Ato reuniu centenas de pessoas no Calçadão neste domingo, Dia do Professor
Neste domingo (15), o Festival de Dança de Londrina 2023 chegou ao fim. Mas, se palco e escadarias do Cine Teatro Ouro Verde agora seguem disponíveis para acolher novas performances, as sementes do Festival, que nos últimos nove dias reuniu mais de 6 mil pessoas no espaço localizado no centro da cidade, permanecem germinando.
É esta a avaliação do jornalista e professor Renato Forin Jr., que há dez anos integra a curadoria e coordenação de comunicação do evento. Em entrevista ao Portal Verdade, ele comenta que desde 2013, a organização do Festival de Dança de Londrina tem se orientado pelo “artivismo”. Conforme o nome sugere, trata-se da junção das artes com o ativismo social.
“Nós pensamos em temas sociais e políticos que estão de alguma forma na pauta da imprensa brasileira, nas conversas da sociedade e sempre ligamos nossas antenas para captar isso e pensar em uma seleção de espetáculos que possam fazer as pessoas refletirem sobre esses assuntos, mas não só nos espetáculos, também nos textos do catálogo, nas redes sociais”, pontua.
Nesta edição, o lema “Sentir e inventar sentidos” encurtou as distâncias do Festival com as escolas, convidando o público a pensar sobre questões como a crescente plataformização do ensino, aumento da violência no cotidiano dos colégios, adoecimento de professores e alunos, tentativas de exclusão de disciplinas que integram as Humanidades dos currículos.
“Nós já temos hoje como segunda causa de mortes entre jovens, o suicídio. Onde foi que nós perdemos o sabor pela vida? Por que viver está tão difícil? Precisamos colocar esta discussão na pauta. Claro que os eventos de violência nas escolas, automutilação, tudo isso são questões muito preocupantes que precisamos debater. Nosso tema este ano foi pensar as relações entre arte e educação. E na contramão dessa necessidade de valorizar a vida, políticas que querem, por exemplo, excluir no estado do Paraná, disciplinas de Artes da educação básica. Essas disciplinas já foram retiradas do ensino médio, tivemos no final do ano passado, uma tentativa super inusitada, que aconteceu no final de dezembro, de retirar dos oitavos e nonos anos, a disciplina de Arte e neste momento a gente verifica a plataformização”, diz.
As críticas a um modelo de ensino tecnicista, sem estímulo ao pensamento crítico ecoaram ainda mais alto na celebração-manifesto de encerramento. No Dia do Professor, data que também marca o fim da programação, a frente do Ouro Verde foi tomada por cartazes com a letra do “Samba da Utopia”. Trechos de Paulo Freire e Ailton Krenak, educadores brasileiros também foram compartilhados.
Integrando o ato, que reuniu centenas de pessoas no Calçadão, lideranças como Maria Evilma Alves Moreira, Secretária de Promoção de Igualdade Racial e Combate ao Racismo da APP-Sindicato; Kennedy Piau Ferreira, docente do Departamento de Artes Visuais da UEL; e Bruno César Garcia, da Secretaria de Organização da APP-Sindicato chamaram atenção para a defesa da escola pública, do respeito às diversidades e manutenção de todas as disciplinas na grade curricular da educação básica.
Outros dois professores realizaram intervenções artísticas na festa de encerramento: Vanessa Deister, docente da UEM, apresentou a performance “Carpideira”; e Cláudio de Souza, professor da Escola Municipal de Dança, fechou os trabalhos com um solo de dança contemporânea.
Mesmo com menor recurso, Festival superou expectativas
A coordenadora geral do Festival de Dança de Londrina, diretora de produção do balé da cidade, Daniele Pereira avalia que, mesmo com o menor orçamento do que o destinado em anos anteriores, o evento superou as expectativas. Para ela, o Festival já integra o calendário da cidade e a população aguarda pelo momento de acompanhar os espetáculos.
