“Não basta produzir sem veneno e mudar a produção, é preciso mudar a relação entre pessoas e a natureza”, diz dirigente
Depois de cinco anos sem acontecer, a Feira Nacional da Reforma Agrária, o maior evento de interlocução entre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a população das cidades começa nesta quinta-feira (11) e vai até domingo (14), no Parque da Água Branca, em São Paulo.
De acordo com os organizadores, a Feira é uma forma de apresentar à sociedade não só o modelo de reforma agrária que o movimento defende, mas também aquele que ele produz, na prática. A vinda dos cerca de 1,2 mil feirantes para a capital paulista marca o início da comemoração de 40 anos do MST, cuja fundação foi em janeiro de 1984.
Serão comercializadas 500 toneladas de alimentos cultivados em assentamentos e acampamentos, vindos em 56 carretas de 23 estados brasileiros. Deste montante, 25 toneladas serão doadas em uma ação de solidariedade, no domingo (14).
Além das barracas e de um viveiro de árvores, a Feira terá atividades formativas e também a “Culinária da Terra”: uma praça de alimentação com 30 cozinhas que servirão 95 pratos típicos de diferentes regiões do país.
A entrada é gratuita e a programação cultural inclui cerca de 200 artistas. Entre eles, Jorge Aragão, Gaby Amarantos, Johnny Hooker, Lenine, Alessandra Leão, Zeca Baleiro, Yago Opróprio, Tulipa Ruiz, Chico César, Lirinha e Alzira Espíndola.
A função social da reforma agrária
A Feira da Reforma Agrária acontece, neste ano, menos de duas semanas depois do Agrishow. O maior evento do agronegócio no país foi marcado por uma crise institucional entre os organizadores e o governo federal, quando “desconvidaram” o ministro da Agricultura Carlos Fávaro (PSD) para a abertura do evento, priorizando a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na manhã da próxima sexta (12), uma atividade com políticos fará parte da programação da Feira do MST. Além do próprio Fávaro, confirmaram presença o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT), e o secretário de governo do Estado de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD).
Os quatro dias de evento no Parque da Água Branca marcam, ainda, a primeira grande ação do movimento depois da jornada de lutas do mês de abril e da aprovação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o MST. Ainda em vias de ser instaurada, a CPI visa investigar as ocupações dos sem-terra. “Eles vieram para o ataque, para esconder os crimes do latifúndio”, resumiu João Pedro Stedile, liderança do MST, no podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato.
Se, ao ocuparem terras, movimentos populares argumentam que a concentração fundiária faz com que imensos territórios deixem de cumprir sua função social, a produção de alimentos saudáveis traz o outro lado da moeda. Revela, justamente, uma das funções sociais da reforma agrária.
Neste contexto de CPI e de organização de milícias rurais contra ocupações, a Feira Nacional da Reforma Agrária busca, diz o MST, trazer evidências concretas aos argumentos do movimento em defesa de suas formas de atuação e da redistribuição de terras no Brasil.
“As nossas feiras são a expressão disso. A produção de alimentos saudáveis é uma forma de expressar o porque da função social da reforma agrária”, frisa Ceres Hadich, da direção nacional do MST. Lembrando que o país tem, atualmente, 33 milhões de pessoas passam fome, de acordo com a Rede Penssan, a dirigente ressalta que para produzir comida, é preciso ter terra.
Impasse civilizatório
Ao longo das quatro décadas de existência, o MST aprimorou, conta Hadich, seu “programa de reforma agrária popular”. Além da “democratização do acesso à terra e da ressignificação das formas de trabalho”, diz ela, o movimento incorporou entre seus pilares a defesa de mudanças nas formas de relação entre as pessoas e a natureza.
“Temos questões civilizatórias a enfrenta””, alerta Ceres. “E se a gente não fizer isso, do ponto de vista de uma ação política e estrutural, a gente está fadado inclusive a deixar de existir enquanto humanidade”.
O tema, além de implícito nos próprios produtos comercializados – vindos de terras pelas quais foi preciso luta organizada para que se transformassem em moradia e cultivo agroecológico -, também será pautado em rodas de conversa na Feira.
Delweck Matheus, assentado há 39 anos e membro da direção nacional do MST em São Paulo, reforça que “as famílias camponesas da agricultura familiar, ao produzir, têm o compromisso de cuidar dos bens da natureza. Isso é muito importante para o meio ambiente e o clima, que são questões fundamentais da sociedade”.
Fonte: Brasil de Fato