar uma perspectiva de redução da jornada de trabalho que parta da classe trabalhadora, que questione a propriedade privada dos meios de produção, porque não adianta nada você reduzir a jornada de trabalho, sendo que o tempo livre do trabalhador, o tempo de ócio, seja capturado pela lógica do capital. O ideal mesmo é a redução da jornada no Brasil, hoje temos uma jornada semanal de 44 horas. As Centrais Sindicais defendem o que preconiza a PEC 231 de 1995, que reduz de 44 para 40 horas semanais a carga horária. Esse seria um ganho importante e daria uma perspectiva de geração de emprego enorme”, afirma.
No entanto, Rene alerta que não adianta diminuir a carga horária e aumentar o número de horas extras devido ao pagamento de baixos salários. “São contrariedades que o capital apresenta e que temos que avaliar, mas a luta da classe trabalhadora nesse momento da história é pela redução da jornada de trabalho sem redução do salário para que isso gere mais emprego e mais qualidade de vida para os trabalhadores e trabalhadoras”, completa.
Fonte: Portal Vermelho