“Foram nove dias de festival, dez espetáculos, a casa cheia, grupos não só de Londrina, como também nacionais e encerrando com um grupo internacional. Eu faço uma avaliação muito positiva do Festival de Dança de Londrina neste ano de 2023, um público muito presente, uma programação forte, bastante contundente, sempre coesa e ligada com a temática que a gente toca e à atualidade seja do município, estado, do nosso país como um todo. Confesso que eu não esperava tanto, a gente como coordenação fica muito contente, porque independente da verba, se ela é muito ou pouca, claro que nosso trabalho acaba triplicando, mas é muito prazeroso, é o que faz ver que vale a pena ver a casa cheia, pessoas sentindo e ressignificando suas vidas a partir dos espetáculos e momentos de encontro”, assinala.
Neste ano, o Festival contou com patrocínio exclusivo do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) da Prefeitura de Londrina.
Pereira compartilha que, a escolha de dente-de-leão que tece e se confunde com a saia de uma bailarina para ilustrar a identidade visual do evento tem entre seus propósitos pulverizar as artes, os conhecimentos construídos durante os encontros por toda a cidade. “Também tem a ver com as questões de educação, este diálogo entre a arte e a educação, essa necessidade de se fazer cada vez mais presente ao mesmo tempo em que os governos querem que a gente se faça cada vez mais ausente”, observa.
“A gente fala que o Festival tem uma espécie de ofício de vento que bate no dente-de-leão e espalha todas as sementes, começa fraquinho e passa a ganhar força, muitas vezes ele destrói, mas para suscitar uma reconstrução. O Festival desde sua origem ancestral, grega é um momento de festa, de suspensão, de repensar a sociedade, a vida. No Festival de Dança, a gente procura levar isso muito a sério. Nós tivemos a edição do ano passado, pós-pandemia, que a gente não poderia pensar em outra coisa senão que ‘estamos vivos e qual a nossa função enquanto seres humanos?’ considerando que o país passou por um momento devastador, necropolítico. Então, a gente precisa replantar essa primavera”, acrescenta Renato Forin Jr.
Próxima edição
As cortinas mal fecharam e os organizadores já estão somando esforços para viabilizar a próxima edição do evento. “A gente está em uma entressafra, na verdade, de editais de cultura, nós tivemos esse rolo compressor que passou pela cultura nos últimos anos, com extinção, inclusive, do Ministério da Cultura e agora nós retomamos e estamos vendo nossos editais. Então, o resultado deste baixo orçamento deste ano é muito em função desta entressafra de editais, mas as expectativas são melhores para o ano que vem. Nós temos e precisamos lembrar do patrocínio da Prefeitura de Londrina por meio do Promic, que é exclusivo neste ano, e temos suscitado por meio do Conselho de Cultura, a discussão para que essa verba possa aumentar”, complementa Renato Forin Jr.
O docente ressalta que os custos dos festivais, que envolvem artes cênicas, são elevados considerando as demandas de infraestrutura. Para ele, o investimento também é preponderante a fim de que o valor dos ingressos seja acessível para toda a população, garantindo o direito à cultura, previsto no artigo 215 da Constituição Federal.
“Nós temos, em geral, grupos de bailarinos muito grandes que nós custeamos alimentação, hospedagem, cachê, transporte, tudo isso é muito caro. Para que a gente possa colocar toda essa beleza e potência em cena, nós dependemos de orçamento e também para que a possa manter os custos acessíveis da bilheteria. Há muito tempo, praticamos esse valor entre R$ 15 e R$ 20, para democratizar mesmo. Este ano, por mais que tenhamos tido um orçamento mais baixo, a nossa abertura foi gratuita como fizemos nos últimos anos. Para que a gente possa manter a democratização do acesso aos bens culturais é necessário que estes valores sejam implementados. Esperamos isso por meio dos editais que estão saindo e o aumento do orçamento junto ao município, principalmente, para a categoria dos festivais”, finaliza.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.