Moradores contestam versão dos agentes de que jovens teriam reagido e estariam armados
Mais dois corpos tombados. Este é o resultado de mais uma ação truculenta da PM (Polícia Militar) na Favela da Bratac, zona oeste de Londrina. No último sábado (15), durante operação no Jardim Santiago, os agentes balearam Kelvin dos Santos, de 16 anos, e Wender da Costa, de 20 anos. Os dois não resistiram aos ferimentos.
De acordo com a PM, os jovens estariam em um automóvel com características similares a um carro utilizado para furtos em residências na cidade.
Em entrevista ao Portal Verdade, um dos familiares de Wender, que prefere não se identificar por receio de represálias, contesta a versão dos policiais.
De acordo com ele, Kelvin e Wender trabalhavam em um lava-rápido e pegaram um dos carros emprestado para buscar bebidas em uma loja de conveniência, localizada próxima à comunidade, quando foram abordados.
Os dois teriam descido do veículo de mãos levantadas, sem oferecer qualquer tipo de resistência e, ainda assim, foram alvejados com mais de 10 tiros. Ainda, segundo ele, familiares e amigos acreditam que a Polícia plantou armas junto aos corpos.
“Eles [policiais militares] defendem essa ideia para a população aceitar e como a maioria da população nunca viu ou tomou enquadro, eles abraçam essa ideia porque só assiste na TV ou em notícia de internet, só que o mundo não é assim. Já vimos muitos casos de eles pegarem arma em um lugar e levar para enquadrar alguém que é marcado. Pedir arma, pedir dinheiro, usando contra a pessoa que eles não gostam”, relata.
Não é confronto, é execução
Revoltados com as cenas de violências que não cessam, moradores da região também contestam o discurso das forças de segurança pública de que houve “confronto”, ou seja, que os jovens teriam reagido à abordagem e estariam armados.
“Arma é caro. Eles não tinham dinheiro nem para comprar moto, quem dirá arma”, rebate o familiar.
Em post nas redes sociais, o coletivo Ciranda da Paz, responsável por democratizar o acesso à cultura, desenvolvendo uma série de ações recreativas na Favela da Bratac, também denunciou a repressão.
“Quem disse que vida importa? Que vida tem o direito de ser vivida? Quem decide quem pode morrer? Quem não tem direito a um futuro? ”, diz o texto.
De acordo com o grupo, desde a infância, Kelvin frequentava as atividades do Ciranda. “15 anos, a idade em que nosso país, é conhecida também pelas festas de debutante, essa idade marca o começo. Kelvin estava debutando, iniciando a sua vida, trabalhando, estudando, ESTAVA”, lamenta o coletivo, que pede justiça.
Também em vídeo que circula nas redes sociais, Cirlene Vieira, mãe de Kelvin, acompanhada de outras mulheres, mostram marcas de tiros de balas de borracha. Elas teriam sido atingidas durante um protesto organizado pela vizinhança em reação ao ataque.
Protestos tomam as ruas de Londrina
Na tarde desta segunda-feira (17), diversos pontos da cidade registraram manifestações contra a letalidade policial, incluindo ato na avenida Brasília, nos arredores da Bratac. Além dos gritos de ordem como “chega de nos matar”, e “favela de luto”, familiares e amigos das vítimas atearam fogo em móveis e pneus a fim de fechar a via e chamar atenção para os abusos. Cerca de 10 viaturas da Polícia Militar e uma do Batalhão de Choque ficaram a poucos metros do protesto, que reuniu aproximadamente 200 pessoas.
Consternada, Cirlene reforçou que o filho estudava, trabalhava e não possuía antecedentes criminais. De igual maneira, Vanessa da Costa, mãe de Wender, rebateu o argumento de que o filho teria reagido à abordagem dos policiais.
Dois ônibus foram incendiados, segundo levantamento da CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização de Londrina). O transporte coletivo chegou a ser interrompido, voltando a circular na manhã desta terça-feira (18).
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Protesto na Câmara de Vereadores
As mobilizações contra a violência policial seguem nesta terça-feira (18). Desta vez, manifestantes estão convocando ato a partir das 14h, na Câmara Municipal de Londrina.
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Entre as reivindicações está a instalação de câmeras nas fardas dos policiais. O pedido é uma das principais pautas do grupo “Justiça por Almas- Mães de Luto em Luta”, formado em Londrina.
“A polícia vem aqui já com sangue nos olhos, porque esse é o treinamento deles para abordar em todas as periferias de Londrina. O tratamento policial na favela tem que ser diferente do jardins, tem que ser mais bravo, tem que ser mais agressivo”, adverte.
Segundo levantamento do Ministério Público do Paraná, em 2024, as forças de segurança (Polícia Militar, Polícia Civil e guardas municipais) mataram 413 pessoas no estado contra 348 em 2023. O aumento é de 19%.
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Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.